:: ‘Na Rota da Poesia’
BRANCA ESCRAVIDÃO
De autoria do jornalista e escritos Jeremias Macário
Guerreiam dois reinos impérios:
Muçulmano e cristão
(Habsburgos e otomanos),
Fincados em seus mistérios,
Da represália religiosa odiosa,
Criaram a Branca Escravidão.
Brigam corsários, paxás e reis,
Turcos, mouros, maometanos e sultão
Contra Espanha, França, Portugal e Itália,
Desde a época das Cruzadas,
Por um reino no céu,
Até a Costa da Berbéria,
(Túnis, Trípoli e Argel)
Da humana matéria,
Branca Escravidão.
Essa Branca Escravidão,
Tem uma abominável história,
De rasa memória,
De padres, ricos e nobres,
Pescadores, camponeses pobres,
Por mar, terra e vilas litoral,
Pela força capturados,
Como prisioneiros acorrentados,
Nos cativeiros dos banhos públicos,
Como nos campos de concentração,
Vendidos no mercado Badistão.
Com a perda de seus provedores,
Apartados da sua pátria,
Mulheres viúvas em prantos,
Famílias choravam suas dores,
Idosos e crianças pelos cantos,
Comiam sobras do lixo,
Sem dinheiro para remição,
Dos escravos da Branca Escravidão.
Expostos a chuvas e sol nas galés,
Varadas, espancamentos e torturas,
Testavam suas crenças e fés,
E o renegado surrava seu irmão.
Trinitários e mercedários
Deles faziam suborno e promoção,
Para resgatar seus servos
Dos sofrimentos e agruras,
Da negra Branca Escravidão.
ÊTA VIDA!
De autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário
Êta vida!
Renhida de tanta lida:
Do nascer e crescer,
Do envelhecer e partir,
Do amar e odiar,
Do chorar e sorrir,
Do descansar e lutar,
Onde um vai, outro fica,
E o pobre a trabalhar,
Pro patrão se enricar.
Êta vida!
Vou a vagar por ai,
Como nobre ou faquir,
Com direito ao existir.
O tempo gira, gira,
O vento corta lento,
Às vezes veloz e algoz,
Arrastando tudo pela frente,
E essa gente diferente,
Nesse trem passageiro,
Na correria do dinheiro.
Êta vida!
Muitos dizem que ela é sabida,
Pela mulher foi parida.
Bodoque de atiradeira,
De descida e ladeira.
Êta vida!
De Natal e Réveillon,
Canção, amor e som,
Que atravessa o ano,
Com meta de plano,
Branco, dourado, verde/azul:
Superstição para cada um,
E eu não entendo mais nada,
Faço apenas meu zum,
Nesse mundaréu de povo,
Pra começar tudo de novo.
TANTAS COISAS
Versos de autoria do escritor e jornalista Jeremias Macário
“Uma coisa é uma coisa,
Outra coisa é outra coisa”.
Tudo que se faz,
É inspirado noutra coisa,
Como esta “Tantas Coisas”.
Coisa pode ser
Masculino ou feminino,
Substantivo, verbo e advérbio,
Adjetivo e tanta coisa.
Tem o coisa ruim,
Que é o capeta belzebu;
A coisa boa divina azul,
Tanta coisa assim.
Vou lhe contar uma coisa:
Você não pode revelar.
Então, não me conte sua coisa.
Bate aí nessa viola,
Uma canção, samba ou forró,
E não me deixe aqui tão só.
Rapaz, me deu aqui
Uma coisa na espinhela.
Não seria na costela?
Ou outra coisa?
Tenho uma coisa por ela,
Que não sei explicar essa coisa.
Não me venha com mais coisa,
Que já estou cheio de tanta coisa.
Mostre sua coisa,
Que mostro minha coisa.
Me dê sua coisa de pitada,
Pra eu dar uma tragada,
E ficar doidão nessa coisa.
Vá pra lá com sua coisa,
Que fico com minha coisa,
E quem quiser e vier,
Que acrescente outra coisa.
ACORDA GENTE!
Poema de autoria do escritor e jornalista Jeremias Macário
Ave Maria, Nossa Senhora!
Que conhece nossa história:
De derrota e vitória.
Acorda gente!
Que o aguaceiro bateu toda noite,
E foi trovoada de açoite,
Nessa seca caatinga cinzenta,
De dores e sabores,
Onde chuva é água benta:
Hora de plantar a semente,
Pra colher o fruto da terra,
Sem essa de guerra.
Acorda gente!
Que Lampião já levantou,
Pra varar todo sertão,
Com seu apetrecho e bornal,
Carabina e punhal.
Acorda gente!
Vamos embora trabalhar!
Olha os pássaros a cantar,
Os sapos a coaxar na lagoa;
O gavião alto voa,
Até o bezerro faz sua festa,
A nambu e a juriti
Cantam de lá,
Que o verde vai voltar.
Acorda gente!
Do campo e da cidade!
Viva a liberdade!
Todos juntos acreditar,
Porque ainda vale a pena,
Entrar nessa cena,
Lutar e sonhar.
O COVEIRO E A PROTISTUTA
Autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário
Você que se acha
Sabido batuta,
Diz que a profissão
Mais do mundo antiga,
É a de prostituta,
Coisa que me intriga,
Coveiro é minha opção.
A atividade mais velha,
É a de coveiro,
Quando o primitivo,
Enterrou seu parceiro,
Com seu ritual nativo,
Disse o primeiro amém,
Em paz para o outro além.
