:: dez/2023
OS TORMENTOS DOS ESCRAVOS CRISTÃOS NAS GALÉS E O MEDO DE UM NOVO DONO
O pior sofrimento estava reservado para os escravos brancos ou cristãos que eram capturados pelos mouros e muçulmanos da região da Berbéria (Túnis, Argel e Trípoli) e depois levados para remar nas galés por cinco ou seis semanas em alto mar, com a finalidade de saquear mais navios.
Eles eram acorrentados nos bancos de madeira, com grilhões e trancas nos pés, sujeitos a chuva e ao sol. As rações eram limitadas, do tipo chamada de biscoitos de marinheiros (tinham que ter bons dentes para mastiga-los). Muitos morriam de exaustão enquanto eram espancados com chibatadas e outros castigos. Os que ficam em terra temiam ser revendidos para um novo senhor e privados de possíveis resgates.
No capítulo III do livro “Escravos Cristãos, Senhores Muçulmanos”, o autor Robert Davis fala sobre o “Trabalho Escravo” onde descreve o relato de diversos cativos que foram vítimas da escravidão branca entre os séculos XVI e final do XVIII, fazendo um paralelo com o que também passaram os negros africanos levados para as Américas.
Para começar, ele cita o português João Mascarenhas em um trecho do seu testemunho onde diz que “não há pior momento na vida do que aquele em que o escravo fica na expectativa para descobrir quem será o seu dono”. Segundo ele, se seu destino for cair nas mãos “de um senhor desumano, nada de bom poderá ser vislumbrado em seu futuro e deverá considerar-se o mais infeliz entre seus iguais: Não há pior inferno nesta vida”.
Mascarenhas assinala que o escravo poderá ser revendido, sobrecarregá-lo com trabalho, aprisioná-lo, mutilá-lo, matá-lo, sem ninguém poder interferir. Outro cativo William Okeley destaca que “se um patrão matasse seu cativo, pelo que pude constatar, enfrentaria as mesmas consequências do que se tivesse matado seu cavalo”.
De acordo com historiadores, todos os novos cativos, assim que desembarcavam, eram separados em duas classes bastante distintas: os escravos para resgaste e aqueles para o trabalho. “Tais compradores, conforme analistas, eram na maioria das vezes “mouros” ou “tagarins” (antigos moradores muçulmanos da Península Ibérica que foram expulsos ou fugiram de lá) e renegados europeus”.
Um senhor proprietário de Argel declarou que comprou seus escravos para conseguir algum lucro com eles. Pelo pouco que se sabe do preço de venda inicial dos escravos no badistão (mercado), a expectativa de ganho girava em torno de 10 a 12% ao ano por cada cativo.
Com base em pesquisadores, o autor da obra ressalta que os compradores que “só adquiriam escravos para serví-los, não para o tráfico,” eram, na maior parte das vezes, turcos ou janízaros (gregos ou ortodoxos) renegados e alguns agentes do conselho governante local, chamados de divan.
Quando visavam mais o trabalho do que o resgate, esses proprietários estipulavam uma gama maior de tarefas aos seus vassalos do que os adquirentes para revenda. Num comparativo com a escravidão negra destinada às Américas, a principal demanda era para trabalhadores rurais com fins comerciais nas lavouras de açúcar, arroz, algodão e tabaco. Na Berbéria, as tarefas eram voltadas para homens livres que não estavam mais dispostos a realizar.
Um senhor de Argel, chamado Ali Pegelin, chegou a possuir vinte mulheres escravas, cristãs, que ficavam a serviço da sua esposa. A maior parte dos serviços eram concentrados mais nas cidades em construções diversas, carregamento de pedras, mordomos e trabalhos domésticos em geral.
No decorrer do século XVII, quando emissários de várias nações cristãs e de Roma começaram a se fixar em consulados ou missões nas capitais das regências berberes, começaram a surgir vagas para os escravos, como criados contratados desses europeus. Algumas dessas atividades eram semelhantes aos trabalhos prestados por empregados domésticos na Europa, como pegar água ao amanhecer, limpar banheiros, buscar pão quente, lavar roupas e cuidar das crianças.
