:: ‘Na Rota da Poesia’
A CONTA NUNCA BATE
Autoria do escritor e jornalista Jeremias Macário
Nesse ciclo de tanto estrago,
Entre consumo e o reciclável
Da economia sustentável,
A conta nunca bate,
Tomo mais um trago,
Que se reparte,
Na resistência da arte.
O capital só quer consumo,
Indica quem leva o fumo.
A chapa só esquenta,
Nas estações de forno,
Onde não existe retorno.
Nos raros telefones de amor,
Oh, meu Senhor!
Nesse vosso paraíso,
Do apocalipse final juízo,
Assola a solidão,
Na loucura da contramão,
Desse metal vil,
Dos ciclones até no Brasil.
A conta nunca bate,
E ninguém ouve o vate.
Treme e geme a terra,
Na guerra, frio e calor,
Da flora, lágrimas de fogo,
Larvas espirram dos vulcões,
Do caos devastador:
Brasas, fumaças e chamas,
Tempestades engolem multidões,
Nos desertos de lamas.
Do leste ao oeste,
Do norte ao sul,
Lá vem Deus deslizando
Entre raios e trovões,
Como profetizou
Nosso maluco Raul.
Conferências climáticas,
Para reduzir o metano,
O C O Dois,
Nas propostas temáticas,
E tudo fica para depois.
Meu peito sangra de dor,
Nas asas do beija-flor!
Tentando salvar a floresta
Que o homem incendiou.
Só que nesse embate,
Todos só querem festa,
E a conta nunca bate.
O GALO CANTOU ERRADO
Autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário
Pelas brenhas do meu serão,
Ouvi causos e histórias,
Saídas de nossas memórias,
De um maturo lavrador,
Sem relógio e rádio,
Para seguir o divino horário,
Como no tempo templário.
Quase nada tinha,
Só suas cargas de farinha,
Para vender na feira da cidade,
No sábado de madrugada.
Acordou depressa atordoado,
No primeiro estalo,
Do canto do galo,
Que cantou errado.
Gritou bravo,
Para o mirrado menino,
Coisa de nordestino,
Pra pegar os jumentos no pasto,
E tocar a tropa na estrada,
Para pagar seu gasto.
Disse a mulher:
Homem doido agoniado,
Só pode estar endiabrado,
Esse galo cantou errado.
Lá na frente, nem pé de gente,
Nem piava a cotovia,
Onde o vizinho concorrente,
Ainda calmo dormia,
E foi aí que ele desconfiou,
Que o galo cantou errado.
No caminho só esbravejava,
Passamos pelas ruas,
Em meio à escuridão,
E nada do dia clarear.
No chão arriamos os sacos,
Os couros pra dormir,
E o feirante não parava,
De cafangar
Que ia jogar o galo na panela,
Todo picado na gamela,
Porque o danado cantou errado.
O galo sabendo do acontecido,
Para não ser degolado,
Se enfiou no mato como rato,
Porque cantou errado.
Tudo é pura verdade,
Como prosa da antiguidade,
Não tem nada de engraçado:
O galo cantou errado.
ANGÚSTIA SOCIAL
Autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário
Senhor, alivia minha angústia que por dentro rói!
Acalma esta minha alma na procura de um sentido
Desse incerto futuro e desse presente que tanto dói.
Afasta essa exclusão cruel dos diferentes oprimidos.
Aos pobres são dados a exploração e o sofrimento,
Para uns céus e festas, para outros, penas e gemidos.
Por que aos poetas cabe o enigma do encantamento,
De decifrar o amor e abrir o passado que não passa?
Para o alegre o vento canta, para o triste um lamento.
De fome e frio chora o menino em sua favela canibal.
Os pais abafam o soluço que a angústia do peito brota,
E o sistema segue se alimentando dessa injustiça social.
NÃO FALE DEMAIS
Autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário
Fale menos, escute mais.
