:: ‘Na Rota da Poesia’
MAIS DO QUE SOFRI NA VIDA…
(AFONSO MANTA)
Afonso Manta, nasceu em Salvador, em 23 de agosto de 1939. Passou a infância em Iguaí e a adolescência em Poções, voltando a Salvador para fazer o curso clássico no Colégio Central. Trabalhou em jornais, nos telégrafos no Rio de Janeiro e veio a falecer em Poções, em 3 de dezembro de 2003. Um grande poeta dos poetas baianos e brasileiros.
Mais do que sofri na vida
É simplesmente impossível.
Mas não quero uma medalha
Sobre o meu peito invencível.
Mais do quer andei pelo mundo.
Sem sair do meu lugar,
Nenhum homem do planeta
Pode com os seus pés andar.
Mais do que lutei e luto
Nas horas de cada dia,
Num combate desarmado,
Não sabe a filosofia.
Mais do que sonhei e sonho,
Em sonhos de olhos abertos,
Não sonham nem as palmeiras
Das areias dos desertos…
CADA DIA
De autoria do jornalista Jeremias Macário
O celular nosso de cada dia,
Santificado seja a internet,
Que nesse reino nos conecte;
Dai-nos hoje, oh Senhor!
Os sinais das redes sociais;
Perdoai nossas ofensas;
Livrai-nos das falsas crenças,
Dos ônibus da lotação,
Desse cartão consumidor,
Das dívidas de cada dia.
Cada dia é novo existir,
De um colorido pôr-do-sol,
Um outro de porvir;
Não nos deixai-nos só,
Nesse tempo de cada dia.
Cada dia acordo com você,
Minha razão de ser;
Sem seu amor,
Não sei mais como viver.
Tem a estradeira poeira,
Para enfrentar o desafio;
Tem dia sem saída,
Outro da vida sorrir,
Um de nascer, outro de partir,
Como diz o cancioneiro,
Cada dia vai ter que sofrer,
Vai ter que vencer,
Varrer o seu terreiro.
Deus e o diabo na terra,
Como canta o Moreira,
Uns subindo a serra,
Outros descendo ladeira,
No tempero de cada dia,
Nos feitiços da Bahia.
NÃO REZES POR MIM
Nova criação poética de autoria do jornalista Jeremias Macário
Quando a doença
Atacar meu corpo,
Não mais da cura a crença,
Em estado terminal,
A sofrer em casa,
Ou na tortura de um hospital,
Não rezes por mim,
Não intercedas pra eu ficar;
Ores para eu ir,
Deixas minha alma viajar,
E não rezes por mim.
Se tens compaixão,
Se sentes minha dor finita,
Se entendes a finitude,
Se acreditas,
Que tem a hora de partir,
De ir embora,
Não rezes por mim,
Rezes sim,
Para eu ir,
E não chores por mim.
Alegras teu espírito,
Olhas o azul infinito,
Tudo tem o seu fim,
Pagues ao barqueiro,
Para levar à outra margem,
Mais um velho estradeiro,
Passageiro de uma viagem.
Não rezes para ficar,
Rezes para eu ir,
Para outro qualquer lugar.
VIOLEIRO VIAJANTE
De autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário
Pelo meu canto de tocador,
Um dia meu pai,
Me chamou de vagabundo.
Botei minha viola na sacola,
Gastando sola, girando mundo,
Com meu pranto profundo.
Do Oiapoque ao Chuí,
Chorei nas motosserras Amazonas;
Naveguei pelos rios das chalanas,
Entre fumaças do Pantanal,
Onde o homem destila seu mal,
Contra a fauna e a flora,
Manda embora o tuiuiú e a sucuri.
Como violeiro viajante,
Fiz um tour,
Pela cultura gaúcha do Sul;
Bebi das maiores fontes,
Nas terras do meu Nordeste,
Dos cancioneiros cabras da peste.
Como violeiro viajante,
Cortei pontes, estradas e montes,
Pelos canais dos festivais,
Desses rincões nacionais,
Espalhei minhas mensagens,
Nessas longas viagens.
NUNCA DIGA QUE É NADA
Mais uma recente da lavra do jornalista e escritor Jeremias Macário
Se duvido do sentido do ser,
Pior é viver sem você.
Minha alma chora,
Quando meu mal lhe devora.