No entanto, a maioria era usada para extração de pedras, construção civil, corte de árvores, colheitas e remar nas galés. “Aliás, foram as galés que se tornaram a epítome da escravidão dos europeus brancos na Berbéria, assim como foi o corte de cana para os africanos que trabalhavam nas Américas”.
Como dizia Mascarenhas, se o sujeito não foi um galeotto, não podia dizer que foi um escravo…” “É uma aflição sem tamanho ver os pobres escravos obrigados a remar sob constantes e violentas chicotadas e pauladas… De todas as agruras que esses pobres cativos são forçados a padecer, a pior, sem sombra de dúvidas, é aquela que sofrem nas galés dos turcos berberes.”
A maioria era levada para as galés porque não tinha outros talentos ou nenhuma habilidade especial, nem sinais claros de riqueza para a venda. Geralmente eram camponeses, pescadores, soldados rasos ou marujos comuns.
O ÓDIO NÃO MORRE COM O ANO VELHO
Carlos González – jornalista
Um ano sem Jair Bolsonaro. Há motivos para uma parcela considerável da população brasileira comemorar? A resposta é dada pela conceituada revista inglesa “The Economist”, ao afirmar que o Brasil voltou à normalidade em 2023, superando o que chamou de “populismo mentiroso”. O efervescente movimento das pessoas nas ruas e nas lojas nesse Natal, com o anunciado aumento de consumo da população, não deve servir de parâmetro para se aplaudir os primeiros 365 dias do terceiro mandato de Lula.
Nessa virada do ano há lufadas de otimismo na atmosfera. Pesquisa Datafolha revelou que sete entre dez brasileiros esperam um 2024 melhor do que 2023. Segundo o ministro Márcio Moreira (Secretaria-Geral da Presidência) o governo em 2024 vai continuar apostando nas políticas econômicas e sociais, responsáveis pelos 38% de aprovação da população ao trabalho do petista. Certas promessas de campanha foram parcialmente cumpridas. Vamos lembrar o meio ambiente e a violência.
A televisão mostrou destruição de barcaças e aeronaves de garimpeiros que exploram ilegalmente o ouro nos rios da Amazônia. Louvável o desempenho da Polícia Federal (PF) e do Ibama. Mas os criminosos estão voltando, junto com os que exploram o comércio de madeiras nobres e os que queimam a floresta para abrir pastos para o gado. Há necessidade de uma intervenção mais rigorosa, com apoio do Exército e da Força Aérea, senão “a boiada vai passar”.
Revogar os decretos de Bolsonaro que beneficiaram a indústria armamentista nacional e o contrabando de armas e munição era um dos objetivos prioritários do lulismo. Nos primeiros meses deste ano foram fechados centros de treinamento de atiradores bolsonaristas, sem que isso diminuísse os crimes de homicídio e o poder de fogo das quadrilhas de traficantes de drogas. A campanha em favor do desarmamento da população acabou esbarrando em comissões da Câmara dos Deputados, onde uma maioria formada pelas bancadas da bala e evangélica, incentivada pelo lobby dos fabricantes de armas, votou contra os projetos de lei enviados pelo Executivo.
A Justiça acaba de determinar que o governo federal, o do Estado do Amazonas e da cidade de Manaus indenizem em R$ 1,4 mi os familiares de dona de casa que morreu por asfixia em 15 de janeiro de 2021. Entre o final de 2020 e começo de 2021, a capital nortista viveu uma dramática crise sanitária e humanitária por falta de oxigênio nas UTIs dos hospitais que recebiam pacientes com covid-19. O ministro da Saúde na época era o general Eduardo Pazuello, que, por sua negligência, recebeu como “prêmio” dos bolsonaristas fluminenses uma cadeira na Câmara Federal.
