:: out/2023
SARAU DEBATEU CULTURA LOCAL
Pelo seu nível como terceira maior cidade da Bahia com cerca de 400 mil habitantes, Vitória da Conquista ainda deixa muito a desejar em termos de política cultural, hoje restrita ao São João e a Festa de Natal. Precisamos de um plano municipal a ser aprovado pelo legislativo de forma que a cidade tenha outras atividades que contemplem todas as linguagens artísticas durante todo o ano.
Essas e outras questões foram debatidas na noite do último sábado (dia 28/10) pelo “Sarau A Estrada”, no Espaço Cultural que leva o mesmo nome. O evento teve como tema principal “A Cultura Local” com falas diversas sobre as origens e história da cidade, suas expressões culturais ao longo do tempo, religiosidade, personagens de destaque, evolução e outros pontos, inclusive com relação a data de aniversário de Conquista (9 de novembro a partir de 1840) que foi contestada por muitos.
Na verdade, Conquista tornou-se cidade emancipada politicamente através de decreto da República em 1º de junho de 1891com o nome de Cidade da Conquista, vindo depois a se chamar Vitória da Conquista, em 1943. A data de 9 de novembro de 1840 tem como ponto de partida a criação de um Conselho para dirigir a Vila da Victória (19/04/1840), só que a pequena população ainda era dependente juridicamente da comarca de Jacobina, depois de ter sido desmembrada de Caetité e Rio de Contas. Chegou até a um certo tempo estar ligada a Condeúba.
O jornalista e escritor Jeremias Macário fez um histórico sobre a fundação da vila pelos colonizadores João da Silva Guimarães e João Gonçalves da Costa depois de batalhas contra os índios imborés e mangoiós no meado e final do século XVIII quando aqui também estiveram na região os capuchinhos italianos fazendo suas primeiras catequeses religiosas.
Macário ainda pontuou a influência do jornalismo impresso na cultura da cidade, lembrando o seu começo a partir de 1910/11 com os jornais A Palavra e A Conquista, fundados por Braúlio de Assis Borges e José Desouza Dantas quando a cidade tinha apenas cinco mil habitantes. Naquela época, até as décadas de 60 e 70, os jornais eram feitos por literatos, com espaços reservados para a nossa cultura em geral. Foram citados ainda os jornais O Conquistanse (1916), A Palavra que tinha como um dos redatores o poeta e escritor Manuel Fernandes de Oliveira, o “Maneca Grosso”, o Avante, de Bruno Bacelar de Oliveira, em 1931, na época da ditadura Vargas, O Sertanejo (1962), de Pedro Lopes Ferraz, que chegou a apoiar o regime da ditadura civil-militar de 1964, e O Combate, do grande escritor e poeta Laudionor Brasil, de linha crítica contra o autoritarismo.
Nesse tempo existia um grupo que movimentava a cultura de Vitória da Conquista, como Camilo de Jesus Lima, Carlos Jheová, Traumaturgo, o próprio Laudionor, Erastóstenes Menezes dentre outros. No período ditatorial nossa cultura foi amordaçada, mas uma coisa ficou clara nas discussões quanto ao papel do poder público municipal. O setor sempre foi tratado como coisa secundária e nunca se deu a devida atenção no sentido de elevar e apoiar as atividades culturais movidas pelos artistas locais.
Outro ponto de destaque foi a criação da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), em 1980, como núcleo de formação escolar em nível superior, expandindo o pensamento e o saber. O professor da Uesb, Itamar Aguiar, fez uma ampla explanação sobre a influência da religião em Vitória da Conquista, citando a chegada dos batistas, com sua primeira igreja na cidade, a expansão dos evangélicos em geral, a forte presença dos terreiros de candomblés, a Igreja Católica, os ternos de reis e outras expressões populares.
Atualmente vários grupos artísticos, como o audiovisual, a música e os escritores estão se unindo em coletivos para dar mais voz à nossa cultura, ainda carente de apoio público e privado. Esses grupos estão sempre se reunindo para traçar estratégias de atuação e dar mais visibilidade ao setor.
Os historiadores Afonso Silvestre, Lídia e outras pessoas como Manno Di Souza, que comandou a parte artística com suas cantorias, ao lado do cantor Agnaldo Dias, intercalada com declamações de poesias e contação de causos, Maris Stella e demais presentes, fizeram suas pontuações de ordem histórica e evolutiva da nossa cultura. No geral, todos cobraram maior participação do poder público, reivindicando a reabertura dos equipamentos culturais e a criação do plano municipal, especialmente agora com a realização da Conferência de Cultura no início de outubro, cujo relatório ainda não foi divulgado publicamente pela Secretaria de Cultura, Esportes, Turismo e Lazer.
