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LAGOA DAS BATEIAS, ANIVERSÁRIO E OS EQUIPAMENTOS CULTURAIS

Não propriamente pela ordem, se me permitem, primeiro queria aqui questionar os 183 anos de emancipação política de Vitória da Conquista como sendo o 9 de novembro de 1840 quando foi instalado o Conselho Municipal, ainda na posição de vila. Na verdade, Conquista se tornou cidade através de decreto da República, em 1º de junho de 1891 há 132 anos.

O 9 de novembro foi indicado por um grupo de intelectuais sob o argumento de que o Conselho deu autonomia à vila. O projeto foi aprovado pela Câmara de Vereadores tempos depois. Essa pauta é tão polêmica que os sábios conquistenses se recusam a tocar no assunto por considerar sem fundamento.

Por essa data de emancipação de 183 anos, Conquista é mais velha do que Cachoeira, o que não dá para entender. Até pouco tempo Caetité também era mais nova e aí seguiu os mesmos passos para ultrapassar a idade de Conquista porque não tinha cabimento.

Bem, quem sou eu para contestar! Trata-se apenas de uma provocação e nem sou historiador. Meu ponto de discussão é outro: Aplaudir e dizer que foi muito salutar e importante a revitalização da Lagoa das Bateias, um local que já era chamado de esgoto fedorento pela comunidade.

Para ser mais direto, do outro lado, deixo aqui o meu repúdio de que nesta data de aniversário a senhora prefeita não tenha entregue as reformas dos equipamentos culturais do Teatro Carlos Jheovah, do antigo Cine Madrigal e da Casa Glauber Rocha que há anos continuam fechados. Essas obras são tão fundamentais quanto a Lagoa.

A reforma destes três equipamentos vem sendo cobrada e pleiteada há dois anos pelo Conselho Municipal de Cultura, cujo mandato se encerrou em setembro passado (período de 2021/23). O Teatro, na Praça da Bandeira, foi fechado desde o início da pandemia por volta de 2020. O Cine Madrigal foi adquirido com recursos da Secretaria de Educação no governo do PT, de Guilherme Menezes, ao custo de um milhão e 100 mil reais. Portanto, são mais de oito anos fechado. A Casa Glauber Rocha, se não me engano, foi comprada no mandato de Hérzem Gusmão.

Para completar o sepultamento da nossa cultura na terceira maior cidade da Bahia, com cerca de 400 mil habitantes, corre notícias nas redes sociais que neste ano não haverá festejos natalinos em Conquista, com apresentações artísticas no Espaço Glauber Rocha, no Bairro Brasil.

Uma pena que os nossos governantes em geral pensem que a cultura não dá voto. Por essa vertente política, eles não a colocam em seu merecido pedestal entre as prioridades, mas apenas como objeto de decoração em suas mesas.

Mais lamentável ainda é que os festejos passaram e não se viu nenhuma manifestação de cobrança e repúdio por parte da classe artísticas e dos intelectuais conquistenses, ora somente envolvidos com os editais da Lei Paulo Gustavo e com a realização da Feira Literária de Conquista, a Fliconquista, uma iniciativa que não é municipal.

A impressão que se tem é que a cultura em Conquista está indo de vento em popa ou em mil maravilhas onde todas as linguagens estão sendo bem contempladas. Enquanto isso, nossos equipamentos estão sendo desgastados pelo tempo e os artistas nem têm espaço para realizar seus ensaios, quanto mais para apresentar seus projetos para a população que não vive só de comida, de lagoa e calçamento de ruas.

“AS ABOLIÇÕES DA ESCRAVATURA NO BRASIL E NO MUNDO”

Marcel Dorigny – Editora Contexto

“…Quem pretende transformar um ser humano em coisa, também se coisifica”. Este pensar está na abertura do prefácio da obra de Marcel Dorigny, um historiador do Departamento de História da Universidade de Paris VIII.

Marcel delineia as diferenças entre antirracista, antirracismo, abolicionista e abolicionismo, cujas ideias tiveram início no século XVIII na França e na Inglaterra. Destaca as primeiras rebeliões ou resistência dos escravos africanos. Os embates amadureceram no século XIX.