Essa e outras milhares de vidas perdidas na gestão Bolsonaro por falta de vacinas e insumos hospitalares poderão suscitar uma série de pedidos de indenizações na Justiça. Além de ter atrasado a compra de vacinas, de ter incinerado medicamentos de alto custo, de ter falsificado seu cartão de vacinação e de ter estimulado o uso da cloroquina e derivados para prevenção e cura da covid–9, o ex-capitão está deixando mais uma dívida para o governo Lula.
Ao dar palpites de questões da diplomacia, Lula cometeu erros que depois tentou consertar. Para recolocar o Brasil como protagonismo no mundo visitou em 62 dias 24 países em 15 viagens, a um custo em torno de R$ 1 bi. Estabeleceu um recorde, mas, em compensação, não trouxe joias sauditas. Silenciou as críticas da oposição repatriando em voos da FAB mais de 1.500 brasileiros que residiam em Israel e na Faixa de Gaza.
Eles estão lá no plenário da Câmara dos Deputados, inquietos, não têm ideologia, só falam nas emendas. É a turma do Centrão, que faz Lula de refém, como fez de presidentes anteriores desde FHC. Sem os bilhões de reais os projetos do Executivo não são aprovados. Pressionado, Lula foi obrigado a colocar em segundo plano pautas progressistas previstas para serem executadas este ano.
Infelizmente, o ódio não vai morrer com o Ano Velho. Na fala à nação na noite de Natal o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu que o “Brasil abraçasse o Brasil”, gesto que significaria o fim do ódio, sentimento que durante o mandato de Bolsonaro separou amigos e dividiu famílias.
Bolsonaro ainda não reconheceu a derrota. Seus devotos continuam a espalhar “fake news” (o projeto de lei que regulamenta as redes sociais foi engavetado), aguardando a volta do Messias, que deverá ser indiciado – mais outro processo – por incitação aos atos golpistas do 8 de janeiro. Em 2024, o ex-morador do Alvorada poderá se mudar para a Papuda.
PENSAMENTOS MIÚDOS (OU VAIKAIS)
(Chico Ribeiro Neto)
Como você anda?
Mastigando de lado
E andando de banda
XXX
Na escada rolante
Caiu uma lágrima
Por um instante
XXX
Notícia tem Sim e Não
Só depende do patrão
XXX
Besouro da alma
Quando pousa
Acalma
XXX
Viver é diário?
Sei não
Pergunte ao vigário
XXX
Bota a casa bonita
Pois amanhã
Chega visita
XXX
Comer ligeiro
Farinha pouca
Meu pirão primeiro
XXX
Notícia dura
Ela é bonita
Mas usa dentadura
XXX
O que é esperança?
Não é difícil
São olhos de criança
XXX
Cadê os sonhos?
O vento levou
Só um ficou
XXX
Vendedor de um pacote de saudades:
– É pra embrulhar ou o senhor vai levar assim mesmo?
XXX
“…Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro…”
(Trecho do poema “O Guardador de Rebanhos”, de Fernando Pessoa, em Ficções do Interlúdio, Poemas Completos de A. Caeiro).
Feliz Natal a todos.
(Veja crônicas anteriores em leiamaisba.com.br)
SÓ DE LUZES
Como nos anos passados, com shows e apresentações de artistas, ternos de reis, quadrilhas e shows musicais no Espaço Glauber Rocha, no Bairro Brasil, inclusive de renome nacional, neste ano, praticamente só tivemos um Natal de Luzes em Vitória da Conquista, na tradicional Praça Tancredo Neves, antiga Praça das Borboletas. No mais foram propagandas do poder executivo nos telões e apresentações desorganizadas de artistas locais no pequeno palco da Praça da Bandeira, no centro comercial. No ano passado ainda ocorreram alguns eventos artísticos no Memorial Casa Régis Pacheco porque o Conselho Municipal de Cultura liberou do seu Fundo 160 mil reais para realização de editais contemplando diversas linguagens. Neste ano de 2023 foi um total fracasso em termos de atividades culturais para o povo, conforme ressaltaram diversos artistas conquistenses. Houve até uma reclamação dos moradores em relação ao “apagão” das luzes na Tancredo Neves, por volta das 23 horas, quando as pessoas estavam se divertindo no local com suas famílias e crianças. De acordo com artistas, o Natal deste ano foi um dos piores de todos os tempos. Tudo isso é um sinal de que a nossa cultura foi abandonada em Conquista, o que é uma vergonha para uma cidade de quase 400 mil habitantes e a terceira maior da Bahia. Cadê a reforma dos equipamentos culturais? Foi só um Natal de luzes e uns pingadinhos de pisca-piscas em alguns bairros, como na Lagoa das Bateias.
