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:: 29/nov/2023 . 21:37

O ESCRITOR, O POETA E A MORTE

Escrever é um ato contínuo, um exercício da mente, utilizado também para manter o corpo e o espírito alimentados. Dá apetite e fome, como exercício físico, e serve para driblar a matreira morte, o ponto do fim existencial de todo ser vivo, especialmente o mais racional humano.

Pode até ser um assunto macabro que a grande maioria prefere fazer de conta que ela não existe. Melhor tocar a vida e esquecer dela, mas não temos como escapar. Vez ou outra, a dita cuja está sempre batendo em nossa porta.

Uns lutam mais que outros para sempre adiar o dia. Por injustiça social, o pobre entra em suas garras mais cedo que o rico por questão financeira mais baixa. Infelizmente, o dinheiro faz adiar a sua data nas mãos de bons médicos e especializados hospitais.

O escritor e o poeta, como o fazedor de arte, encontram sempre uma forma de enganá-la, como o bom malandro que enrola o dono do botequim para viver sua boemia. O poderoso e o avarento juntam mais e mais grana e nem lembram da sua fatídica vez. O poder na cabeça faz achar que estão livres.

Se faz parte da minha vida, escrevo para viver, e se parar eu morro. Já ouvi está frase de alguém, ou é minha mesmo, quando perguntado sobre a importância e o significado da escrita para si. Colar palavras, pesquisar, escarafunchar e viajar na imaginação das letras é uma sublimação. Me torna deus do olimpo.

Às vezes, sorrateiramente, ela bate em sua porta, como não quer nada, e o escritor, com sua perspicácia e astúcia manda ela retornar outra hora porque está a escrever, ainda iniciando ou no meio do texto. Ele está me enrolando novamente – matuta consigo a morte.

Não se conforma. Ela é persistente. Volta a bater na porta noutra oportunidade e, para sua decepção, escuta uma voz saindo lá de dentro da escrivaninha: Continuo a escrever e sem previsão de concluir a obra. “Volte outro dia, ou outra hora”.

– Este cara só pode estar achando que sou uma besta ou uma idiota – segue a morte remoendo suas ideias na procura de outra presa. O escritor, ou poeta, se sente revigorado por ter ganhado mais tempo e ter arranjado um meio de se livrar da danada. As ideias borbulham e fervem. Mete a cara na labuta dias e dias, inventa histórias, causos, contos, crônicas, romances e até poesias, tudo no sentido de quebrar essa corrente e se tornar imortal.

Ela demora, dar mais espaço porque o cara é duro na queda. Passa distante, olhar meio cabreira pela porta do escritor e segue sua longa jornada. É uma peregrina indigesta que ninguém quer cruzar pela sua frente. O melhor é cortar caminho para que ela não lhe aborde.

Algumas vezes, ronda seu quintal e percebe que o escritor ainda escreve pela madrugada a fora. -“Ele sofre de insônia?  Mais parece um lobisomem”. A luz está acesa e ela ouve o deslizar da caneta a rascunhar no papel e o clicar nos teclados do computa. Sua escuta é como um raio laser que penetra até paredes de aço.

– É um valente teimoso, do tipo sertanejo nordestino da terra árida, mas um dia, ou numa noite qualquer, pego ele desprevenido – assim pensa a morte, com seu bornal da dor da finitude. O escritor é vigilante e mal dorme, só cochila e assim vai empurrando ela para mais longe do seu alcance.





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