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:: 25/nov/2023 . 0:48

AS BOMBAS VÃO CONTINUAR A CAIR

Carlos González – jornalista

Passados os quatro dias dessa trégua, em que foram libertados, num primeiro instante, 13 reféns (mulheres e crianças), em mãos do Hamas, e 39 palestinos (menores e mulheres), confinados em prisões de Israel, os bombardeios israelenses ao norte e sul de Gaza serão retomados “com força total”. A promessa é do ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallanti”.

Gallanti, que se refere aos palestinos como “animais humanos”, estava naquele momento repetindo as palavras do seu primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu. A missão do seu exército nesse jogo, onde há apenas um time em campo, não é somente de eliminar o Hamas. Israel quer tornar realidade um sonho de quase 80 anos: estender suas fronteiras, ocupando inteiramente os territórios de Gaza e da Cisjordânia, ampliando as restrições impostas aos palestinos, como, por exemplo, a liberdade de ir e vir.

“Bibi” Netanyahu, que já ameaçou avançar sobre o Líbano, na perseguição ao grupo terrorista Hezbollah, não respeita as resoluções tomadas pela ONU e, muito menos, a Carta das Nações, da qual é um dos signatários. São frequentes suas violações aos direitos humanos, além de cometer crimes de guerra. Nas prisões israelenses há 7.200 palestinos, incluindo 88 mulheres e 250 menores, muitos deles sem culpa formada.

A participação da diplomacia do Catar foi decisiva para que as partes em conflito fechassem um acordo. Importante também foi a pressão dos Estados Unidos e dos familiares dos reféns ao governo do primeiro-ministro israelense, que se mostrava inflexível em negociar com o Hamas.

Nesse período de trégua, 200 caminhões entrarão por dia no norte da Faixa de Gaza, levando o que se convencionou chamar de ajuda humanitária para 2 milhões de pessoas que perderam tudo e não sabem para onde ir e o que lhes espera nos próximos dias.

Uma criança é morta a cada 10 minutos em Gaza. A informação é do diretor-geral da OMS (Organização Mundial de Saúde), o etíope Tedros Adhanom Ghebreyesus. “Ninguém está a salvo em nenhum lugar”, revelou o dirigente ao Conselho de Segurança das Nações Unidas. Segundo ele, o sistema de saúde do território palestino está “de joelhos”.

Ghebreyesus relatou a situação desesperadora do sistema hospitalar local: “Os corredores dos hospitais estão lotados com feridos e pessoas desabrigadas; médicos operando sem anestesia; necrotérios abarrotados” O complexo hospitalar Al-Shifa, o maior da região, suspendeu as cirurgias por falta de combustível para os geradores de energia elétrica.

Munição pesada de artilharia do exército israelense atinge diariamente as proximidades dos hospitais, sob a justificativa de que suas instalações servem de base para o Hamas, e que sob o piso dos prédios há uma rede de túneis utilizados pelo grupo terrorista.

A Faixa de Gaza, com 6,020 km2 e uma população 4,9 milhões de habitantes, se transformou em 45 dias num cemitério a céu aberto em terra arrasada, onde já morreram mais de 13 mil palestinos, vítimas dos bombardeios diários do poderoso exército de Israel. Na Cisjordânia, soldados e colonos israelenses já expulsaram mais de mil palestinos de suas terras. Os que se recusam a sair são assassinados. Aqueles que se sentem ameaçados pedem ajuda de fora, inclusive ao Brasil.

O ataque impiedoso do Hamas a civis israelenses na noite de 7 de outubro foi providencial para “Bibi”, alvo de protestos do seu povo, que o acusava de corrupção e de enfraquecer o Judiciário. No dia seguinte, ele iniciou a invasão de Gaza, ação que contou com apoio dos Estados Unidos, Grã Bretanha e França, sob o pretexto da necessidade de defender o país.