CARTA DE UM NORDESTINO
Versos de autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário
Não existe mais carta,
Escrita à mão,
Pra falar de amor e solidão,
Só mensagens no celular,
Algumas tiras,
Curtas e apressadas,
Depois apagadas,
Palavras corretas,
Muitas erradas,
Quase sem saudades no ar,
Amenidades, mentiras
E falsidades.
Nos alfarrábios do meu baú
Na minha lida carpina,
Coisa da sina,
Encontrei amarelada,
Toda abarrotada,
Uma carta de um nordestino,
Contando notícias de cá e de lá,
De terras distantes sobre o lar,
De quem ficou e partiu,
Coisa de lavrador cansado,
Que bateu em retirada,
Numa longa estrada,
Na poeira do pau-de-arara,
Deixando o canto da juriti,
Do nambu, do sofrer e da arara.
A carta do nordestino,
Como no choro de um menino:
Falava dos gaviões e urubus,
No canto a foice e a enxada,
De mantimentos quase nada,
Mulher e filhos quase nus,
Da dor da fome danada,
Das lágrimas, soluço entalados,
Do gadinho e das plantações,
Do governo que faz de conta,
Que dá carro-pipa e acode,
E mal socorre o bode.
O cachorro sempre deitado,
Dizia a carta:
Nem mais late e morde,
O jeito é apelar pra fé,
Pra esperança e a sorte,
E acreditar na safra farta,
Que o sertanejo é um forte.
A carta ainda narrava:
Aqui estou,
Do alto de uma construção,
Sendo escravo de patrão,
Mas um dia eu volto,
Quando o aguaceiro cair,
A terra molhar, o verde sair,
Ver a flor brotar seu botão,
Pra cuidar da minha terrinha,
E até promessa e penitência,
Fez pra sua santinha,
Para subir de joelhos,
O morro da Paciência.
AS AÇÕES DE “CARIDADE” NÃO TRANSFORMAM O CIDADÃO E NEM MUDAM SEU NÍVEL SOCIAL
Longe de mim criticar aqui as ações de “caridade”, cidadania ou solidariedade, como queiram, em favor dos mais necessitados através de doações de alimentos, o chamado Sopão, brinquedos para as crianças e outros itens. Todos fazem questão de aparecer e falar os clichês, bordões e as frases de sempre.
No entanto, na minha modesta visão, leitura e reflexão, não são essas iniciativas que vão transformar o cidadão com uma penca de filhos “barrigas d´água e nem mudar seu nível social, econômico e educacional. Não passam de paliativos e consolos, principalmente em final de ano do espírito natalino. Depois de tudo, todos continuam como dantes…
O quadro de pobreza e miséria continua o mesmo em moradias periféricas, insalubres, sem tratamento de esgotos e até água potável, além da ignorância, o analfabetismo e a casa cheia de crianças vivendo sem a mínima dignidade humana.
Todos os finais de ano são campanhas e mais campanhas de Natal sem Fome, Natal do Bem e outros slogans que inventam, promovidas por entidades, instituições filantrópicas e ongs. Todos que dão e recebem naquele momento ficam felizes da vida, com direito a beijos, abraços e choros.
Os olhos brilham, mas dias depois voltam a derramar lágrimas quando a fome bate nas portas e a realidade retoma o seu devido lugar. Há quantos anos fazem isso e a quantos mais teremos que ver essas imagens que enchem as televisões, enquanto o Brasil permanece ostentando um dos piores índices no ensino público e onde existem as maiores desigualdades sociais do mundo?
