:: ‘Na Rota da Poesia’
AMOR CONTIDO
Autoria de Jeremias Macário
Amor contido,
Que irradia energias,
Olhos em meus olhos,
Luz que ilumina e seduz,
Em seus longos cabelos,
De finos fios de poesias.
Ainda lembro daquela fonte,
De água cristalina serena,
A refletir nossa imagem,
Dos beijos de amante,
No arco-íris do horizonte.
Amor contido
De eterno segredo,
Que não passa na TV,
Nem ninguém pode saber,
Só a alma criança sente,
Esse sublime presente.
Amor contido,
Deleite do sol poente,
Sabor de proibido,
Até o último respirar.
Minação da serra nascente,
Que vira correnteza de rio,
E se encontra com o mar.
Sempre existe o amor contido,
Que chega para sempre ficar;
Envenena nossa mente,
No físico visível latente,
Para não mais se separar.
É como semente do tempo,
Esse amor contido ardente,
Que vem do vento platônico,
Biônico na gente a grudar,
Para nunca mais largar.
NOS TEMPOS DO CANDEEIRO
Autoria do jornalista Jeremias Macário
Sou dos tempos do candeeiro,
Do pavio no óleo da mamona,
Pilada no velho pilão,
Pra clarear o forró do sanfoneiro,
A sanfona do Gonzagão,
E o xaxado dos cabras de Lampião.
Sou dos tempos do candeeiro,
Do oi de casa!
Oi de fora. É de bem?
É da paz, que a paz esteja nesta casa!
Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!
Para sempre seja louvado!
Saudavam o rancho e o rancheiro,
Com abraços e café no bule,
Pra com fé prosear,
Em noites de luar.
Sou dos tempos do candeeiro,
Do ferro em brasa,
Da goma de engomar,
Pra missa da Vila Umbuzeiro,
Que o padre não se atrasa,
Quando o sino toca pra rezar.
Sou do candeeiro,
Do fole do ferreiro,
Da ferradura na tropa do tropeiro,
Do namoro distante respeitoso,
Do jovem que respeitava idoso.
ALMAS PERDIDAS
Autoria de Jeremias Macário
Dizem que fantasmas
São almas perdidas,
Que vagam no vaivém,
Coisas de carmas,
De abertas feridas.
Para espíritas, morte é vida,
Que retornam do além,
Para pagar suas dívidas,
Encarnam em alguém.
Tudo é mistério e confusão.
“Só sei que nada sei”
De céu, purgatório e inferno:
Só sinto o verão e o inverno;
O resto é assombração.
Almas perdidas!
Andantes vivas-mortas
Nesta terra de guerra,
Que não são ativas,
E circulam por linhas tortas;
Sem visível passagem
Nessa passageira viagem,
Onde ninguém nota,
Sua atribulada rota.
Almas perdidas!
Sem idas e saídas.
Almas perdidas!
Rogai por elas, oh Senhor!
Para que desatem seus nós
De seus antepassados e avós.
Almas perdidas!
Meu canto é um pranto,
Cada um com seu santo,
E cada dor em seu canto.
O AGRICULTOR E O PESCADOR
Autoria de Jeremias Macário
Um na labuta do campo,
Outro no rio e no mar,
No rigor do calor e do frio,
Nos cortes das fases lunares,
Pra plantar, colher e pescar.
Cada qual com suas marés
De altas e baixas.
Aguaceiro molha a terra,
Agricultor vai semear,
E renova no santo sua fé.
Tempestade agita o mar,
Pescador não vai pescar;
Roga a Iansã e Iemanjá,
Para o vento se acalmar.
O agricultor mira as nuvens,
O céu, a cigarra e o ar;
Sente quando a chuva vai chegar.
Pescador também pressente,
No escudo do horizonte quente,
Quando o tempo vai fechar.
Joga a rede pescador!
Como ensinou a Pedro, seu Senhor!
Ás vezes vem cheia de peixes,
Outras só sai lixo de lá,
Do homem que só faz sujar.
A seca mata de fome o animal,
Plantação mirrada a murchar,
Com esse aquecimento global.
Um com sua enxada a olhar o sol,
O outro com seu barco a navegar,
Os dois pedem a Deus uma graça,
Pra na praça da feira sua safra levar
O surubim, o vermelho e a sardinha,
O milho, feijão, arroz e a farinha.
NA DOR DA SOLIDÃO
Autoria de Jeremias Macário
Arranco na primeira;
Jogo na segunda;
Entro na terceira;
Acelero o pé
Entre a quarta e a quinta,
Na dor da solidão,
Borrado de tinta.
O ponteiro marca agora
Cento e cinquenta por hora,
Ouço uma balada canção,
Que me leva ao passado,
De parar o tempo,
Na dor da solidão.
Abro as janelas;
Desligo o ar,
Para sentir o vento assobiar,
E reduzo nas curvas,
Sem pisar no freio,
Para não capotar.
Avanço nas retas,
Dos cento e setenta,
Na linha do horizonte,
Que nunca some,
E desligo o presente
Que a mente consome.
