:: ‘Na Rota da Poesia’
RASGA A PEÇA DESTA CENA
Autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário
No arrasto desta nação,
Vou cantando minha canção,
Pra esquecer o opressor,
De ter visto tanta gente,
Na bigorna militar,
Carrasco da nossa mente,
Sem o direito de sonhar.
Calam a voz do poeta,
Sou flores para lhe dar,
Sem tempo para esperar,
Este pais não se conserta,
Minha flecha para no ar.
Rasga a peça desta cena,
Não existem festa e amor,
Existem choro e dor.
Rasga a peça desta cena,
De tantos sem lição a vagar,
O passado nos interessa,
Pra ninguém mais penar.
Ainda resiste a patrulha,
De uma longa ditadura,
Nosso povo é bala na agulha,
Nas prisões a torturar.
Risco meu facão no terreiro,
Sai faísca para todo lado,
Sou de oxum guerreiro,
Minha espada é liberdade,
Pelos campos e cidades,
Vamos juntos lutar.
Rasga a peça desta cena,
Manchada de sangue e terror,
Nunca mais este cenário,
Se repita este calvário,
Curai nossas feridas, oh Senhor,
E puna o torturador.
MESTRES DA FLORESTA
De autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário
Em nossa escolástica,
Lá no Gabão,
No ventre da mãe África,
Moram os espíritos ancestrais,
Dos curandeiros pigmeus,
Mestres da floresta,
Alma da flora e dos animais.
Eles são os mestres,
Dentro deles está a floresta,
Princípio da energia e magia,
Primitiva, alta e densa,
Com seus mitos e crença,
De diferentes sons e tons,
Sombras do dia,
Da noite, o breu,
Luz para o pigmeu.
Eles são os mestres,
Pigmeus da floresta,
Pais da raiz iboga,
No ritual da iniciação,
Da lenda odzaboga,
Na onírica viagem
Da filosófica alucinação.
Eles são os mestres,
Pigmeus da floresta,
Dos tambores musicais,
Artistas da pintura e da escultura,
Reis dos magos alados,
Das tribos fangs desprezados.
Eles são os mestres,
Pigmeus da floresta,
O pequeno povo coragem,
Que seus mortos, não enterra,
Para não poluir a terra,
Do banto fez a passagem,
Na fonte da cura espiritual,
Que arranca todo mal.
UMA CONQUISTA CASSADA
Autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário
Naquela manhã seis de maio,
Escorre da serra a neblina,
O sereno fino cai nas avenidas,
E cada um segue sua rotina,
Numa agenda cheia de lidas.
Ninguém imaginava,
Um cerco de fuzil,
Para calar nossa liberdade,
Na cidade do frio.
Com cem armas nas mãos,
Duzentas botinas assassinas,
Na caça de subversivos,
Que a tropa tirana de opressivos,
Chama todos de comunistas,
Nomes que estão em suas listas.
Assim aprenderam a lição,
Marchando sem razão,
Nos quarteis e nas prisões,
Para cassar uma Conquista,
Do prefeito Pedral,
Que venceu uma eleição,
Numa legal Constituição.
Uma Conquista Cassada,
Naquele dia fatal,
De uma gente encurralada,
Como se fosse feroz animal,
Por uma maldita ditadura,
Que matou nosso irmão,
Com choque elétrico,
Pau-de-arara, ferro e tortura,
E proibiu nossa livre canção.
VOCÊ
Versos de autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário
Você fez morada em mim,
Faixos de luz e energia,
Seu olhar foi assim,
Despertar de alegria,
Força inexplicável,
Contato sobrenatural,
Lua cheia iluminável,
Pratear platônico,
No meu terreiro de amor,
Onde seco brotou a flor.
Segredos nossos eternos:
Sou seu silêncio,
Dos seus enredos.
Você é minha alma,
Nos verões e nos invernos,
Derramando canções,
Que me acalenta e me acalma,
Como o florido dos sertões.
Você é como jasmim,
Perfumosa,
Eu vou a ti,
Como no canto do Bem-Te-Vi,
Que me encanta como santa.
A VIDA É COMO É
Autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário
Aleluia! Aleluia! Aleluia!
Nasci,
Sem pedir para vir,
Mas estou aqui
A respirar
Esse ar poluído,
Imundo,
Que construíram pra mim.
É a vida como é,
Ou “como ela é”,
De hipocrisias e sodomias,
Bela como aquarela,
Finita e infinita,
De dores e amores.
A vida é como é:
Pode estar,
No jogo do babalaô,
No oráculo do Ifá,
Na pregação do pastor,
Na Bíblia e no Alcorão,
Nas cenas de horror,
Culturas ou religiões,
Sentimentos ou razões,
No espírito ancestral,
Conflito existencial.
A vida é como é:
De acertos e desacertos,
De raivas,
Palavras amáveis,
Como viagem de trem,
De estação em estação,
Onde uns sobem,
Outros descem,
E ninguém é ninguém,
Com tantas gentes,
Diferentes,
Malditos e divinos,
Bom, mau ou feio,
Como criança no recreio,
Que nem sabe de onde veio.
A vida é como é:
Travessia
Do esfumaçado rio,
Onde o barqueiro,
Cobra uma moeda,
Para ser seu guia.
A vida é como é:
Alma da floresta,
Filho da montanha,
Perda e ganha,
Agonia e festa,
Templo do senhor,
Vingador,
Ilusão é fé.