É Feliz Natal e Boas Festas! Depois todos vãos para suas casas confortáveis saborear e banquetear suas comidas caras. A mídia televisiva, especialmente, com sua linguagem burguesa, volta seu foco e suas lentes para as mesas recheadas de chesters, perus, bacalhaus, vinhos, doces, panetones e produtos importados de várias espécies e qualidades.
É tudo colorido, luzes, festas e confraternizações. O nosso jornalismo dificilmente mostra como é o Natal na casa de um favelado, desempregado ou quem ganha um salário mínimo. As reportagens glamorosas enlouquecem os consumidores com apelos de compras; enchem a pança dos lojistas; e aumentam suas audiências. As grandes empresas jornalísticas querem é poder, lucro e bajulação.
Tudo funciona como uma máquina ou um robô, comandada pelo ser humano, que também está banalizado. Onde ficam o comprometimento e a indignação dos brasileiros para cobrar e exigir dos governos que implementem mudanças sociais sérias através de um conjunto de políticas públicas, distribuição de renda (as elites não querem) e priorização da educação?
É mais fácil dar esmolas caridosas como pregava a Igreja Católica aos seus fiéis desde os tempos do seu nascimento, com a promessa de ganhar o reino dos céus. Dois mil anos depois e ainda estamos na cultura da caridade, com os nomes de solidariedade e “amor ao próximo”. Esses jovens e essa gente em geral sabem o que é revolução social, o que é socialismo humano?
Enquanto rolam pelo Brasil a fora as doações, as campanhas e as refeições natalinas aos miseráveis dos casebres e das ruas, que são alvos prediletos dos políticos nas eleições, o Congresso Nacional imoral (um dos mais caros do planeta) reajusta os benefícios de seus parlamentares, como das emendas, das quais dizem ter direito legal; o Fundo Eleitoral fica nos 5 bilhões de reais (ainda falam que é coisa pequena); e reduz o salário mínimo, projetado para 1.421 reais e aprovado para 1.412,00.
Como a grande maioria do nosso povo, infelizmente, é inculta, lá estão eles aplaudindo e comemorando o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) somente deles porque ficam com os bolsos recheados de dinheiro. Há mais de 40 anos, ainda repórter de economia, ouvia, em entrevistas do ministro Delfim Neto, da ditadura civil-militar, afirmar que era preciso crescer o bolo para depois dividir as fatias com os pobres. O tempo passou e eles hoje mal recebem os farelos que caem de suas mesas. E como será daqui a mais esse período?
Ninguém sabe, ninguém viu e todos nós fazemos de conta que é justo e que não adianta protestar e contestar. Onde ficam a consciência social e política? Ficam no lixo ou nas cestas básicas que alimentam mais ainda a pobreza a cada ano, com os milhões de famintos nas filas dos ossos e dependentes dos chamados caridosos, daquele filho de Deus que tem compaixão.
Será que foi tudo isso que o Cristo nos ensinou, ou foi a cultura religiosa comodista da caridade, para pagar seus pecados imorais cometidos durante o ano? Muitos acham que basta realizar uma ação coletiva uma vez ao ano para apagar seus pecados, suas atitudes individualistas, suas ambições a qualquer custo, suas indiferenças, seus métodos inescrupulosos de competição e, principalmente, seus modus operandi de se calar diante dessa política de castas capitalistas oligarcas selvagens e predadoras.
É ela mesma, essa burguesia egoísta e hipócrita, que fabrica a miséria, sabendo que será socorrida por essa sociedade alienada que compactua até com a violência militar e diz que bandido bom é bandido morto. Dentro de mais quarenta ou cinquenta anos (não estarei mais vivo) talvez estaremos realizando as mesmas práticas caridosas, no mesmo estágio de pobreza extrema ou pior em termos de desenvolvimento social. Até quando vamos repetir, ver e ouvir essas mesas cenas?