Perdão lhe peço, meu amor,
Se minha flecha lhe sangrou.
A vida é cheia de cilada,
Mas nunca diga que é nada,
Pelo espelho do outro,
Por achar ser sensacional.
Mire em sua virtude especial,
De transmitir felicidade,
Para os seus da comunidade.
Todos com suas frustrações.
Não condene seu destino,
Nem entre em desatino,
Por causa das decepções.
Nunca diga que é nada,
Porque uns vivem no luxo,
E você arrasta sua enxada.
Olhe para dentro de si,
Do seu nobre sentimental,
Que já fez tanto bem social,
Com seu olhar de amar,
Coisa que nunca vi igual.
De espírito criativo,
De energia visceral,
Sem você não mais vivo,
Minha maior amada:
Me julgue como quiser,
Mas nunca diga que é nada.
Ainda estou em pé,
Na minha nesga fé,
De peregrino errante,
Com meu pecado repugnante,
E nem me pergunte,
Que nem tenho o saber,
De a mim mesmo responder.
Você tem luz que me ilumina,
Ouro reluzente dessa mina;
Esbanja seu sorriso alegre:
Sei disso e não negue,
E ainda diz que não é nada,
Em sua árdua jornada?
Nunca diga que é nada,
Porque o nada não existe,
Nesse universo sideral.
Sua própria existência,
De pensar é o sinal,
Pra não dizer ser nada.
ALMA SECA
Um dos trechos do Livro II da obra “Airyl”, de Luis Altério, pseudônimo de Luis Filipe da Silva, Edições Uesb – prêmio professora Zélia Saldanha – Poesia:
Nada amarga mais que doce utilidade do carme.
Avanço a pleitear contenção…
Os glúteos amam o assento áspero,
Trespassa de feixes luzentes a laje fria,
Derrete o vínculo dial na escrivaninha e
Tomando desses elos a liberdade
Espargindo cada uma das partes do todo.
Todo o desaire mofo com pompa
(sacudido no estendal farpado)
Ostenta lapela de trato fino.
< fino quilate na arruinada peneira.
A picareta mole contentado,
Preconiza bebedeiras e mulheres
Nas ruas de luxilo,
Grão diamantífero em punhado escanifrado,
Sua dama de regresso à cubata
Equilibrava pequena cápsula
(dez kwanzas de óleo alimentar),
Os filhos debaixo da frondosa mangueira
Sortidos nas mínguas da terra batida
(que pela arraiada requestaram no capim ratos
Colhidos pelos seus engenhosos ardis) e juntos
Pingo dilatado e à vez de iguaria grossa e indelicada
Cevam sopa de rato e funge de mandioca.
A picareta mole ruma ao dundo
Deixando as margens do rio migigi,
Dançando na lâmina vil do mercado negro>
Agora desfeita a quimera,
No cárcere sonha com o cascalho
Coado com a arruinada peneira
Luis Altério nasceu na França e foi para Portugal com a família quando tinha seis anos. Hoje reside em Vitória da Conquista.
PÁSSARO SOLITÁRIO
Mais uma da lavra do jornalista e escritor Jeremias Macário
Voa pássaro solitário!
Com sua magia existencial,
Nas asas do seu ideário,
No ventre do vento açoite,
Nas correntes do dia e da noite,
Entre divisas do bem e do mal.
Voa pássaro solitário!
Corta as águas desses mares,
Como navegador planetário,
Bailando nesse céu dos ares!
Voa pássaro!
Testemunha dos navios negreiros,
Dos gemidos da escravidão,
Que aqui criaram terreiros,
Nos atabaques fizeram religião.
Voa pássaro solitário!
No rasante da liberdade,
Nessa terra tão desigual,
Da mediocridade virtual.
Voa pássaro solitário!
Acalenta minha alma,
Que vem do além-mar,
Do índio, banto-jêje,
Do nagô-iorubá.
Voa pássaro solitário!
Nessa seca do sertão;
Recarregue minhas forças,
E me devolva inspiração.
Voa pássaro solitário!
Conte para mim,
O segredo dessa vida,
Se nela existe sentido,
Entre chegada e saída.
Voa pássaro!
Ensina a esse rebanho,
Seguir crente em frente,
Na alegria ou na agonia,
Espinhos nas flores amores,
A nunca perder seu sonho.