No mais, a noite foi proveitosa num clima de confraternização, amizade, expressões culturais e troca de ideias entre os participantes. Os comes e bebes animaram o pessoal que varou a madrugada num saudável bate-papo e muita conversa. A anfitriã Vandilza Silva Gonçalves nos brindou com um delicioso pato cozido. Marcaram, ainda presenças, Adiramélia Mendes, Nilde que ficaram encantadas com o sarau (primeiras visitas), Alex Rocha, Maria Luiza, Túlio Matos, Manuel Domingos, Luis Altério, Lídia Cunha, Dió Araújo, Odete Alves Maris Stella, Rose Santos Pereira, Denis e José Silva, Humberto, Rosângela, Armando, Aragão, Maria Cleide, Vânia, Eliene (Liu), Jhesus, Dal Farias e Edna Brito.
Ainda sobre o sarau, Humberto parabenizou todos os participantes afirmando que o sucesso foi total. “Os artistas revezaram-se com muito brilhantismo em suas respectivas áreas. Os palestrantes encantaram a todos durante o debate do tema central do evento, trazendo-nos momentos de aprendizagem e reflexão. Os anfitriões, como sempre receberam e atenderam a todos com a costumeira atenção”.
BUROCRACIA E CULTURA
As duas nunca deveriam coexistir, mas estão juntas como irmãs siamesas por imposições dos governantes, de forma até mesmo proposital e intencional para, por natureza própria, favorecer os famosos e as celebridades. Os rios só correm para o mar.
Um artista, quer seja escritor, poeta, pintor, escultor, teatrólogo, ou músico, sempre será um artista e não um projetista interpretador de emaranhados editais burocráticos, bichos de sete cabeças ou Cérbero. O cara tem que ser um Teseu com a ajuda do novelo de Ariadne para matar o Minotauro e conseguir sair do labirinto.
Um amigo me disse que o governo libera o dinheiro, só que a grana sempre fica para poucos. As oficinas servem como orientação, mas na prática a realidade é outra totalmente diferente. É um engodo essa de dizer que tem um atendimento presencial em algum ponto.
Como um teimoso jumento nordestino, me atrevi a entrar lá no edital do estado da Lei Paulo Gustavo e escolhi o item prêmio Nilda Spencer, que trata da trajetória cultural do proponente. No início fiquei até animado, mas, alegria de pobre dura pouco.
Tive a proeza de ir bem até o meio do catatau de perguntas desencontradas. No entanto, comecei a me irritar com certas exigências de arquivos que, no meu entender, tinham a ver com outras áreas do edital e não com a premiação.
Mesmo com ajuda prestativa da minha esposa, comecei a ficar estressado e não conclui o preenchimento dos formulários, muitos dos quais desnecessários. É um tal de solicitar arquivos que não acaba mais.
O argumento dos técnicos e funcionários das secretarias de cultura quando se critica a burocracia é sempre a de que o artista tem que se organizar, como se ele tivesse a obrigação de também ser especialista no assunto. Sempre digo que cada “macaco” em seu galho.
Quando se trata de se fazer o imposto de renda, o empresário procura uma firma de contabilidade que faz todo processo e ele apenas assina o documento. Alguém aí acha que os artistas famosos, como Gilberto Gil, Betânia, Caetano Veloso, Bel Marques, Ivete Sangalo e tantos outros sabem destrinchar essa burocracia dos editais? Claro que não. Eles têm uma equipe que faz tudo e apenas assinam como proponentes.
O artista que vive de tocar em barzinhos para sobreviver ou um escritor sem a devida fama nacional que luta para vender seus livros não tem condições financeiras de pagar uma pessoa especializada em projetos de editais. Ai, como ele só sabe fazer sua arte, fica batendo cabeça para entender esse intrincado de leis feitas para complicar, ao invés de simplificar.
Nem é preciso explicar aqui como nasceu a burocracia no Brasil. Ela é histórica e vem desde os tempos coloniais, mais por conta da corrupção e das trambicagens brasileiras. Aqueles que têm maior poder aquisitivo burlam as leis e ainda saem impunes.
Nessa linha do tempo, quem mais paga por essa burocracia, não somente no setor cultura, é o pequeno que tem que se virar até para contratar um advogado para fazer uma simples petição. Será que não basta o monte de burocracias existentes nas repartições públicas que faz o brasileiro sofrer e até viola seus direitos?