O CÉU FOI INFORMATIZADO E O INFERNO TAMBÉM RESOLVEU ENTRAR NA ONDA
O belzebu e sua tropa de malvados cramunhões não deixaram por menos e logo que o céu foi informatizado eles resolveram entrar no esquema e estão se dando bem nessa onda virtual. O diabo, ou satanás, saiu na frente e conectou sua rede de computadores com os aparelhos de celulares dos terráqueos, instigando ódio, intolerância, pânico e terror.
Aproveitou as redes sociais das operadoras para enviar fake news, cenas de pornografias, bacanais e mortes horripilantes. As crianças e os adolescentes estão sendo as maiores vítimas do vício doentio e matador. Tratou logo de tornar a humanidade mais imbecil e idiota.
De tão divertida que está a coisa, nem precisa mais ele sair por aí atentando as pessoas a praticarem o mal. Agora tem mais tempo para descansar e tirar sua soneca sossegado. Programou até férias. Ele está até usando o nome de Deus para fazer suas maldades de matanças, guerras, massacres e atrocidades.
Só que no inferno, a empresa que os diabos contrataram para fazer a informatização, superfaturou os serviços. É que lá dentro só tem malfeitores. Políticos, empresários e gananciosos em geral trataram logo de subornar dirigentes e pegar suas polpudas comissões.
O inferno ficou mais inferno e o satanás abriu uma CPI para apurar as corrupções. Os condenados foram para as camadas mais profundas onde só fica gente da pior espécie. O Brasil, por exemplo, tem um celeiro deles, todos das elites burguesas que fabricaram a miséria de milhões.
Com um painel gigante e câmaras em todos os cantos do inferno, sentados em seus tronos de fogo e labaredas com seus tridentes, numa boa, os comandantes da infernalha assistem de camarote os horrores. Ficaram surpresos porque não tinham tanta noção que a humanidade era tão perversa e ruim.
A informatização está até servindo para tornar as coisas ainda piores na terra com as estripulias dos diabos. Por conta própria, o sistema faz tudo para aumentar as desgraças. Uma ferramenta preciosa que até elevou o PIB do inferno para as alturas.
Um dia desses o diabo chefão enviou uma mensagem para Deus com as seguintes provocações: “Em teu nome teus humanos fazem guerras, massacram os mais fracos como agora pelos teus ditos eleitos contra os palestinos onde nasceu teu filho, praticam a escravidão, jogam pedras nos terreiros de candomblé e estão arrasando tua terra, deixando-a desértica. Nem estou precisando fazer muito esforço para eles cometerem as crueldades e atrocidades. Não vais interferir”? Deus nem respondeu porque o bicho dos infernos está ganhando de goleada.
Com a informatização dos infernos e mais ofertas de compensações para os poderosos, as coisas estão fervendo no planeta terra e a chapa cada vez esquenta, meu camarada! Aqui está virando um departamento do inferno e o satanás conseguiu bilhões de seguidores malucos e bestiais. O peste ruim só faz rir de tantos adeptos que vão se juntando a ele.
O CÉU FOI INFORMATIZADO, E O INFERNO TAMBÉM
De tantas filas no portão de entrada, fichários tomando espaços, pedidos acumulados por todo canto e até documentos de registros perdidos, Deus resolveu informatizar o céu para também dar uma descansada. Antes fez uma reunião com seu filho e o Espírito Santo e ficou tudo acertado.
Chamou São Pedro e mandou contratar uma empresa especializada em programação, formar sua equipe de santos e anjos, recomendando contemplar as mulheres, negros e outras minorias para não ser processado pelas leis. Instituiu até o sistema de cotas. Maria ficou encarregada do gênero feminino. São Tomé não acreditou no que viu e Pedro ranzinza resmungou que aquilo não iria dar certo.
Tudo pronto e aquela parafernália de máquinas e computadores por todo lado ficou uma belezura. Implantou um sistema forte de segurança contra hackers e digitalizou tudo. Criou até sentenças por vídeo conferência e reuniões virtuais. Instalou um painel da terra do tipo Big Brothers e agora é tudo no apertar do botão ou clicar nas telas.