Nada de avivar o futuro,
Trava de escuro muro,
Como aquelas nuvens
Da tempestade que vem,
Com chuva varrendo o além.
Volto à marcha lenta,
E no peito me atormenta,
Essa dor da solidão,
Da saudade do amor
Que um dia me deixou,
Falo só com o universo
No meu íntimo do verso,
Da vida finita,
De massa bruta,
De confusão e luta.
Ninguém me escuta,
Nem a dita filosofia,
Que não me cura
Dessa dor tão dura:
Coisa do sentimento,
Que não se fecha,
Nem com cimento.
É uma dor varada,
De lança sangrada,
Como fio da espada,
Essa dor da solidão,
Que não tem oração.
LUA ADVERSA
Cecília Meireles
Tenho fases, como a lua,
Fases de andar escondida,
Fases de vir para a rua…
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
Tenho outras de ser sozinha
Fases que vão e vêm,
No secreto calendário
Que um astrólogo arbitrário
Inventou para meu uso
E roda a melancolia,
Seu interminável fuso!
Não me encontro com
Ninguém
(tenho fases como a lua…)
No dia de alguém ser meu
Não é dia de eu ser sua…
E, quando chega esse dia,
O outro desapareceu…
PORTA FECHADA
Autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário
Como aranha a tecer sua teia,
Uma porta fechada,
É outra que se abre.
Assim é a vida, camarada,
Como onda levada,
Que espuma na areia.
Às vezes, bate em sua memória:
Sonhos do passado,
De caça e de caçado,
De porta fechada,
E de outra que lhe serviu,
Para conduzir sua história,
No calor ou no frio.
Não lamente e chore,
Se teve uma porta fechada.
O vento que assovia lá fora,
Traz depois a calmaria,
E sua porta se abre,
Para uma outra Maria.
A vida corta como sabre,
De uma porta fechada,
E de outra que se abre.
Se o futebol lhe deixou,
Médico, filósofo, cronista,
De poeta, professor ou artista,
O destino lhe reservou.
Não se apoquente, seu moço!
Você veio do ventre da terra:
É foice, facão e machado,
Montanha e serra,
Arrasto do arado,
Paz, amor e alvoroço.
DOMADOR DE BURRO
Versos de autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário
Êta Nordeste bom de se ver!
De escritor, artista, senhora e senhor,
Rezadeira, penitente e você,
Vendedor de quebra-queixo,
Amolador e tocador de realejo,
Nessa terra de tanto casmurro:
Tem até o domador de burro,
Não mais na tora da espora,
Mas com nova terapia, sem pia.
O domador de hoje rodeia,
Sem na mão a taca e a peia,
Conversa com o burro,
Faz ele sentir seu cheiro;
Coloca seu chapéu por inteiro,
Num ritual de interação,
Segue o passo a passo do manual,
Até ele lhe chamar de doutor.
É tanto jeito e mania,
Que o burro dá sua montaria,
Confia que em seu lombo suba,
Sem coice, pulo e derruba,
Mais manso que essa gente bruta,
Fanática e inconsequente,
Que não tem domador nenhum,
Para o desumano anormal comum.
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ESSA GENTE!
De autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário
Essa gente berra,
Se desespera,
Se angustia,
Um numa boa,
Outra se ferra,
Não dá mais liga,
Na roda do vai e fica.
Essa gente não cordial,
Quer mais folia;
Procura abrigo,
Na rede social,
Do falso amigo,
E a tragédia,
triste comédia,
Do desabrigo.
Tem gente que luta,
Outro se emberna,
Em sua caverna,
Na multidão que passa,
Apressada, cortando
A avenida e a praça,
E pouco se escuta,
O gemido da fome e do frio;
Prefere cair atrás do trio,
De um povo no cio.
Essa gente sofre,
Do Nordeste ao Norte,
Na busca da sorte.
Um nasce e outro morre,
Mas quem importa,
Se só se pensa
Em arrombar outra porta!
Essa gente se revolta,
Uns pro mal,
Outros pelo bem,
No vai e vem,
Do circo e da festa,
Que pouco interessa.
Essa gente,
Que quer ser gente,
É dominada pelo agente,
Que impede,
De ser gente,
De livre mente,
De todo dia,
Na tristeza e na alegria.
Essa gente aflita,
Que nem mais grita,
Maldita e bendita,
Na luz e na escuridão,
Vivendo na escravidão.
ESPELHO
Afonso Manta, da Antologia Poética organizada pelo poeta e companheiro jornalista Ruy Espinheira Filho.
De cada vez que me contemplo, mudo
Face ao espelho que reflete a imagem
De um homem já cansado da viagem,
Sinto uma atroz desilusão de tudo.
Sinto que estou mais triste a cada dia,
Mais doente, mais trágico e infeliz:
Exausto desta longa romaria
Que, pela vida, em desespero fiz.
Sinto que sou a sombra do passado.
Sinto que sou o espectro de mim mesmo.
E que rolei como um navio a esmo
Tangido pelo mar encapelado.
02/05/1979