“DENTRO DA BALEIA E OUTROS ENSAIOS” (Final)
REFLEXÕES SOBRE A LITERATURA NOS REGIMES TOTALITÁRIOS E NAS DEMOCRACIAS; A PROSA E O POEMA; OS CIENTISTAS; E OS MALÉFICIOS DA MECANIZAÇÃO NAS ARTES. “COMO ACONTECE COM CERTOS ANIMAIS SELVAGENS, A IMAGINAÇÃO NÃO SOBREVIVE EM CATIVEIRO”.
O escritor indiano-inglês, George Orwell, em sua obra “Dentro da Baleia e Outros ensaios” faz uma reflexão sobre a literatura nos regimes totalitários e nas democracias e como ela consegue sobreviver. Sobre o poema e a prosa, diz que o primeiro pode ser elaborado em conjunto, até na batida de um instrumento onde uma inspiração vai se juntar com a do outro, enquanto a segunda requer mais solidão e trabalho individual.
No capítulo “A Prevenção contra a Literatura”, ele começa citando “Pen Club” (clube internacional de escritores fundado em 1921) e a Areopagítica de John Milton, de 1644, um panfleto em defesa da liberdade de imprensa. Sobre o clube, descreve que, de um lado, estavam os apologistas do totalitarismo e do outro os inimigos do monopólio e da burocracia (a concentração da imprensa nas mãos de uns poucos ricos).
“A independência do escritor e do artista é devorada por forças econômicas vagas e, ao mesmo tempo, corroída por aqueles que deveriam ser seus defensores”… “A liberdade de pensamento e de imprensa são normalmente atacadas com argumentos que nem vale a pena mencionar”. É claro que ele fala da sua época dos anos 30/40, mas sua observação vale para nossos tempos atuais.
Em sua análise, afirma que os católicos e os comunistas são semelhantes na suposição de que um oponente não pode ser ao mesmo tempo honesto e inteligente. Cada um deles alega que a verdade já foi revelada e que o herético está secretamente ciente da “verdade” e resiste a ela meramente por razões egoístas.
Em sua crítica, a liberdade do intelecto significa liberdade para relatar o que se viu e sentiu, e não ser obrigado a fabricar fatos e sentimentos imaginários. “O argumento de que contar a verdade “seria inoportuno” ou “favoreceria o jogo” de alguém é considerada irrespondível, e poucas pessoas se incomodam com a perspectiva de as mentiras que elas toleram irem para os jornais e livros de história”.
Orwell destaca que a mentira organizada, praticada por estados totalitários, é algo inerente ao totalitarismo. Para ele, uma mentira grande não é pior do que uma pequena. “Uma sociedade totalitária que tivesse sucesso em se perpetuar estabeleceria provavelmente um sistema de pensamento esquizofrênico”… Segundo o escritor, existem pessoas que consideram um escândalo falsificar um texto científico, mas que nada seria errado falsificar um fato histórico.
Na literatura política, em sua avaliação, o totalitarismo exerce maior pressão sobre o intelecto. “Isso explica em parte o fato de em todos os países ser mais fácil para os cientistas do que para os escritores alinhar-se aos respectivos governos”.
Sobre a Inglaterra, onde os inimigos da verdade são os barões da imprensa e na Rússia soviética ser um território proibido na imprensa britânica, certos temas são excluídos do debate. “Todo escritor é um político, e cada livro é necessariamente um trabalho de reportagem honesta”. Muitos supõem que o escritor é uma pena de aluguel – assinala.
Em sua ótica, o jornalista não é livre e tem consciência da falta de liberdade quando é forçado a escrever mentiras ou a suprimir o que a ele parecem notícias importantes. “O escritor imaginativo não é livre quando precisa falsificar os sentimentos subjetivos que, de um ponto de vista, são fatos. Ele pode distorcer a realidade de forma a tornar mais claros seus objetivos, mas não pode adulterar seu cenário mental. Se ele for forçado a fazer isso, o único resultado será que suas faculdades criativas vão secar”.
Em sua opinião, literatura genuinamente apolítica é coisa que não existe, menos ainda em uma época como a nossa, quando medos, ódios e lealdades de um tipo claramente político estão próximos da superfície na consciência de todas as pessoas.
A PROSA E A POESIA
Em seu ensaio, ressalta que a literatura algumas vezes floresceu sob regimes despóticos, porém conforme foi assinalado com frequência, os despotismos do passado não eram totalitaristas. A prosa literária atingiu seu nível mais alto nos períodos de democracia e livre reflexão. Essa prosa desapareceu durante a única era de fé que a Europa já teve. Ao longo da Idade Média, quase não existiu prosa literária imaginativa, e bem pouco texto histórico.