As filas praticamente se acabaram e Deus até decidiu tirar suas sonecas mais longas e sossegado. As câmaras passaram a registrar tudo e tinha coisas de intrigas, fofocas e boatos que nem Ele sabia sobre as merdas e besteiras que faziam em seu nome. É Deus pra lá, Deus pra cá, tudo em vão.
Depois do céu informatizado, contam que Deus recebeu um recado de uma tal de “Suíça Baiana” que nem o próprio Supremo ouvia falar, pedindo chuvas e outros presentes, inclusive para o time de futebol da cidade ir para a 1ª Divisão do campeonato estadual.
São Pedro teve que explicar que se tratava de Vitória da Conquista, na Bahia/Brasil. “Ah sim, só podia ser coisa de brasileiro baiano. A cidade que espere por mais um tempo, pois está mais necessitando é de cultura. Quando a prefeita reformar os equipamentos culturais e aprovar um plano para o setor, aí eu atendo as solicitações. Gira aí a tela para outra imagem” – ordenou o Todo Poderoso.
Vez por outra a tecnologia dá um pau e sai do ar, sem falar nos intrusos e espertos que clonam cartões, trocam nomes e entram no céu como penetras. Foi então que São Pedro e outros de seus seguidores disseram: “Bem que avisamos que isso ia dar problema”. Porém, o que importa é que Deus pode até lhe conceder umas merecidas folgas de férias.
Agora Ele está com a ideia de fazer uma conexão direta com os terráqueos que estão destruindo o planeta de cabo a rabo. A intenção é enviar mensagens escritas e áudios com advertências para os malfeitores, os corruptos, violentos, bandidos, avarentos, falsos, mentirosos e outras ruindades perversas, avisando que se continuarem assim não serão dignos do reino dos céus.
Cada comunicado negativo vai ter uma pontuação e aí o cara, ou a cara pode até ser eliminado da lista antes mesmo de morrer. Nem vão mais chegar perto do portal porque a pessoa do mal já foi condenada em vida. Seu nome vai ser simplesmente apagado.
Quem não está gostando muito disso são os políticos, trapaceiros, governantes que fazem da coisa público como se fosse sua e toda essa gente perniciosa. Não adianta deletar as mensagens. Diante de tantos erros e mazelas, inclusive contra a natureza, os celulares e notebooks aqui da terra vão ficar sobrecarregados.
É pessoal, fiquem atentos porque o céu foi informatizado e o diabo, satanás ou o belzebu também fez o mesmo para não ficar de fora e competir com Deus para ver quem leva mais almas para seu espaço. A concorrência ficou acirrada, mas sobre o inferno é outra história que conto depois.
AS CAPTURAS DE CRISTÃOS BRANCOS EM MAR RENDIAM MAIS QUE AS TERRESTRES
Os berberes muçulmanos de Túnis, Argel e Trípoli tiravam mais proveito em termos de espólios do que de escravos quando invadiam navios mercantes em alto mar na região do Mediterrâneo. De um modo geral eram nobres e bispos da Igreja Católica que transportavam bens de valor, principalmente joias preciosas. Em terra, os escravos eram em sua maior parte camponeses e pescadores, sem muito valor de resgates.
Quando uma embarcação estava prestes a ser atacada geralmente os passageiros mais notáveis procuravam se disfarçar com roupas mais simples e até com aventais de marujos, mas muitos terminavam confessando suas identidades por intermédio de espancamentos e torturas. Outros jogavam seus pertences no mar e fugiam em barcos. Porém, muitos eram pegos de surpresa e apanhados como escravos.
Carpinteiros, oficiais da marinha e armadores eram valiosos no mercado de escravos para os serviços dos reis corsários e sultões, tanto que nem eram vendidos pelo que valorizavam. Outros eram levados para o mercado denominado de “badistão” para serem comercializados ou resgatados pelos seus reis. Cada traficante tinha direito a uma cota das apreensões de acordo com a função e o financiamento investido na incursão.