NO BANCO DA PRAÇA
Autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário
Ninguém sabe
Qual sua graça
Do moço descalço,
De jeito candango,
Com barriga de rango,
No concreto de aço,
Que arriou e dormiu,
No banco da praça.
Seu nome pode ser fome,
Esguio e longo,
Drogado ou embriagado,
Faroeste Django
Do nosso Nordeste.
No banco da praça,
Tem o casal de namorados,
Com beijos de juras de amor,
Como num buquê de flor;
Tem o velho ancião,
Com seu tempo calendário,
Corroendo seu salário,
O desempregado,
José, Maria e João,
Que bateu de porta em porta,
Cortou avenida e praça,
E só recebeu não;
Tem o morador de rua,
A verdade nua e crua,
O bandido mafioso,
O ocioso,
E o sujeito espião.
No banco da praça,
Tem cronista e poeta,
Matutando enredos,
Desvendando segredos,
O intelectual,
Lendo um livro ou jornal,
O negro, branco e o pardo,
Cada um com seu fardo;
Tem o vazio,
Na madrugada de frio,
A tristeza e a alegria,
A poesia,
O fantasma que passa,
O vírus e a traça,
No banco da praça.
CAMINHANDO SÓ…
De autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário
Oh,Oh! Assim eu vou só…
Com os olhos cheios d´água,
Pela estrada da vida,
Fugindo da cidade tóxica,
Na loucura de uma saída,
Tocando em minha flauta,
Uma canção de amor e dor,
Como no espaço, astronauta,
Ou o Pequeno Príncipe e sua flor,
Caminhando só, eu vou, eu vou.
Eu vou só…
Caminhando por aí,
Com saudades da minha amada,
Sem o prazer de sorrir,
Seguindo meu destino,
Cósmico divino,
Entre carros apressados
A cruzar por mim,
Nessa correria sem fim.
Caminhando só, eu vou…
Com minha mochila,
Por entre povoado e vila,
Cheia do passado e presente,
No tempo escuro
Dessa nossa gente,
Ainda à procura de um futuro,
E eu vou caminhando só
Pelo fluxo da noite e do sol.
VI O AGUACEIRO BATER
Poema de autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário
Como num beijo elétrico,
As nuvens pesadas escuras,
Riscam raios na serra,
Lembro da minha querida terra,
E o trovão celebra as aberturas,
Das chuvas de verão,
Das danças indígenas tupãs,
Chamando seus ancestrais xamãs.
Naquela tarde calorosa,
Vi o aguaceiro bater,
Na roça do meu gravatá,
O verde todo florescer,
Ao lado de você,
Toda linda charmosa,
E a nambu alegre cantar,
Na campina a perdiz e a juriti,
Vi o sonho clarear.
Vi o aguaceiro bater,
O facão brandir no terreiro,
No Nordeste faroeste inteiro,
Senti o cheiro do solo encharcar,
O mandacaru florar,
O mato viçoso exuberante,
O sertanejo forte gigante,
Na escola a criança,
Renascer a fé e a esperança.
Vi o aguaceiro bater,
Dentro de mim,
Com alma de poesia,
Minha deusa guia,
Do não e do sim,
Depois da seca danada,
Vi o lavrador com sua enxada,
O chão molhado cavar,
Para a semente semear.
Vi a lavoura nascer,
No milagre da natureza,
Espantar toda tristeza,
No aguaceiro a bater.
ALEGRA-TE COMIGO!
Autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário
Alegra-te comigo:
Familiar ou amigo
Na vida e na morte,
Na perda e na sorte.
Alegra-te comigo,
Abra tua porta,
E deixa eu injetar,
O meu sangue
Entre tua aorta.
Alegra-te comigo,
Não importa a cor,
Gênero ou dor,
Que te atormenta,
Sem essa de inimigo,
Dessa ideologia nojenta.
Alegra-te comigo,
Ajuda-me a enxergar o amor,
Sentir o sentido do existir;
Admirar a beleza da flor;
Navegar em teu mar,
Juntar as mãos,
Caminhar, sonhar,
Como peregrinos irmãos.
O BRUXO DA BOLA
Autoria do escritor e jornalista Jeremias Macário
Os deuses do Olimpo
Te deram o divino dom,
De ser o bruxo da bola,
Com ela fazer malabares,
Como violonista do som,
E tu preferiste:
Festa e luxo,
Boates, cabarés e bares.
Passastes
Como cometa no fluxo,
Esse bruxo da bola,
Na enrola de muito Mané,
Com sua mágica,
Grudava a redonda em seu pé.
Fostes o espetáculo do mundo:
Por duas vezes o melhor,
No drible um cartola,
Maior que Garrinha na ré,
Maradona, Messi e Pelé.
Caneta pra lá,
Banho de lua,
Pedala pra cá,
Deixastes
O adversário no chão,
Comendo grama,
Achando ser pão,
E a bola cola,
No bruxo da bola.
A torcida contra
Levanta e canta,
Para aplaudir,
Gritar e curtir,
O bruxo da bola.
No campo ele sorrir,
Faz outra marola,
O bruxo da bola.
Lá vai o bruxo da bola,
Com ela presa na sola,
E o estádio inteiro,
Encanta com o efeito,
Que no canto enganou,
Desolou na rede o goleiro,
E goza o bruxo da bola.