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:: ‘Na Rota da Poesia’

ESSA GENTE!

De autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário

Essa gente berra,

Se desespera,

Se angustia,

Um numa boa,

Outra se ferra,

Não dá mais liga,

Na roda do vai e fica.

 

Essa gente não cordial,

Quer mais folia;

Procura abrigo,

Na rede social,

Do falso amigo,

E a tragédia,

triste comédia,

Do desabrigo.

 

Tem gente que luta,

Outro se emberna,

Em sua caverna,

Na multidão que passa,

Apressada, cortando

A avenida e a praça,

E pouco se escuta,

O gemido da fome e do frio;

Prefere cair atrás do trio,

De um povo no cio.

 

Essa gente sofre,

Do Nordeste ao Norte,

Na busca da sorte.

Um nasce e outro morre,

Mas quem importa,

Se só se pensa

Em arrombar outra porta!

 

Essa gente se revolta,

Uns pro mal,

Outros pelo bem,

No vai e vem,

Do circo e da festa,

Que pouco interessa.

 

Essa gente,

Que quer ser gente,

É dominada pelo agente,

Que impede,

De ser gente,

De livre mente,

De todo dia,

Na tristeza e na alegria.

 

Essa gente aflita,

Que nem mais grita,

Maldita e bendita,

Na luz e na escuridão,

Vivendo na escravidão.

ESPELHO

Afonso Manta, da Antologia Poética organizada pelo poeta e companheiro jornalista Ruy Espinheira Filho.

De cada vez que me contemplo, mudo

Face ao espelho que reflete a imagem

De um homem já cansado da viagem,

Sinto uma atroz desilusão de tudo.

 

Sinto que estou mais triste a cada dia,

Mais doente, mais trágico e infeliz:

Exausto desta longa romaria

Que, pela vida, em desespero fiz.

 

Sinto que sou a sombra do passado.

Sinto que sou o espectro de mim mesmo.

E que rolei como um navio a esmo

Tangido pelo mar encapelado.

02/05/1979

MAIS DO QUE SOFRI NA VIDA…

(AFONSO MANTA)

Afonso Manta, nasceu em Salvador, em 23 de agosto de 1939. Passou a infância em Iguaí e a adolescência em Poções, voltando a Salvador para fazer o curso clássico no Colégio Central. Trabalhou em jornais, nos telégrafos no Rio de Janeiro e veio a falecer em Poções, em 3 de dezembro de 2003. Um grande poeta dos poetas baianos e brasileiros.

Mais do que sofri na vida

É simplesmente impossível.

Mas não quero uma medalha

Sobre o meu peito invencível.

 

Mais do quer andei pelo mundo.

Sem sair do meu lugar,

Nenhum homem do planeta

Pode com os seus pés andar.

 

Mais do que lutei e luto

Nas horas de cada dia,

Num combate desarmado,

Não sabe a filosofia.

 

Mais do que sonhei e sonho,

Em sonhos de olhos abertos,

Não sonham nem as palmeiras

Das areias dos desertos…

CADA DIA

De autoria do jornalista Jeremias Macário

O celular nosso de cada dia,

Santificado seja a internet,

Que nesse reino nos conecte;

Dai-nos hoje, oh Senhor!

Os sinais das redes sociais;

Perdoai nossas ofensas;

Livrai-nos das falsas crenças,

Dos ônibus da lotação,

Desse cartão consumidor,

Das dívidas de cada dia.

 

Cada dia é novo existir,

De um colorido pôr-do-sol,

Um outro de porvir;

Não nos deixai-nos só,

Nesse tempo de cada dia.

 

Cada dia acordo com você,

Minha razão de ser;

Sem seu amor,

Não sei mais como viver.

 

Tem a estradeira poeira,

Para enfrentar o desafio;

Tem dia sem saída,

Outro da vida sorrir,

Um de nascer, outro de partir,

 

Como diz o cancioneiro,

Cada dia vai ter que sofrer,

Vai ter que vencer,

Varrer o seu terreiro.

 

Deus e o diabo na terra,

Como canta o Moreira,

Uns subindo a serra,

Outros descendo ladeira,

No tempero de cada dia,

Nos feitiços da Bahia.

