Longe de mim criticar aqui as ações de “caridade”, cidadania ou solidariedade, como queiram, em favor dos mais necessitados através de doações de alimentos, o chamado Sopão, brinquedos para as crianças e outros itens. Todos fazem questão de aparecer  e falar os clichês, bordões e as frases de sempre.

No entanto, na minha modesta visão, leitura e reflexão, não são essas iniciativas que vão transformar o cidadão com uma penca de filhos “barrigas d´água e nem mudar seu nível social, econômico e educacional. Não passam de paliativos e consolos, principalmente em final de ano do espírito natalino. Depois de tudo, todos continuam como dantes…

O quadro de pobreza e miséria continua o mesmo em moradias periféricas, insalubres, sem tratamento de esgotos e até água potável, além da ignorância, o analfabetismo e a casa cheia de crianças vivendo sem a mínima dignidade humana.

Todos os finais de ano são campanhas e mais campanhas de Natal sem Fome, Natal do Bem e outros slogans que inventam, promovidas por entidades, instituições filantrópicas e ongs. Todos que dão e recebem naquele momento ficam felizes da vida, com direito a beijos, abraços e choros.

Os olhos brilham, mas dias depois voltam a derramar lágrimas quando a fome bate nas portas e a realidade retoma o seu devido lugar. Há quantos anos fazem isso e a quantos mais teremos que ver essas imagens que enchem as televisões, enquanto o Brasil permanece ostentando um dos piores índices no ensino público e onde existem as maiores desigualdades sociais do mundo?

É Feliz Natal e Boas Festas! Depois todos vãos para suas casas confortáveis saborear e banquetear suas comidas caras. A mídia televisiva, especialmente, com sua linguagem burguesa, volta seu foco e suas lentes para as mesas recheadas de chesters, perus, bacalhaus, vinhos, doces, panetones e produtos importados de várias espécies e qualidades.

É tudo colorido, luzes, festas e confraternizações. O nosso jornalismo dificilmente mostra como é o Natal na casa de um favelado, desempregado ou quem ganha um salário mínimo. As reportagens glamorosas enlouquecem os consumidores com apelos de compras; enchem a pança dos lojistas; e aumentam suas audiências. As grandes empresas jornalísticas querem é poder, lucro e bajulação.

Tudo funciona como uma máquina ou um robô, comandada pelo ser humano, que também está banalizado. Onde ficam o comprometimento e a indignação dos brasileiros para cobrar e exigir dos governos que implementem mudanças sociais sérias através de um conjunto de políticas públicas, distribuição de renda (as elites não querem) e priorização da educação?

É mais fácil dar esmolas caridosas como pregava a Igreja Católica aos seus fiéis desde os tempos do seu nascimento, com a promessa de ganhar o reino dos céus. Dois mil anos depois e ainda estamos na cultura da caridade, com os nomes de solidariedade e “amor ao próximo”. Esses jovens e essa gente em geral sabem o que é revolução social, o que é socialismo humano?

Enquanto rolam pelo Brasil a fora as doações, as campanhas e as refeições natalinas aos miseráveis dos casebres e das ruas, que são alvos prediletos dos políticos nas eleições, o Congresso Nacional imoral (um dos mais caros do planeta) reajusta os benefícios de seus parlamentares, como das emendas, das quais dizem ter direito legal; o Fundo Eleitoral fica nos 5 bilhões de reais (ainda falam que é coisa pequena); e reduz o salário mínimo, projetado para 1.421 reais e aprovado para 1.412,00.

Como a grande maioria do nosso povo, infelizmente, é inculta, lá estão eles aplaudindo e comemorando o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) somente deles porque ficam com os bolsos recheados de dinheiro. Há mais de 40 anos, ainda repórter de economia, ouvia, em entrevistas do ministro Delfim Neto, da ditadura civil-militar, afirmar que era preciso crescer o bolo para depois dividir as fatias com os pobres. O tempo passou e eles hoje mal recebem os farelos que caem de suas mesas. E como será daqui a mais esse período?

Ninguém sabe, ninguém viu e todos nós fazemos de conta que é justo e que não adianta protestar e contestar. Onde ficam a consciência social e política? Ficam no lixo ou nas cestas básicas que alimentam mais ainda a pobreza a cada ano, com os milhões de famintos nas filas dos ossos e dependentes dos chamados caridosos, daquele filho de Deus que tem compaixão.

Será que foi tudo isso que o Cristo nos ensinou, ou foi a cultura religiosa comodista da caridade, para pagar seus pecados imorais cometidos durante o ano? Muitos acham que basta realizar uma ação coletiva uma vez ao ano para apagar seus pecados, suas atitudes individualistas, suas ambições a qualquer custo, suas indiferenças, seus métodos inescrupulosos de competição e, principalmente, seus modus operandi de se calar diante dessa política de castas capitalistas oligarcas selvagens e predadoras.

É ela mesma, essa burguesia egoísta e hipócrita, que fabrica a miséria, sabendo que será socorrida por essa sociedade alienada que compactua até com a violência militar e diz que bandido bom é bandido morto. Dentro de mais quarenta ou cinquenta anos (não estarei mais vivo) talvez estaremos realizando as mesmas práticas caridosas, no mesmo estágio de pobreza extrema ou pior em termos de desenvolvimento social. Até quando vamos repetir, ver e ouvir essas mesas cenas?