De acordo com ele, não está claro se os efeitos do totalitarismo sobre a poesia são necessariamente tão fatais quanto sobre a prosa. Há uma série de razões convergentes pelas quais é um pouco mais fácil para um poeta do que para um prosador sentir-se à vontade em uma sociedade autoritária. Burocratas e outros homens “práticos” desprezam os poetas por terem grande interesse no que ele está dizendo.
“A ideia contida em um poema é sempre simples. Um poema é uma combinação de sons e associações, como uma pintura é um combinado de pinceladas. Para fragmentos curtos, na verdade, como no refrão de uma música, a poesia pode até mesmo abrir mão totalmente do significado. É relativamente fácil para um poeta manter-se distante de temas perigosos e evitar expressar heresias e, mesmos quando expressam, elas podem passar despercebidas”.
Na poesia existe, segundo o ensaísta, o tipo de colaboração, o contrário da prosa que é feita mais na solidão. “A poesia pode sobreviver até mesmo sob regime mais inquisitorial. Mesmo em uma sociedade em que a liberdade e a individualidade foram extintas, ainda haveria necessidade de músicas patriotas e baladas heroicas que comemorassem conquistas e bajulação”.
A história das sociedades totalitárias sugere que a perda de liberdade é inimiga de todas as formas de literatura – segundo sentencia Orwell, ao apontar que a literatura alemã quase desapareceu durante o governo de Hitler, e a situação não foi diferente na Itália, bem como na Rússia desde que se deteriorou nos primeiros dias da Revolução em 1917, embora alguns poemas pareçam ser melhores do que na prosa.
Sobre a Europa Ocidental e a América, destaca que parcelas da literatura passaram pelo Partido Comunista ou foram simpatizantes, mas esse movimento para a esquerda produziu poucos livros dignos de se ler. “O catolicismo ortodoxo parece ter um efeito esmagador sobre certos gêneros, como o romance. Ninguém jamais escreveu um bom livro em louvor à Inquisição”.
Em sua crítica, a poesia pode sobreviver em regimes totalitários, mas o escritor da prosa não teria escolha entre o silêncio e a morte. “A destruição da liberdade mutila o jornalista, o escritor, o historiador, o romancista, o crítico e o poeta, nessa ordem”.
A MECANIZAÇÃO NAS ARTES
George Orwell chegou a prever a mecanização das artes como um todo onde haveria uma queda de produção, autenticidade e conteúdo. “É provável que romances e contos sejam substituídos por filmes e programas de rádio. Um processo de mecanização já pode ser visto em funcionamento no cinema e no rádio em níveis mais baixos de jornalismo”.
Os filmes da Disney são produzidos por um processo fabril de forma mecânica, em parte por grupos de artistas que precisam sujeitar seu estilo individual. Peças de rádio são escritas por redatores exaustos. O que eles escrevem é um material bruto, fatiado e formatado por produtores censores, bem como livros encomendados por departamentos do governo – ressalta o autor.
Nessa mecanização ele cita contos, seriados e poemas para revistas mais baratas. Declara que em jornais abundam anúncios de escolas de literatura, todas oferecendo enredos prontos por poucos xilins por hora. Outras fornecem frases de abertura e de encerramento de cada capítulo. Algumas, pacotes de cartões, com anotações sobre personagens e situações…
A imaginação, conforme diz, seria eliminada do processo de escrita. De forma indireta ele chegou a prever a criação da inteligência artificial quando afirmou que a imaginação seria eliminada do processo de escrita. Os livros seriam planejados por burocratas e depois passariam por tantas mãos que terminariam não sendo mais um produto individual do que um carro da Ford ao fim da linha de montagem. Para o autor, algo assim seria uma porcaria.
“Para exercer seu direito à liberdade de expressão, você precisa lutar contra a pressão econômica e contra parcelas poderosas da opinião pública, mas não, ainda contra a polícia secreta. O grande público não se importa com a questão, de uma forma ou de outra. Eles são ao mesmo tempo lúcidos demais e estúpidos demais para desenvolverem o ponto de vista totalitário”.
OS CIENTISTAS PRIVILEGIADOS
Segundo Orwell, a Rússia é um pais grande em desenvolvimento que tem uma necessidade aguda de cientistas e, por isso, trata eles com generosidade. Desde que não se metam com psicologia, eles são privilegiados. Por sua vez, os escritores são perseguidos e deles é extirpada a liberdade de expressão. O cientista deve dizer: Os escritores são perseguidos. “E daí, eu não sou escritor”. O Estado totalitário tolera o cientista porque precisa dele, a exemplo da Alemanha nazista onde eles não ofereceram resistência a Hitler- enfatiza Orwell.