NÃO REZES POR MIM

Nova criação poética de autoria do jornalista Jeremias Macário

Quando a doença

Atacar meu corpo,

Não mais da cura a crença,

Em estado terminal,

A sofrer em casa,

Ou na tortura de um hospital,

Não rezes por mim,

Não intercedas pra eu ficar;

Ores para eu ir,

Deixas minha alma viajar,

E não rezes por mim.

 

Se tens compaixão,

Se sentes minha dor finita,

Se entendes a finitude,

Se acreditas,

Que tem a hora de partir,

De ir embora,

Não rezes por mim,

Rezes sim,

Para eu ir,

E não chores por mim.

 

Alegras teu espírito,

Olhas o azul infinito,

Tudo tem o seu fim,

Pagues ao barqueiro,

Para levar à outra margem,

Mais um velho estradeiro,

Passageiro de uma viagem.

Não rezes para ficar,

Rezes para eu ir,

Para outro qualquer lugar.

VIOLEIRO VIAJANTE

De autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário

Pelo meu canto de tocador,

Um dia meu pai,

Me chamou de vagabundo.

Botei minha viola na sacola,

Gastando sola, girando mundo,

Com meu pranto profundo.

 

Do Oiapoque ao Chuí,

Chorei nas motosserras Amazonas;

Naveguei pelos rios das chalanas,

Entre fumaças do Pantanal,

Onde o homem destila seu mal,

Contra a fauna e a flora,

Manda embora o tuiuiú e a sucuri.

 

Como violeiro viajante,

Fiz um tour,

Pela cultura gaúcha do Sul;

Bebi das maiores fontes,

Nas terras do meu Nordeste,

Dos cancioneiros cabras da peste.

 

Como violeiro viajante,

Cortei pontes, estradas e montes,

Pelos canais dos festivais,

Desses rincões nacionais,

Espalhei minhas mensagens,

Nessas longas viagens.

 

 

 

 

NUNCA DIGA QUE É NADA

Mais uma recente da lavra do jornalista e escritor Jeremias Macário

Se duvido do sentido do ser,

Pior é viver sem você.

Minha alma chora,

Quando meu mal lhe devora.

Perdão lhe peço, meu amor,

Se minha flecha lhe sangrou.

 

A vida é cheia de cilada,

Mas nunca diga que é nada,

Pelo espelho do outro,

Por achar ser sensacional.

Mire em sua virtude especial,

De transmitir felicidade,

Para os seus da comunidade.

 

Todos com suas frustrações.

Não condene seu destino,

Nem entre em desatino,

Por causa das decepções.

 

Nunca diga que é nada,

Porque uns vivem no luxo,

E você arrasta sua enxada.

 

Olhe para dentro de si,

Do seu nobre sentimental,

Que já fez tanto bem social,

Com seu olhar de amar,

Coisa que nunca vi igual.

 

De espírito criativo,

De energia visceral,

Sem você não mais vivo,

Minha maior amada:

Me julgue como quiser,

Mas nunca diga que é nada.

 

Ainda estou em pé,

Na minha nesga fé,

De peregrino errante,

Com meu pecado repugnante,

E nem me pergunte,

Que nem tenho o saber,

De a mim mesmo responder.

 

Você tem luz que me ilumina,

Ouro reluzente dessa mina;

Esbanja seu sorriso alegre:

Sei disso e não negue,

E ainda diz que não é nada,

Em sua árdua jornada?

 

Nunca diga que é nada,

Porque o nada não existe,

Nesse universo sideral.

Sua própria existência,

De pensar é o sinal,

Pra não dizer ser nada.

ALMA SECA

Um dos trechos do Livro II da obra “Airyl”, de Luis Altério, pseudônimo de Luis Filipe da Silva, Edições Uesb – prêmio professora Zélia Saldanha – Poesia:

Nada amarga mais que doce utilidade do carme.

Avanço a pleitear contenção…

Os glúteos amam o assento áspero,

Trespassa de feixes luzentes a laje fria,

Derrete o vínculo dial na escrivaninha e

Tomando desses elos a liberdade

Espargindo cada uma das partes do todo.

Todo o desaire mofo com pompa

(sacudido no estendal farpado)

Ostenta lapela de trato fino.

< fino quilate na arruinada peneira.

