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:: 7/nov/2023 . 22:48

HISTÓRIAS DA BAHIA GUARDADAS NO MOCÓ (1)

(Chico Ribeiro Neto)

Releio o livro “A Bahia já foi assim”, da folclorista Hildegardes Vianna, Editora Itapuã, 1973. Uma bela viagem no tempo. Diz a autora na apresentação do livro, que traz 61 crônicas: “A BAHIA JÁ FOI ASSIM, até mais ou menos 1940. Depois, tudo mudou. Minhas crônicas são baseadas em muita coisa que ainda alcancei, e também em informes preciosos de amigos prestimosos”.

O livro – tão bom que vou comentá-lo em duas crônicas – é prefaciado pelo antropólogo Thales de Azevedo, que define Hildegardes como “uma ‘costumbrista’ literária” e escreve: “O folclore, aí, deixa de ser simploriamente tradição e curiosidade para assumir o seu significado próprio de fixação e inteligência dos modos de ser humanos em qualquer época e lugar, mesmo quando não sejam tratados com o aparato teórico e terminológico das ciências da cultura”.

Hildegardes Vianna encerra assim a crônica “A Benção”: “Hoje, a benção vive ainda na boca dos moços por um desses fenômenos difíceis de explicar. O mundo mudou. Os costumes evoluíram. Mas, apesar dos pesares, não é custoso se encontrar um homenzarrão, deste tamanho, gritando para a sua velha, já na porta da rua: “Benção, mãe!”. Também isto é sinal dos tempos”.

A crônica “O Ajuste” é aberta assim: “O sistema do Tire e Pague, se simplificou a vida da cidade, por outro lado lhe roubou muitos encantos. Tornou quase todos os bairros iguais, sem diferenças marcantes na paisagem humana. Retirou aquela cordialidade existente entre vendedores e compradores, aquele intercâmbio diário de impressões que humanizava cada ação”. Ela descreve a passagem do verdureiro: “Vinha com seu tabuleiro à cabeça, cavalete ao ombro, de porta em porta da freguesia, anunciando a sua chegada de maneira mais ou menos discreta”.

Na crônica “Eles, os carroceiros”, escreve Hildegardes: “O tipo era inconfundível. Calça e camisa feitas com pano de saco de farinha do Reino, chapéu de couro ensebado e deformado pelo uso, alpercatas toscas (mais tapa-sola que outra coisa), vez por outra um jaleco, mangual dependurado ao pulso direito, uma praga eternamente à flor dos lábios. Por fortuna, apenas o burro ou mula e a carroça. Por amor, as mulheres de todos os amores. Por divertimento, um toque de viola ou um gole de cachaça”.

Na crônica “Botica Velha” diz ela: “Um tipo que sumiu na paisagem humana da cidade foi o “homem das folhas” que supria a botica velha. Passava pelas ruas de semana em semana, de mês em mês, balaio sobre a cabeça, mocó pendurado ao ombro, cabaz na mão”.

Hildegardes prossegue: “No balaio vinham as plantas corriqueiras: maria-preta, angélica de cheiro, macela galega, angico, chicória, rompe-gibão, carqueja, almécega, crista-de-galo, dandá, assa-peixe branco, eucalipto, laranjeira da terra, fedegoso, velame branco, malva, sabugueiro, etc. No mocó apenas as encomendas representadas por mandacaru de sete quinas, abacate branco, quixaba, escada de macaco, cordão de São Francisco, aroeira, artemísia de cheiro, bananeira de São Tomé, resina de jatobá, etc.”

A crônica “A mulher do mingau” começa assim: “Era naquele tempo em que havia aquele ditado: “Quando eu nasci já se bebia mingau”. Mingau vendido ao clarear do dia por uma mulher que mercava por mercar, porque era fácil fazer freguesia certa. Em sua grande gamela redonda de pau, assentada sobre a grossa rodilha de pano de saco que lhe protegia a cabeça, a vendedeira equilibrava um latão com o mingau fervente, muito bem enrolado em toalhas alvas, que se confundiam com o verdadeiro pedestal de panos dobrados”.

Hildegardes Vianna morreu em 12 de junho de 2005, aos 87 anos. Seu acervo, um dos mais ricos sobre o folclore brasileiro, foi doado à Academia de Letras da Bahia. O Instituto Geográfico e Histórico da Bahia também possui documentos da escritora, no Arquivo Histórico, à disposição do público para consulta. (Fonte: www.ighb.org.br).

(Continua na próxima semana)

(Veja crônicas anteriores em leiamaisba.com.br)

 

 

 





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