A comunidade judaica está aterrorizada na Europa. Seus membros receiam sair às ruas, mandar seus filhos à escola ou ir às sinagogas; a suástica é pintada  nas fachadas das casas e cemitérios israelitas são violados. A França e Alemanha registraram mais de 1.200 ocorrências de antissemitismo nas últimas semanas, com a prisão de 486 acusados.

No Brasil, ao contrário, a Conib (Confederação Israelita do Brasil) conseguiu na Justiça censurar o jornalista Breno Altman, fundador do site Opera Mundi, que tem combatido o que ele chama de “regime de apartheid construído pela liderança israelense”. O jornalista, que é judeu, afirma que “a Conib, ao buscar me censurar, volta-se contra a liberdade de expressão e de imprensa, revelando as entranhas do autoritarismo típico da doutrina que professa”.

 

 

 

 

 

 

 

A LUTA PELA INDEPENDÊNCIA E A ABOLIÇÃO NA “PÉROLA DAS ANTILHAS”

Os negros cativos de São Domingos (hoje Haiti – “Pérola das Antilhas”) conseguiram a abolição da escravatura em 29 de agosto de 1793, mas a luta só foi totalmente consolidada com a independência, decretada em 1º de janeiro de 1804. Era a segunda independência nas Américas, após a dos Estados Unidos, em 1783.

Quem conta toda essa história é o escritor Marcel Dorigny em seu livro “As Abolições da Escravatura no Brasil e no Mundo”, no capítulo “A Primeira Abolição da Escravatura (1789-1804). Em “o fracasso da abolição do tráfico” (1789-1790), ele narra que a ofensiva contra o comércio negreiro foi inaugurada pelos ingleses através de uma moção parlamentar entregue a William Wilberforce, em maio de 1788.

No entanto, um lobbie ligado às colônias e aos armadores se mobilizaram contra a proposta com 14 mil assinaturas recolhidas em Liverpool. O projeto foi rejeitado. Do outro lado, os fundadores da Sociedade dos Amigos do Negros, de Paris, acompanharam os debates e seguiram a escola inglesa numa força conjunta pela abolição do tráfico.

Os dirigentes da Sociedade, liderados por Condorcet, lançaram em todo país francês uma vasta campanha contra o tráfico, mas não diretamente contra a escravidão em si. Nessa linha, um parlamentar inglês abriu a discussão no sentido do governo reduzir as comissões pagas para estimular o tráfico negreiro.

No início de 1789 o foco das proposições era a abolição do tráfico, mas, por detrás disso, questionava-se a abolição da escravatura. Da Inglaterra, o avanço voltou-se para Paris a partir da Declaração dos Direitos do Homem, votada em 26 de outubro de 1789, cujo artigo primeiro dizia que “os homens nascem e são livres e iguais em direitos”.

Mesmo assim, segundo Marcel, a lei colocava de fora a escravidão e o tráfico. Nesse contexto, a Sociedade Amigos dos Negros confiou ao parlamentar Mirabeau a missão de preparar um discurso contra o tráfico negreiro com o fim de arrancar uma lei de abolição de todo comércio de seres humanos. O trabalho mobilizou toda uma equipe de políticos, como Étienne Dumont, Étienne Clavière, Salomon Reybaz e o inglês Thomas Clarkson.

Com objetivo de sensibilizar a opinião pública, Mirabeau recorreu a fortes ilustrações de mortes e castigos impostos aos negros, como as máquinas de abrir a boca dos cativos para alimentá-los à força. Na verdade, o discurso não chegou a ser proferido, mais uma vez por causa dos movimentos em favor das colônias e dos armadores de navios.

O famoso discurso só foi lançado em 22 de março de 1790 diante da Sociedade dos Amigos dos Negros, só que não houve repercussão devido ao boicote dos conservadores. O assunto deixou de existir nas assembleias revolucionárias até que o deputado Grégoire retomou a questão, em 27 de julho de 1793. Uma convenção resolveu, então, acabar com o subsídio da República concedido ao tráfico.