EU VI TUDO
Versos de autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário
Parodiando o cancioneiro Raul,
Te conheci há cinco mil anos,
Do leste oeste, norte a sul,
Trago comigo o sangue cigano,
Alma negra, mestiça- iberiana,
E vivi no mundo dos insanos.
Não mais me importo,
Com a inveja de fulano;
Vivi até no faroeste americano,
Vi Cristo nascer em Belém,
Na palestina de Jerusalém.
Vi tudo nesse mundo imundo;
Aníbal estraçalhar os romanos;
Spartacus com cem mil escravos,
Derrubar gauleses, celtas e eslavos.
Vi Portugal criar a escravidão,
Lá em Gana na Costa da Mina;
A triste sina da chibata africana;
O terror dos senhores da cana,
Dos cafezais e da mineração.
Vi a Igreja conivente trair sua fé;
Hitler e Stalin matar milhões;
Fidel e Cheguevara tomar Cuba;
Toda essa loucura capitalista,
Estuprar o ideal socialista.
Vi o muro de Berlim cair;
A terra girar em torno de mim;
Roma ser incendiada por Nero,
E em seu violino cantar bolero.
Vi a Revolução Francesa
Cortar cabeças de reis e rainhas,
E me embriaguei nas vinhas.
Quando perdi o existir da certeza.
De carro de boi ao lombo de burro,
Fui até sacristão e seminarista;
Só não aprendi ser pilantra vigarista;
Lutei em guerras contra a ditadura;
Sofri prisão, cusparada e tortura;
Sol quadrado sem lua enluarada.
Tive amores de prazeres esquecidos,
Sem meus sonhos ficarem perdidos:
De voltar pro meu sertão relicário,
Para contemplar as raízes do chão;
Ouvir o som da alma violeira,
Ao lado da morena cabocla faceira,
No meu eu pensador solitário.
Na vida fui até conselheiro;
Aluguel matador pistoleiro;
Boiada, vaqueiro e boiadeiro;
Invisível dessa raça desprezível.
POEMA NO GOGÓ
Autoria do jornalista Jeremias Macário, em homenagem a todos poetas natos, principalmente os repentistas e trovadores que já nascem com o poema no gogó
Como doce água do poço,
Tem cabra, seu moço,
Que tem o poema no gogó,
Derruba qualquer doutor;
Sabe como dar um nó;
Vira o verso pelo avesso,
Sobre vida, amor e dor,
E nem na morte se torna pó.
Tem cabra
Que tem o poema no gogó;
Seu verbo é raio de sol,
Nessa terra árida batida,
Nunca escola frequentou,
Ainda sola uma caipira viola,
Fazendo rima e poesia,
Na entrada e na saída,
Seja política ou Sofia,
Venha do jeito que vier,
Todo tema ele vence,
Como Patativa do Assaré,
Na secura de Triste Partida,
Ou no Luar do Catulo Cearense.
Tem cabra
Que tem o poema no gogó,
Vem de lá do seu altar,
Das brenhas do cafundó,
Com seu surrado emborná,
Cheio de sentimento profundo;
Fala do nosso mundo;
Expulsa o diabo imundo;
Conta causos dessa gente,
No cordel, no coco e repente,
Como um ser onipotente.
NÃO QUERO…
Autor: Jeremias Macário
Não quero vagar sem sentido,
Nem ver um amor se separar,
Nem perder de vista,
O horizonte azul do mar,
Nem fazer calar,
A voz do ativista,
Com sua ideologia,
Religião ou filosofia,
Cristã, judia ou mulçumana,
Tanto que seja humana.
Queria fazer o tempo parar,
Para nos livrar desse conflito,
Entre início e finitude,
De vida e morte,
Morte e vida,
Sem porta de saída.
Não quero mais ver refugiados,
De tantas etnias escorraçadas,
A chorar nas fronteiras farpadas,
Tratadas como chacais,
Numa marcha de desiguais.
Queria ver a arte do sorrir,
Ter o livro como lição,
Sem armas na mão,
Nem o açoite da chibata,
Que a alma mata.
Não quero ver,
Tanto indiferença e agonia,
Trilhar nessa distopia,
De caminhos de espinhos.
Nessa existência de aprendiz,
Tem o alegre e o infeliz,
Onde uns realizam seus planos,
Outros ficam nos desenganos.