O cientista pode até gozar de certo grau de liberdade, mas Orwell adverte que se ele quer salvaguardar a integridade da ciência, é seu dever ser solidário para com os colegas literários e não considerar com indiferença que escritores sejam silenciados ou levados ao suicídio, e os jornais falsificados.
Por fim, ele ressalta que a literatura está condenada se a liberdade de pensamento perecer. Em seu ponto de vista, uma mente vendida é uma mente estragada, tornando impossível a criação literária. “No momento, sabemos apenas que a imaginação, como certos animais selvagens, não sobrevive em cativeiro”.
O TEMPO TEM O SEU TAMANHO
(Chico Ribeiro Neto)
A velhice tem o tamanho exato. Do prato e do ato. A velhice sabe o tamanho do mar e deixa de pensar. Sente a grandeza do mistério e percebe o tamanho de Deus.
O velho é desconfiado. Perde em paciência o que ganha em sabedoria. Sabe onde as cobras dormem, mas não conta pra ninguém.
O velho gosta de sonhar, e isso sempre é muito bom. Será um ensaio para a morte? A velhice é somar os azuis e lembrar dos verdes. A velhice é uma ressurreição.
A velhice mora longe. Tem que saber chegar lá numa velha canoa em noite de lua. Ela mora numa ilha verde.
Ficar velho é saber demais. Somos feitos de histórias e cada dia tem uma melhor. Pode sentar na cadeira de balanço. Não precisa se mexer, ela balança por si, como um tic-tac.
Tem aquela luz azul que só o velho vê. Catarata ou poesia, ela é bonita.
Minha mãe Cleonice, depois de ouvir três vezes seguidas a música “Roda Viva”, revelou para meu irmão Cleomar: “Agora eu já sei o que é curtir”.
Ele gosta de juntar coisas velhas, mas também adora plantas. Bonito ver uma planta crescer, sinal de vida. Tinha um idoso numa cidade do interior baiano que cultivava uma pequena horta no quintal de casa. Aos 100 anos, já não aguentava mais se abaixar para plantar ou colher. Resultado: arranjou uns caixotes de maçã, encheu de terra e os prendeu à sua altura, seguros por grandes forquilhas de madeira. Em pé, continuou seu plantio e a enviar alface, coentro e cebolinha para os parentes. Os sonhos mudam de lugar com o tempo.
Minha tia Nina dizia que velho dentro de casa é problema. Reclama de tudo: que a TV tá escura, que o vizinho de cima faz zuada e que tem uma semana que não varrem a escada do prédio. E ainda quer almoçar às 11 horas, vive futucando as panelas.
Velho é imburrento, imbirrento, manhoso, dengoso, cismado, treiteiro, falastrão, avexado, enganjento, teimoso, peidão, chato, enjoado, mas eu te amo, meu velho Chico.
(Veja crônicas anteriores em leiamaisba.com.br)
VIVA O NOSSO CORDEL!
Pouco prestigiado pelos acadêmicos das universidades que ainda criticam a sua forma de escrita poética, argumentando ser fora do padrão literário (tem cabimento!), o nosso querido cordel, vindo lá dos tempos medievais da Península Ibérica, se enraizou no Pouco Nordeste e tornou-se símbolo dos nossos nordestinos sertanejos, como se fosse nosso cartão postal. É uma pena que um Patativa do Assaré (Triste Partida), por exemplo, seja pouco estudado por esses acadêmicos que escrevem suas teses para eles mesmos, a maioria no intuito de obter títulos válidos no balcão das promoções salariais. No entanto, não quero falar nisso. Meu intuito é homenagear aqui os nossos grandes cordelistas nordestinos que fazem história contando suas estórias e causos de grandes personagens da vida, sobre a seca, Lampião, Antônio Conselheiro, os cangaceiros, a nossa terra árida, costumes, hábitos, o forró e até sobre famosos escritores. Com uma pegada nordestina (Casa de José de Alencar, Rachel de Queiroz, Graciliano Ramos, dentre outros), a II Feira Literária e Gastronômica de Belo Campo, também lembrou do nosso tão popular cordel, embora o evento tivesse dado pouco espaço para os escritores locais e da região, como de Vitória da Conquista. A crítica geral foi de que de literária só tinha o nome. Na verdade, o foco maior foi para o setor da educação, com apresentações de atividades escolares para a criançada e os jovens. Esperamos que a próxima feira abra mais estandes para os nossos escritores, inclusive com mesas temáticas sobre literatura, inclusive o estudo do cordel. Ainda bem que lembraram do nosso cordel através de uma tenda reservada exclusivamente para os autores desse gênero que tanto admiro e valorizo.