Diz quem fala demais,
Dá bom dia a jegue,
Nada contra o animal,
Só não fale demais,
Meu amigo,
Pode ser um perigo.
Fortaleça suas teorias;
Escolha bem suas vias,
E pratique mais o exemplo,
Do seu templo;
Cuidado com as feras,
Com essas falsas galeras,
Que na frente é uma coisa,
Outra é por detrás,
Pra derrubar os dizeres
Do seu cartaz.
Fale menos, escute mais.
Sua vida é uma viagem;
Não apresse demais o passo;
Tenha nervos de aço,
Que seu caminho,
É uma aprendizagem.
Gente vem,
Gente sai.
Tem aquele que trai.
Não fale tudo que pensar,
Pense antes de falar,
E não fale demais
NO BICO DO PAPAGAIO
Autoria do escritor e jornalista Jeremias Macário
No Bico do Papagaio,
Onde bate a chuva,
O trovão e o raio,
A luta faz sua hora,
E o tempo lento chora,
Ai, ai, ai, ai, ai
Da selva brota a guerrilha,
Lá na região do Araguaia,
Goiás, Maranhão e Pará,
Cada guerreiro em sua trilha,
Da terra, companheiro,
Com sua mente libertária,
Contra a ditadura assassina,
De botas tiranas brutais,
Em plena América Latina,
Dominada pelos generais.
Os sessenta e nove idealistas,
Marcharam com seus bornais,
Na crença de uma vitória:
Mudar a nossa história,
Como nas cartas aos familiares:
Saudades, amores e dores,
Dos mortos desaparecidos,
Que ficaram sem seus rituais.
Eram mais de dez mil,
Helicóptero, metralhadora e fuzil,
Cabeças foram decepadas,
Corpos esquartejados,
Jogados no mar e nos rios,
Insepultos sem lutos,
Para apagar nossa memória,
Meu querido, minha querida!
Do pó continua aberta
Nossa sofrida ferida,
No Bico do Papagaio.
TÃO FALADO E ODIADO!
Autoria do escritor e jornalista Jeremias Macário
Terra árida nordestina,
Do Assaré retirante,
Na “Triste Partida”
Da sua terra, amante,
Sou essa gente latina,
Tão falado e odiado
Por andantes trovadores,
Cordelistas e repentistas,
Escritores, mestres e doutores,
Da Bahia, Maranhão ao Ceará,
De todo estado nosso irmão,
Que ultrapassaram além-mar,
Desde os tempos coloniais,
No melaço dos canaviais,
E nas manchetes dos jornais.
Sertão agreste nordestino,
Pelos coronéis, escravizado,
De tanta canção que nos encantou,
No voo lamentoso da Asa Branca,
Na palavra libertária do Conselheiro,
Que deu voz ao catingueiro;
Da Coluna Prestes,
Que cortou nosso chão,
Como os jagunços de Lampião,
Onde nasceram os bravos e fortes,
Com suas tradicionais culturas,
Escritas nas lápides das sepulturas.
Tão falado e odiado,
Sou o Nordeste,
Não sou trapo farrapo,
De nazistas sulistas,
Senhores opressores,
Imigrantes intolerantes,
Que derrubam nosso cerrado,
Com suas cercas farpadas,
E ainda sugam nossos canais,
Das águas do “Velho Chico”
E nos chamam de macaco-mico,
Seus extremistas venais.
COISA
Autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário
“Uma coisa é uma coisa,
Outra coisa é outra coisa”.
Tudo que se faz,
É inspirado numa coisa,
Como esta coisa.
Coisa pode ser
Masculino ou feminino,
Substantivo, adjetivo e advérbio,
Até verbo.
Tem o coisa ruim,
Que é o capeta belzebu;
Tem a coisa boa,
Que pode ser tanta coisa.
Vou lhe contar uma coisa,
Que você não pode revelar,
Então não me conte sua coisa.
