Versos de autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário

Não existe mais carta,

Escrita à mão,

Pra falar de amor e solidão,

Só mensagens no celular,

Algumas tiras,

Curtas e apressadas,

Depois apagadas,

Palavras corretas,

Muitas erradas,

Quase sem saudades no ar,

Amenidades, mentiras

E falsidades.

 

Nos alfarrábios do meu baú

Na minha lida carpina,

Coisa da sina,

Encontrei amarelada,

Toda abarrotada,

Uma carta de um nordestino,

Contando notícias de cá e de lá,

De terras distantes sobre o lar,

De quem ficou e partiu,

Coisa de lavrador cansado,

Que bateu em retirada,

Numa longa estrada,

Na poeira do pau-de-arara,

Deixando o canto da juriti,

Do nambu, do sofrer e da arara.

 

A carta do nordestino,

Como no choro de um menino:

Falava dos gaviões e urubus,

No canto a foice e a enxada,

De mantimentos quase nada,

Mulher e filhos quase nus,

Da dor da fome danada,

Das lágrimas, soluço entalados,

Do gadinho e das plantações,

Do governo que faz de conta,

Que dá carro-pipa e acode,

E mal socorre o bode.

 

O cachorro sempre deitado,

Dizia a carta:

Nem mais late e morde,

O jeito é apelar pra fé,

Pra esperança e a sorte,

E acreditar na safra farta,

Que o sertanejo é um forte.

 

A carta ainda narrava:

Aqui estou,

Do alto de uma construção,

Sendo escravo de patrão,

Mas um dia eu volto,

Quando o aguaceiro cair,

A terra molhar, o verde sair,

Ver a flor brotar seu botão,

Pra cuidar da minha terrinha,

E até promessa e penitência,

Fez pra sua santinha,

Para subir de joelhos,

O morro da Paciência.