Os “livres de cor”, mestiços e negros das colônias passaram a reivindicar os direitos civis e cívicos do artigo primeiro da Declaração dos Direitos Humanos. Os colonos reagiram e chegaram a excluir essa categoria de libertos das assembleias, criadas pelo decreto de 28 de março de 1790.

Diante disso, os “livres de cor” de São Domingos resolveram, no final de 1790, pegar em armas, seguindo o exemplo dos parisienses que tomaram a Bastilha. Mal organizados, os revoltosos foram logo esmagados e seus principais líderes Vicent Ogé e Jean-Baptiste Chavannes condenados ao apedrejamento em praça pública, em 25 de fevereiro de 1791. Os outros foram enforcados e sentenciados às galés.

Apesar do fracasso, as ideias de liberdade não deixaram de existir e tiveram um fértil terreno na cisão dos adversários que estavam em guerra, como a Inglaterra, França, Holanda e Espanha, que aliviaram a repressão. Outra rebelião começou em 23 de agosto de 1791, perto de Cap-Français, a partir de uma cerimônia noturna mágico-religiosa, de inspiração vudu e mesclada a ritos cristãos, no “bosque Caiman”.

Desse ato, 54 escravos prometeram jurar por liberdade. Boukman, letrado, vindo da Jamaica, foi o mestre da cerimônia. Logo foi morto, mas continua como um mito no Haiti. A Assembleia da França enviou tropas para combater os rebeldes, mas depois, como manobra, decidiu criar um decreto para aproximar brancos e “livres de cor”, concedendo a estes direitos políticos.

Dominada pelos partidários de Brissot, a Assembleia enviou três comissários a São Domingos (Léger-Felicité Sonthonax, Étienne Polverel e Ailhaud), para fazerem valer o decreto. Eles chegaram em 1792 em meio a uma guerra entre espanhóis e ingleses. A comissão fracassou e tiveram como saída a abolição, em 29 de agosto de 1793.

Abolida a escravidão, três novos deputados representando o povo de São Domingos foram eleitos e enviados a Paris, sendo eles Louis-Pierre Dufay (branco), Jean-Baptiste Mills (mestiço) e Jean-Baptiste Belley (negro). Eles chegaram em Paris em 1794 e foram detidos, mas soltos depois quando relataram tudo o que estava ocorrendo na colônia.

A convenção votou pela abolição da escravatura em Haiti, estendida às outras colônias, mas na prática a escravidão continuou em Guadalupe e na Guiana, conquistada tempos depois, em dezembro de 1794. Pela lei de 1º de janeiro de 1798, as colônias foram transformadas em departamentos.

Após o golpe de Estado de Napoleão Bonaparte, uma nova Constituição ignorou a integração das colônias, abrindo caminho para o restabelecimento da escravidão, principalmente com o fim da guerra com a Inglaterra (Tratado de Londres – 1801 e de Amiens – 1802). Em Guadalupe houve uma forte repressão e a escravidão voltou em 7 de julho de 1802. Em São Domingos, o enviado de Napoleão, seu cunhado Emmanuel Leclerc, se deu mal.

O exército indígena, liderado pelos generais Toussaint Louverture,  Jean- Jacques Dessalines e Jérôme Péttion conseguiu vencer a reconquista militar da colônia. Apesar da captura de Louverture, morto depois em Paris, as tropas francesas, comandadas por Rochambeau, capitularam em 18 de novembro de 1803.

A escravidão não foi restabelecida e São Domingos se tornou República do Haiti, em 1º de janeiro de 1804. “Assim, a Revolução Francesa nas colônias foi marcada pela revolta vitoriosa dos escravos de São Domingos, que lhe impuseram uma abolição radical da escravidão, estendida às outras colônias…” – conforme assinalou o escritor e historiador Marcel Dorigny.

 

 





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