SEGREDO
Poema de autoria de Paulo Henrique Cardoso Medrado, formado em filosofia pela Universidade Católica de Salvador, professor concursado do estado da Bahia, com experiência no ensino superior (FTC, Fainor, dentre outros), tendo os primeiros livros em 2019 – O Banquete de Palavras I e II, A Caverna de Jomapawi e várias antologias no decorrer de anos. Atualmente é membro da Academia Barreirense de Letras.
Sei agora o poder do instante
Transformador que chega dá medo
Quando ele aparece na mesma hora.
Instante único que já passou, agora
Mais não demora nada e já se foi
Não deixa rastro e nem pegada afora.
Quase não se vê, mas sabe que apareceu
Que levou algo de modo ligeiro
Mas que o presente continua, amanhã, em segredo.
“NÃO FOI POR ACASO”…
Depois do secretário Geral da ONU, Antônio Guterres, engenheiro e diplomata português, explicar que a violência não é justificável, seja da parte quem for, ele declarou que o atentado do Hamas, no último dia 7, num evento musical, “não foi por acaso…” Foi o bastante para os representantes de Israel na ONU, que só fica no blábláblá e ninguém ouve mais, ficarem irritados e pedirem sua demissão do cargo, inclusive proibiram a concessão de vistos de funcionários do órgão ao país.
Basta uma palavra ou frase com um sentido de explicar o porquê de determinado acontecimento de um fato, para o outro lado fazer sua própria interpretação e sair por aí disseminando inverdades, inclusive a grande mídia capitalista tendenciosa que segue os passos do mundo ocidental colonizador e imperialista. Os judeus deturparam por completo a fala de Guterres.
Longe de ser parcial na questão geopolítica e histórica da região, que é secular, o que compreendi com seu pronunciamento é que o atentado foi uma consequência de mais de 50 anos de perseguição de Israel contra os palestinos, bem como condenar a omissão e a negligência das nações mundiais em até o momento não terem criado também o Estado da Palestina.
Em momento algum, em meu juízo ainda lúcido, entendi que ele estaria justificando a violência e apoiando a ação do Hamas. Uma pessoa quando é acossado, vilipendiada, perseguida, agredida e provocada por outra, um dia ela vai reagir e cometer um desatino.
Isso me fez lembrar um júri popular, ainda jovem, na cidade de Amargosa, onde um senhor estava sendo julgado por ter matado um conhecido que todos os dias passava em frente da sua casa e lhe xingava com apelidos, de vagabundo e lhe dirigia agressões verbais.
Um certo dia o cara não aguentou tantas provocações e assassinou o seu opositor com várias facadas. Na audiência pública judicial o advogado do réu se dirigiu de forma proposital ao promotor por várias vezes com termos provocativos até que o mesmo perdesse as estribeiras e a compostura ao ponto de partir agressivamente contra o colega, alegando que o cara estava zombando dele.
Calmamente, o advogado, com sua habilidade de defesa, disse ao promotor e aos jurados: Está vendo aí, em pouco tempo em que estamos aqui vossa excelência não suportou minhas palavras repetitivas contra sua pessoa. Agora imagina esse moço que aí está no banco dos réus sendo vítima todos os dias de deboches e menosprezos contra sua pessoa. Um dia ele não aguentou e partiu para vias de fato.
É um exemplo simples para explicar o que os israelenses vêm fazendo na Faixa de Gaza e na Cisjordânia desde quando se tornou Estado, em 1948, isto é, há mais de 70 anos. Israel acossou, construiu muros, colônias habitacionais, invadiu terra como numa espécie de grilagem e seus aliados fizeram vistas grossas.
Os israelenses se recusam a olhar o passado de avanço territorial e encurralamento contra os palestinos com a anuência dos donos da ONU e dos países da Europa Ocidental e, principalmente, com aval direto dos Estados Unidos. E os atos de terrorismo que os judeus praticaram contra árabes, cristãos e palestinos para forçar a criação de um Estado?
O que o secretário Geral quis dizer é que esticaram demais a corda até que ocorreu uma tragédia anunciada. Em seu depoimento, não vi ele afirmar, de modo algum, que o ataque do Hamas foi merecido ou justificável. Claro que nessa hora o outro lado fulmina a razão do outro e só enxerga a sua, ao seu modo e interesse.