Havia algumas semelhanças nos métodos adotados entre a escravidão africana no Atlântico e a muçulmana contra os cristãos, mas nada que se iguale em dimensão dos empreendimentos e aos sofrimentos impostos aos africanos. Haviam correntes, trancas e até chibatadas, mas muitos brancos eram até bem tratados e melhor alimentados quando tinham boa serventia no mercado.
Essas descrições da escravidão branca entre os séculos XVI até final do século XVIII estão no livro “Escravos Cristão, Senhores Muçulmanos”, do historiador Robert C. Davis, quando ele deixa claro que a escravidão branca ou de cristãos se tratava mais de uma represália religiosa sofrida pelos mouros quando foram perseguidos pelas Cruzadas e expulsos da Península Ibérica. Os países mais atingidos foram a Espanha, França Itália e Portugal.
Na Itália, por exemplo, por volta de 1566, os corsários acabaram se apossando de uma imensa faixa litorânea que eles conquistaram sem a menor resistência. Naquela época, as autoridades recomendavam a evacuação da população. Muitas cidades e vilarejos eram abandonados.
Mais tarde, quando os corsários piratas voltavam para novos saques encontravam largos territórios litorâneos desabitados. De acordo com testemunhas, foi assim que eles assolaram e deixaram em ruínas a Sardenha, a Córsega, Sicília, a Calábria, as costas de Nápoles, Roma, Gênova e litorais da Espanha.
A estudiosa Mirella Mafrici, por exemplo, forneceu vasto material para fundamentar as alegações feitas por observadores sobre o despovoamento levado a cabo por essas incursões escravistas por terra. Diz o autor ser mais provável que as mulheres de haréns e casas de famílias na Berbéria tenham vindo de vilarejos costeiros do que de navios capturados.
Quando os invasores levavam um grande grupo de mulheres reprodutivas, isso se tornava um duro golpe para as comunidades que já estavam em crise demográfica, dificultando sua recuperação populacional. Diversas cidades de médio porte ficavam abarrotadas de refugiados. Isso ainda era melhor para os corsários e reis atacarem porque levavam uma maior quantidade de escravos.
No entanto, pelos meados do século XVII, esses locais foram mais reforçados e as investidas dos muçulmanos se tornaram mais raras. As incursões ficaram mais arriscadas. Quando as cidades de médio porte passaram a construir muralhas e torres de proteção, os corsários passaram a focar em presas mais frágeis, como habitações isoladas, monastérios e até indivíduos sozinhos. Eles procuravam disfarçar suas embarcações como se fossem de cristãos. Os remadores eram amordaçados para não entregar o jogo.
CINDELERO NO NATAL
Chico Ribeiro Neto)
Seu Antenor achou interessante a brincadeira. Depois de tomar um vinho, começou a pensar no Natal, longe de todos os filhos e netos, e decidiu repetir um velho gesto de infância: resolveu botar na janela o seu sapato Vulcabrás número 44.
Lembrou da alegria de ganhar o primeiro velocípede e do trator que soltava fagulhas. Esperou dar perto da meia-noite, apagou todas as luzes e foi, pé ante pé, até a janela do quarto, no oitavo andar, depositar o seu sapatão. Esboçou um leve sorriso de criança e dormiu pleno.
Seu Antenor acordou às 7 da manhã com os gritos de uma vizinha lá embaixo: “Quem foi o filho da puta que fez isso?” O Vulcabrás 44 estava em cima do capô do carro zero que ela acabou de receber essa semana.
Final da história: o síndico teve que ir, de porta em porta, com o pé do Vulcabrás na mão, para tentar identificar entre os moradores o dono do sapato. Mandava um por um experimentar o sapato no pé esquerdo.
Não era o sapatinho de cristal deixado no baile pela Cinderela, mas um Vulcabrás, e quem o calçasse com perfeição não iria casar com a princesa, mas pagar os danos causados ao carro novo da irada vizinha. O Cinderelo se deu mal.
(Veja crônicas anteriores em leiamaisba.com.br)