A picareta mole contentado,

Preconiza bebedeiras e mulheres

Nas ruas de luxilo,

Grão diamantífero em punhado escanifrado,

Sua dama de regresso à cubata

Equilibrava pequena cápsula

(dez kwanzas de óleo alimentar),

Os filhos debaixo da frondosa mangueira

Sortidos nas mínguas da terra batida

(que pela arraiada requestaram no capim ratos

Colhidos pelos seus engenhosos ardis) e juntos

Pingo dilatado e à vez de iguaria grossa e indelicada

Cevam sopa de rato e funge de mandioca.

A picareta mole ruma ao dundo

Deixando as margens do rio migigi,

Dançando na lâmina vil do mercado negro>

Agora desfeita a quimera,

No cárcere sonha com o cascalho

Coado com a arruinada peneira

Luis Altério nasceu na França e foi para Portugal com a família quando tinha seis anos. Hoje reside em Vitória da Conquista.

PÁSSARO SOLITÁRIO

Mais uma da lavra do jornalista e escritor Jeremias Macário

Voa pássaro solitário!

Com sua magia existencial,

Nas asas do seu ideário,

No ventre do vento açoite,

Nas correntes do dia e da noite,

Entre divisas do bem e do mal.

 

Voa pássaro solitário!

Corta as águas desses mares,

Como navegador planetário,

Bailando nesse céu dos ares!

 

Voa pássaro!

Testemunha dos navios negreiros,

Dos gemidos da escravidão,

Que aqui criaram terreiros,

Nos atabaques fizeram religião.

 

Voa pássaro solitário!

No rasante da liberdade,

Nessa terra tão desigual,

Da mediocridade virtual.

 

Voa pássaro solitário!

Acalenta minha alma,

Que vem do além-mar,

Do índio, banto-jêje,

Do nagô-iorubá.

 

Voa pássaro solitário!

Nessa seca do sertão;

Recarregue minhas forças,

E me devolva inspiração.

 

Voa pássaro solitário!

Conte para mim,

O segredo dessa vida,

Se nela existe sentido,

Entre chegada e saída.

 

Voa pássaro!

Ensina a esse rebanho,

Seguir crente em frente,

Na alegria ou na agonia,

Espinhos nas flores amores,

A nunca perder seu sonho.

 

EU VI TUDO

Versos de autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário

Parodiando o cancioneiro Raul,

Te conheci há cinco mil anos,

Do leste oeste, norte a sul,

Trago comigo o sangue cigano,

Alma negra, mestiça- iberiana,

E vivi no mundo dos insanos.

 

Não mais me importo,

Com a inveja de fulano;

Vivi até no faroeste americano,

Vi Cristo nascer em Belém,

Na palestina de Jerusalém.

 

Vi tudo nesse mundo imundo;

Aníbal estraçalhar os romanos;

Spartacus com cem mil escravos,

Derrubar gauleses, celtas e eslavos.

 

Vi Portugal criar a escravidão,

Lá em Gana na Costa da Mina;

A triste sina da chibata africana;

O terror dos senhores da cana,

Dos cafezais e da mineração.

 

Vi a Igreja conivente trair sua fé;

Hitler e Stalin matar milhões;

Fidel e Cheguevara tomar Cuba;

Toda essa loucura capitalista,

Estuprar o ideal socialista.

 

Vi o muro de Berlim cair;

A terra girar em torno de mim;

Roma ser incendiada por Nero,

E em seu violino cantar bolero.

 

Vi a Revolução Francesa

Cortar cabeças de reis e rainhas,

E me embriaguei nas vinhas.

Quando perdi o existir da certeza.

 

De carro de boi ao lombo de burro,

Fui até sacristão e seminarista;

Só não aprendi ser pilantra vigarista;

Lutei em guerras contra a ditadura;

Sofri prisão, cusparada e tortura;

Sol quadrado sem lua enluarada.

 

Tive amores de prazeres esquecidos,

Sem meus sonhos ficarem perdidos:

De voltar pro meu sertão relicário,

Para contemplar as raízes do chão;

Ouvir o som da alma violeira,

Ao lado da morena cabocla faceira,

No meu eu pensador solitário.

 

Na vida fui até conselheiro;

Aluguel matador pistoleiro;

Boiada, vaqueiro e boiadeiro;

Invisível dessa raça desprezível.





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