Israel simplesmente se nega a reconhecer o que já fez de terror contra os palestinos, deixando-os na pobreza e na miséria. O Hamas quer a extinção de Israel que também pretende aniquilar o seu vizinho, inclusive os palestinos que são governados por outra autoridade. Sabe como os palestinos enfrentam a opressão de Israel? Com pedras contra os soldados, como nos tempos bíblicos e na era do domínio romano, quando os israelitas faziam emboscadas “terroristas” contra os exércitos dos imperadores de Roma.
“A VOZ DO POVO É A VOZ DE DEUS”
Existem uns bordões que grudam nas pessoas de forma maquinal e elas falam de forma instintiva sem pensar e refletir se são mesmo assertivas. Um deles é dizer que a “A Voz do Povo é a Voz de Deus” e isso sai da boca de pessoas que se dizem até intelectuais. Não sei muito bem a origem da frase, mas tem um cheiro forte do catolicismo, coisa mais de cunho religioso piegas.
Quantas coisas erradas fazem o nosso povo, principalmente nas escolhas políticas, elegendo corruptos e malfeitores que só pensam em seus interesses, e aí pelo ditado popular tornam-se enviados de Deus. Isso é só um exemplo, mas existem tantos outros onde essa expressão antiga não é verdadeira, nem no sentido filosófico e social.
Quando uma multidão decide linchar uma pessoa na rua por ter cometido um desatino, furto ou agredido alguém de forma perversa, esse espírito de fazer justiça com as próprias mãos conta com essa voz de Deus”? Lembra da passagem bíblica onde Jesus diz: Quem não tiver pecado que levante a primeira pedra. “A Voz do Povo é a Voz de Deus” não funciona nesse caso, conforme os ensinamentos de Cristo.
Nós brasileiros e latinos da América do Sul e Central, por características histórias de subjugação, de opressão, de baixo nível educacional e do ponto de vista cultural, agimos muito mais pela emoção do quem pela razão, e as decisões nem sempre são corretas. Não coincidem com a voz de Deus que manda fazer outra coisa.
Mesmo no Velho Mundo mais civilizado e instruído, existe esta máxima de “A Voz do Povo é a Voz de Deus”, só que os fatos registram o contrário. Os alemães nas décadas de 30 apoiaram Hitler com suas ideias malucas nazistas de salvar o país da crise. Todos sabem no que deu com os genocídios, as matanças e as barbáries de guerras. Hitler contou com a voz do povo, mas será que teve a voz de Deus”?
Uma multidão de seguidores extremistas negativistas, racistas, xenófobos, misóginos e homofóbicos foi para a rua pedir uma ditadura militar e repetiram que “A Voz do Povo é a Voz de Deus”. Tira Ele desse rolo insano! Aliás, a irracionalidade que nos leva à desumanização não pode ter a voz de Deus.
No Brasil, os governantes de forma proposital sempre deixaram nosso povo na ignorância por ser mais fácil de ser manipulado através de dinheiro e promessas nunca cumpridos e quando são aplaudidos e eleitos ainda têm a cara de pau de dizer que “A Voz do Povo é a Voz de Deus”. Com isso, usam da inocência da nossa gente, a grande maioria religiosa e temente a Deus.
Na verdade, o povo segue uma voz, muitas vezes induzido por sofismos baratos e artimanhas dos mais espertos e acaba apoiando seus projetos que só servem a eles. Como argumento, eles acabam dizendo que “A Voz do Povo é a Voz de Deus”. O pior disso é que a maioria acredita nisso. Isso me faz lembrar Nelson Rodrigues quando afirmou que toda unanimidade é burra.
Confesso que não consigo engolir e aceitar esse bordão popular e até de pessoas mais instruídas quando dizem que a “A Voz do Povo é a Voz de Deus”. Fico a me perguntar, que povo é esse de que estão se referindo? Uma aprovação idiota e imbecil, na maioria levada pela emoção ou até vingativa para atingir um adversário, nunca pode ser a voz de Deus.
POR QUE A GASOLINA DE CONQUISTA É TÃO CARA?
O arquiteto e urbanista Leandro Fonseca pergunta por que a gasolina de Vitória da Conquista é tão cara? Essa resposta está com o cartel que há anos domina o mercado e as “autoridades” (Câmara Municipal, Ministério Público e órgãos de fiscalização) não conseguem derrubar.
Só vejo essa resposta, meu caro amigo Leandro, e já fiz esse comentário aqui em nosso blog por diversas vezes, ao ponto até de ser chato no assunto. A nossa mídia local faz matéria sobre os preços quando sobem, mas nunca vi uma reportagem investigativa sobre o assunto. Aliás, não temos mais jornalismo investigativo, apenas factual e com muitas falhas no noticiário.