O historiador, de acordo com seus estudos, nos oferece uma série de fatores que resultaram no fim da escravidão, como o desenvolvimento da indústria, a necessidade de ampliação do mercado consumidor, o fenômeno da urbanização, a consciência dos intelectuais em decorrência das ideias da Revolução Francesa, mas, sobretudo, a resistência dos cativos africanos.

Ao se referir aos países mais “avançados” da Europa, assinala que as ideias de tolerância e afirmação dos direitos naturais do homem (liberdade e igualdade) foram uma poderosa força no processo que levou à condenação da escravidão.

“Do mesmo modo, as novas teorias de economia política da segunda metade do século XVIII contribuíram para tornar a escravidão cada vez mais desnecessária para o desenvolvimento da nova economia”.

Sobre as “resistências à escravidão”, o historiador cita o debate parlamentar das Leis de Mackau, de 1845, enquanto os defensores da continuidade nas colônias diziam que os escravos eram mais felizes que os operários das minas ou das fábricas. Um dos dirigentes da Sociedade Francesa pela Abolição da Escravatura (1834), Agénor de Gasparin, contestou esse absurdo com dados sobre a venda de escravos, as rebeliões e a manutenção da força de repressão, cada vez mais onerosa. Lembra que o movimento em São Domingos (Haiti), no final do século XVIII, representava um constante perigo de uma concentração maior de “não livres”.

Em 1840, Victor Schoelcher observou que para evitar um levante a solução era a abolição imediata. Em contraste com as belas pinturas e ilustrações, existia um trabalho pesado nas plantações de cana-de-açúcar ou de algodão, o trabalho braçal nas cidades, os castigos dos chicotes, do pelourinho e da prisão.

Quanto as resistências à escravidão, o autor do livro aponta que o primeiro navio a levar escravos africanos a São Domingos chegou em 1503. A resistência tinha início nos embarques dos escravos nos porões dos navios e continuava na recusa ao trabalho forçado (uma prova do arcaísmo), o suicídio, a recusa de gerar filhos (abortos e assassinatos), a fuga das plantações e desleixo na execução dos serviços. Só o chicote do capataz os estimulava.

Na resistência ainda ocorriam o envenenamento dos animais, dos poços de água ou dos próprios senhores nas tarefas domésticas. Tudo era resultado de uma opressão insuportável.  Os fugitivos se refugiavam em zonas de difícil acesso para as forças de repressão, como nas Montanhas Azuis, na Jamaica (lugares de memória da marronagem, os marrons), que se transformaram em centros de fortificações semelhantes aos nossos quilombos.

Os ingleses perderam a guerra contra eles em 1739. Um tratado deu autonomia ao enclave das Montanhas Azuis. O mesmo aconteceu no Suriname Holandês e na Guiana Francesa. “ Em São Domingos, em meados do século XVIII, essa grande marronagem foi liderada por Makandal, que semeou o terror nas plantações, culminando depois com a Revolução Haitiana, entre 1791 e 1803.

No Brasil, os fugitivos se escondiam no coração das florestas, fora do alcance das tropas portuguesas. Ali se formaram os famosos quilombos, como dos Palmares. Marcel cita a famosa frase de Diderot: “Aquele que justifica um tal sistema merece do filósofo um profundo desprezo, e do negro, uma facada”.

No capítulo “As contestações ao Tráfico e à Escravidão”, o autor da obra fala sobre os antiescravistas, abolicionistas e reformadores coloniais, bem como, no emprego da palavra antiescravista e antiescravismo, abolicionista e abolicionismo. O primeiro limita sua ação a uma condenação moral da escravidão, que pode ser religiosa, ética ou econômica, sem dar uma solução.

O abolicionista é um ato político que prevê modalidades concretas de abolição e o tipo de sociedade que se criará depois. O abolicionista (moderado e radical) queria a destruição da escravidão. O moderado considerava a abolição por etapas e o radical recusava a ideia do fim progressivo. Entre servidão e liberdade não poderia haver categorias jurídicas intermediárias – defendia.

O historiador faz uma distinção entre o antiescravismo, que estabelece as bases da condenação de um sistema, e o abolicionismo que dá um passo a mais e propõe as modalidades da própria abolição, além de prevê as formas de transição entre o trabalho forçado e o livre. Existia ainda o reformador colonial na primeira metade do século XIX, que defendia a manutenção da escravidão por um curto prazo. Propunha “arranjos” e não a destruição radical.

