:: 23/nov/2023 . 22:21
HAIKAI OU VAIKAI?
(Chico Ribeiro Neto)
Costumo escrever com frases graúdas, mas hoje enveredei pelas miúdas. Isso é haikai? Difícil responder. Melhor consultar o poeta Carlos Verçosa, autor de belos haikais, como este:
“destino
se digo um a
desatino”
Na dúvida, resolvi enquadrar meus versos na categoria Vaikai (ou Vai que cai). Aqui vão eles:
Ele disse rumbora
Trancou a alma
E jogou a chave fora
XXX
Se Ana Rica deve 14 milhões
O que pensa Chico Pobre
Com os seus botões?
XXX
Fiz um relógio da casca do caranguejo
Pra marcar os minutos
Das horas que não te vejo
XXX
Não sabe que fim se deu
Foi lembrar
Mas esqueceu
XXX
De tão furibunda
A mulher mordeu
Sua própria bunda
XXX
Menino pintão
Transformou a galinha
Num avião
XXX
Calor retado
Dormir nu
Ventilador ligado
XXX
Se lenhou
O último gole de cerveja
O garçom levou
XXX
Deu a notícia de imediato
E correu logo depois
Para criar o fato
XXX
Vê TV o casal
E só conversa
No comercial
XXX
Sargento lê e ouve da mulher:
“O jornal tá de cabeça pra baixo”
“Polícia lê como quer”
XXX
Não tem porém
Me diga moço
O mar vai ou vem?
XXX
Coisa sozinha
Velho cata um arroz
No chão da cozinha
XXX
Velho em fila do mercado
Xinga os preços
E o velho do lado
XXX
E aí Serafim?
Na hora do chega
Ela não tava a fim
XXX
Na hora da dor
Come um Sonho de Valsa
Ou uma Serenata do Amor?
XXX
Aí ninguém chama
Desliga o celular
E bota embaixo da cama
XXX
Vendo coração usado
Maiores informações
Com a vizinha do lado
(Veja crônicas anteriores em leiamaisba.com.br)
LIVROS, ÁRVORES E SOMBRAS
Dizem que para você ser realizado na vida tem que ter um filho, plantar uma árvore e escrever um livro. Não é propriamente uma máxima e nem é só isso que devemos fazer nessa curta travessia da ponte para o outro lado, mas vale pela força das palavras que nos deixam mais fortes para as lutas diárias. Lembrei desse pensamento ao flagrar com minhas lentes a exposição de vários livros debaixo de uma árvore no Centro de Cultura Camilo de Jesus Lima durante a I Fliconquista – Feira Literária de Vitória da Conquista. É como se fosse uma prosa debaixo de uma sombra. Não deixa de ser poético e significativo. Os dois representam a vida. Livro e árvore são fontes de alimento para o espírito e, infelizmente, são tão maltratados e vilipendiados nos tempos modernos e desumanos onde se idolatra o capital, ao invés de se valorizar e cuidar bem do meio ambiente e do livro. Lemos pouco para expandir nossos conhecimentos e saber, e derrubamos e incendiamos nossas árvores que nos dão oxigênio para respirarmos. No campo (não se faz muito isso nas cidades) como é bom prosear debaixo de uma árvore frondosa numa sombra fresca em sol escaldante. O livro também é uma sombra fresca onde você bate um bom papo com o autor e viaja dentro da sua imaginação, seja qual for o gênero. Livro e árvore são símbolos da vida que devem ser preservados e admirados com todo carinho e zelo. Ambos são puras poesias e brotam flores perfumadas e dão frutos existenciais. São eternos e imortais. Eles merecem louvor porque emitem amor e paz quando estamos triste, deprimidos, desanimados, sem fé e esperança diante de tantas intempéries do mundo atual.
AURORAS DO MENINO POSSÍVEL
Depois da ponte, a fazenda Natal;
A casa azul, adiante, no caminho.
Na Avenida Baér, os carroceiros
Acomodam arreios e alimárias.
De calças curtas ou calção de banho,
Ia com o primo manco de menino,
Sempre de tarde, quando o sol morria,
Tomar banho no Poço do Curtume.
Moço cordato e companheiro que era,
Ensinou-me a nadar no calmo rio.
Comecei pelo nado-cachorrinho;
Logo braçadas e depois mergulhos,
Só voltando de lá no lusco-fusco,
Quando o sino dobrava Ave-Marias.
Poema do meu digníssimo professor na Faculdade de Jornalismo da UFBA e colega de redação do jornal “A Tarde”, Florisvaldo Mattos, o Flori, para os mais íntimos, nasceu em Uruçuca-Bahia, poeta, jornalista, exerceu cargos em vários jornais, como editor-chefe do Diário de Notícias e no A Tarde. Foi chefe da Sucursal na Bahia do Jornal do Brasil, editor do Caderno Cultural do A Tarde, premiado em 1995 pela Associação Paulista de Críticos de Arte como melhor do Brasil no quesito de Divulgação Cultural. É membro da Academia de Letras da Bahia. Dentre outras obras poemas publicou Reverdor (1965), Fábula Civil (1975), Mares Anoitecidos (2000), Galope Amarelo e Outros Poemas (2001), Poesia Reunida e Inéditos (2011) e participou de antologias poéticas nacionais e internacionais.
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