Volto a repetir que há pouco tempo, na legislatura passada, a Câmara de Vereadores instalou uma CPI para responder essa indagação feita pelo cidadão. Todos sabem que no final não deu em nada, apenas um projeto chulo de que as mangueiras fossem transparentes. Nem isso emplacou porque os donos de postos disseram ser inviável.
Nos últimos anos, a construção de postos de gasolina foi um dos negócios que mais cresceu em Vitória da Conquista por ser bem rentável e com retorno do investimento em curto prazo. Hoje, toda esquina tem um posto de combustível e sempre aparecem mais. Na Avenida Juracy Magalhães é posto que não acaba mais.
Leandro Fonseca mostra que em Lagoa das Flores a gasolina está na faixa de R$5,75 o litro, no Capinal R$5,95, enquanto que em Conquista o produto é comercializado por R$6,36 na grande maioria dos postos.
Quando se encontra um com preço mais baixo, a diferença é de cerca de cinco centavos para tapear o consumidor. Não adianta fazer pesquisas na cidade porque não compensa ficar rodando e queimando combustível por meros centavos. Quem for fazer isso, vai ter prejuízo no bolso.
Semana passada estava em Belo Campo, cerca de 60 quilômetros de distância, e lá a gasolina estava sendo vendida por R$6,20 o litro. Como explicar esse quase tabelamento dos donos de postos com uma gasolina mais cara que em outros municípios da região, se eles pegam o produto em Jequié, numa distância de 150 quilômetros? A gasolina de Conquista é uma das mais caras da Bahia.
Eu só queria entender, Leandro, mas não é para entender! Todo mundo sabe muito bem onde está a resposta, inclusive os frentistas. Converse com um deles e até eles concordam que existe um cartel que ninguém consegue quebrar.
FLIBELÔ COM PEGADA NORDESTINA E FOCO PRINCIPAL NA EDUCAÇÃO E LAZER
Educação, gastronomia e cultura juntas na II FLIBELÔ – Feira Literária e Gastronômica de Belo Campo, um grande exemplo para outras cidades do interior pela valorização do saber e do conhecimento, promovida pela Prefeitura Municipal através da Secretaria de Educação, Esportes, Lazer e Cultura.
O foco principal foi a educação escolar com contação de causos para a criançada, parque infantil, artesanato, área de jogos (dama, xadrez), oficinas de teatro e gastronomia, shows musicais, mesas temáticas sobre livros, leitura e bibliotecas, conferências e apresentações de trabalhos escolares, porém com poucos espaços para os escritores locais e da região (apenas três estandes). O ponto falho ficou por conta nos atrasos na programação dos eventos.
No entanto, a Feira ficou marcada pela pegada de temas nordestinos, com tendas sobre José de Alencar, Rachel de Queiroz, Luiz Gonzaga, nosso rei do baião, Euclides da Cunha, no caso do escritor que narrou a Guerra de Canudos e Graciliano Ramos, os locais mais visitados pelos frequentadores do evento.
Com um estande, inclusive de lançamentos, os escritores do coletivo de Vitória da Conquista foram destaques e marcaram suas presenças com Josué Brito, Chirles Oliveira, Paulo Henrique Medrado, Ybeane Moreira e Jeremias Macário, isto entre os dias 19 e 20.
Ainda no setor de publicações de obras, a Editora Arpillera, de Abaeté, Camaçari, que faz livros artesanais, costurados um por um de forma manual, bordados com dobraduras numa verdadeira experiência sensorial de leitura, chamou muita a atenção do público visitante.
Esperamos que a próxima festa literária haja uma maior participação da classe. No geral, a FLIBELÕ alcançou seus objetivos que foi despertar os estudantes para a leitura, sem contar o apoio da equipe organizadora em nome de Misael Lacerda, diretor da Biblioteca Municipal, do pessoal da limpeza e da segurança.
É bom ver as crianças visitando os estandes culturais em contato com os livros e os famosos autores e artistas nordestinos que deixaram seus nomes eternizados na história do Brasil e até a nível internacional. A meninada fica curiosa quando folheia os livros e faz perguntas como foi feita a obra e se sente maravilhada ao lado do autor. Seus olhos chegam a brilhar e isso é uma esperança para a nossa cultura.
Durante os quatros dias de atividades educacionais, gastronomia e lazer da Feira, de 19 a 22/10, a praça principal da cidade esteve sempre lotada por moradores de Belo Campo e de cidades vizinhas da região, como Tremedal, Condeúba, Cordeiros e outros municípios, com a presença também de autoridades políticas e representantes da cultura.