Houve um antiescravismo cristão, cuja origem filosófica se baseava no igualitarismo evangélico (os quarkers), fundado no Gênesis, onde Adão e Eva representam a origem da humanidade, vinda da mesma fonte primitiva, o que condena de início a ideia de hierarquia entre as raças humanas, isto é, a exploração de uns contra os outros.

Essa concepção igualitária eliminava as justificativas da escravidão por natureza, que se baseavam no pressuposto da desigualdade entre os diferentes ramos da espécie humana, ou na maldição de Cam. A corrente do igualitarismo, de inspiração evangélica, foi dominante na Inglaterra e nos Estados Unidos, numa dissidência da Igreja Anglicana. Assim surgiu o movimento antiescravista e depois o abolicionista inglês e americano até o século XIX, liderado por pastores, tendo como maior exemplo os quakers, primeiros a proibir por parte dos seus membros a escravidão na Pensilvânia. “Não se pode ser Quaker e dono de escravo ao mesmo tempo”.

Marcel afirma que a teoria da extinção da escravidão ficou explicita no discurso de Mirabeau (um dos precursores do fim do cativeiro foi Montesquieu) e seu grupo, entre agosto de 1789 e março de 1790, onde propõe à Assembleia Constituinte votar a abolição do tráfico, num acordo franco-inglês. Ele mantinha troca de ideias com o abolicionista inglês Thomas Clarhson que apresentava a tese de um fim gradual da escravidão.

No século XVIII os abolicionistas eram minoritários e isolados, pois imaginar o futuro das colônias sem cativos era uma audácia, denunciada como contrária aos interesses nacionais. Eram considerados inimigos das colônias e da França. A Sociedade dos Amigos dos Negros, na França, foi acusada de instrumento nas mãos da Inglaterra para destruir a França. Os colonos e armadores denunciaram os deputados da Assembleia que votaram a favor da igualdade de direitos políticos aos “livres de cor” das colônias.

No fundamento da igualdade entre os homens (Iluminismo) sobre a igualdade natural, Diderot, Raynal e Voltaire são exemplos dessa corrente de pensamento. A Igreja Católica jamais condenou a escravidão enquanto instituição. Nem o Antigo e o Novo Testamento condenam a redução dos povos vencidos na guerra à escravidão, mas apresentam como uma prática que poupava a vida dos vencidos que o direito da guerra permitia matar.

Existiram exceções individuais, como do abade Grégoire, excomungado pela Igreja de Roma. A Europa foi a primeira a formular uma condenação filosófica, religiosa e econômica da escravidão. Na trajetória do antiescravismo para o abolicionismo, essa primeira etapa ocorreu até o início dos anos 1770. No antiescravismo, o argumento era de que o fim da escravidão não seria o fim das colônias, mas permitira, ao contrário, um aumento de prosperidade e a fundação de novas colônias, organizadas nas relações de igualdade entre os povos. Novas correntes foram desenvolvidas a partir do final dos anos 1750. Para os filósofos, a escravidão era uma forma de trabalho ultrapassado, arcaica e pouco produtiva, ao contrário de trabalho livre.

Diderot e o abade Raynal escreveram os textos mais radicais. Segundo eles, o fim da escravidão se dará pela violência da revolta e não por uma série de reformas que abram o caminho para sua extinção pacífica.

Esses dois nomes foram objetos de ódio e de rancor nos meios coloniais, principalmente após a revolta dos escravos em São Domingos, em 1791. Eles propunham soluções de abolições graduais. A sociedade colonial vivia no temor constante de revoltas, mais numerosas na segunda metade do século XVIII.

Foi nessa lógica que, já nos anos 1770, na América do Norte, e nos anos 1780, na Inglaterra e na França criaram-se as primeiras sociedades antiescravistas, com projetos políticos de um movimento abolicionista.

Em 1775, foi fundada a primeira sociedade antiescravista na Filadélfia, sob a égide do próprio Benjamim Franklin. Diante disso, os ingleses e os franceses acreditavam que o fim da escravidão começaria nos Estados Unidos





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