Cante aí nessa viola,
Uma canção MPB, samba ou forró,
E não me deixe aqui,
Com essa coisa só.
Rapaz, me deu aqui
Uma coisa na espinhela,
Não seria na costela?
Estou com uma virose,
Pode ser qualquer coisa.
Tenho uma coisa por ela,
Que não sei explicar essa coisa.
Não me venha com essa coisa,
Que já estou cheio de tanta coisa,
E não vou mais falar dessa coisa,
Porque você está sendo chato
Com tanta coisa.
Mostre sua coisa,
Que eu mostro minha coisa.
Me dê sua coisa,
Pra eu dar uma tragada,
Quero ficar doidão com essa coisa.
Sua coisa é de primeira
Não é da misturada.
Vá pra lá com sua coisa,
Que fico com minha coisa,
E quem quiser,
Que acrescente outra coisa.
POR QUE SERÁ?
Autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário
Por que será?
Que a mais gloriosa criação,
Após bilhões de anos,
Galgou a inteligência,
Para se curvar
À arte da corrupção,
E colocou no pódio
O ódio e a intolerância?
Será o instinto primitivo,
O real motivo?
Por que será?
Que a terra está pegando fogo,
Com ameaça existencial;
O mal virando o jogo,
Nessa era da ebulição global,
Onde o luto ganha da luta?
O progresso abiu as portas do inferno,
E eu aqui a queimar neurônios,
Entre o calor de 50 graus,
E o verão do inverno.
Por que será?
Que você se contorne
Entre o medo e a ansiedade
Do louco competir,
Atrás de uma felicidade passageira,
Que se acaba na saideira,
Do exótico vulgar consumir?
Por que será?
Uns ricos e outros pobres,
Escravos e nobres,
Tantas doenças,
De uns que se agarram nas crenças,
Outros no teorema,
Se Cristo se sacrificou,
Para derrubar o sistema?
ASSIM NÃO DÁ…
Autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário
Assim não dá,
Ficar calado como gado:
Ver tanta barbaridade,
Nessa nossa humanidade,
De gente perversa criminosa,
Que gananciosa nos rouba,
E depois diz ser inocente,
Que nada sabe e nada viu,
Nega muda, surda e cega
A verdade nua e crua.
Assim não dá,
Para não se manifestar,
Contra esse nosso país,
Sem cultura, caráter e raiz.
Assim não dá:
Vivo com meus medos,
Fantasmas e segredos,
Do meu soneto,
Sair pior que o enredo.
Assim não dá,
Ver o humano desumano,
Entupir de lixo o mar,
Com suas mentes artificiais,
Como se fossem canibais.
Assim não dá,
Para ver o amor minguar,
América e a África
Passar tanta fome,
Enquanto o luxo só consome.
Assim não dá,
Imperar o individual,
Com o ódio subindo ao pódio,
Nos dividindo em fatias,
Como crias,
Dessas loucas correrias.
JOGO TUDO NA GAMELA
Autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário
Minhas contas de luz e água,
Faturas dos cartões de crédito:
Tudo é só débito,
Toda vez como freguês.
O selvagem capital,
Me trata como faquir,
Que toma banho na gamela,
Ainda me cobra,
Conta paga,
Para ir na camela conferir,
E fico a olhar tudo que quitei,
Todo sangue que já dei.
Logo vai chegando,
O outro mês:
Nem sei mais o que gastei:
Jogo tudo na gamela,
Depois nos arquivos,
Como mortos inativos.
Jogo tudo na gamela,
No banho que lá tomei,
Quando criança esperança,
No campo ou na favela,
E quando morro,
Nessa vida de aventura,
Num caixão apertado sem largura,
Só tenho direito a uma vela.
Jogo tudo na gamela,
Essa remela,
Do trabalhador,
Tratado como escravo insano,
Como nos tempos,
Do tráfico africano.