A prostituta é sorriso e alegria,
Entre as luzes do cabaré;
Escuta lamentos de psicologia,
E no quarto faz sua putaria,
Finge que goza como uma Salomé.
De poucas palavras e sério,
Na labuta do cemitério,
O coveiro vê e ouve o que não quer:
Até de besta corno Mané;
Gentes falsas de óculos escuros;
Choros, lágrimas e histerias;
Amantes de casos obscuros,
Onde uns elogiam o defunto,
Outros que já deveria ter ido;
Juram sinceridade de pé junto,
E o assassino que reza pro falecido.
CONVERSA PRA BOI DORMIR
Autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário
No paralelo do Devanir:
Palavras vãs,
Ôba-ôba, blábláblá e lero-lero:
Cada qual com seus clãs,
Conversa fora,
Do aqui e do agora,
Ou conversa pra boi dormir.
Prosa chata e ruim,
Muito papo furado,
Coisa de cavalo alado,
Bebê de cegonha,
Falta na cara, a vergonha,
Político corrupto e safado,
Papai Noel de corcel,
Natal de comes e bebes,
Encher a pança, embriagar,
Vão todos se lascar,
No meu PIB da produção,
Do consumo à poluição,
Gente imbecil irracional,
Animal bestial,
Do profano ao cristão,
Mouros berberes islãs,
Seguidores com seus fãs,
Assim fizeram a escravidão,
De negros e brancos,
Com correntes, grilhões e trancas,
Nos troncos dos barrancos,
Nas galés e navios porões:
É a humanidade,
Da usura insanidade,
Autodestruição,
Que culpa seu Deus,
De castigo e traição,
Loucura do existir,
Conversa pra boi dormir.
CARTA DE UM NORDESTINO
Versos de autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário
Não existe mais carta,
Escrita à mão,
Pra falar de amor e solidão,
Só mensagens no celular,
Algumas tiras,
Curtas e apressadas,
Depois apagadas,
Palavras corretas,
Muitas erradas,
Quase sem saudades no ar,
Amenidades, mentiras
E falsidades.
Nos alfarrábios do meu baú
Na minha lida carpina,
Coisa da sina,
Encontrei amarelada,
Toda abarrotada,
Uma carta de um nordestino,
Contando notícias de cá e de lá,
De terras distantes sobre o lar,
De quem ficou e partiu,
Coisa de lavrador cansado,
Que bateu em retirada,
Numa longa estrada,
Na poeira do pau-de-arara,
Deixando o canto da juriti,
Do nambu, do sofrer e da arara.
A carta do nordestino,
Como no choro de um menino:
Falava dos gaviões e urubus,
No canto a foice e a enxada,
De mantimentos quase nada,
Mulher e filhos quase nus,
Da dor da fome danada,
Das lágrimas, soluço entalados,
Do gadinho e das plantações,
Do governo que faz de conta,
Que dá carro-pipa e acode,
E mal socorre o bode.
O cachorro sempre deitado,
Dizia a carta:
Nem mais late e morde,
O jeito é apelar pra fé,
Pra esperança e a sorte,
E acreditar na safra farta,
Que o sertanejo é um forte.
A carta ainda narrava:
Aqui estou,
Do alto de uma construção,
Sendo escravo de patrão,
Mas um dia eu volto,
Quando o aguaceiro cair,
A terra molhar, o verde sair,
Ver a flor brotar seu botão,
Pra cuidar da minha terrinha,
E até promessa e penitência,
Fez pra sua santinha,
Para subir de joelhos,
O morro da Paciência.
AINDA TEM, E NÃO TEM MAIS…
Versos de autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário
Da colônia ao reino imperial,
Do navio no lugar da nau,
Ainda tem o banho de cuia,
O homem violento,
Que chama mulher de intuia.
Não tem mais
Serenata para amada
Em lua enluarada.
Ainda tem
A casa sem energia elétrica,
O candeeiro e o fifó,
E o alfaiate com sua fita métrica.
Não tem mais
Boiada e boiadeiro na estrada,
Comitiva e jornada,
Tropeiros das mercadorias,
Para abrir trilhas e vias.
Ainda tem
Lata d´agua na cabeça,
O ditado “cresça e apareça,
O jangadeiro e o saveiro.
Não tem mais
Pena melada no tinteiro,
A palavra no fio do bigode,
Nem carta de mensageiro.
Ainda tem
O boi que na seca berra,
O soluço do ronco da fome,
E a vilã corrupção em nossa terra.
Não tem mais
Criança que respeita professor,
O idoso e o senhor,
E pede benção ao pai e à mãe
Ao deitar e ao acordar.
Ainda tem
O ferreiro e o sapateiro,
A rezadeira e a parteira,
O retirante do Nordeste,
E o chão árido do agreste.
Não tem mais
O amor para sempre:
Agora é troca-troca,
Um chega e outro vai embora,
Pelo virtual se dá o fora.
Ainda tem
O Zé ninguém,
O patrão ganancioso,
Que faz do empregado escravo,
O pobre que ainda rói o osso,
Na lapela do noivo, o cravo.
Não tem mais
O consumo consciente,
Nem amigo como antigamente.
Ainda tem
O cigano perseguido em correria,
A cigana que lê sua mão,
No traçado da linha,
Que quase tudo advinha;
O roceiro com sua enxada,
Preconceitos e racismos,
Intolerância dos ismos,
O Severino nordestino,
Enterrado em cova rasa,
E político safado,
De fala mansa cretino,
Que promete e vasa.
Não tem mais
O coronel de patente,
O ensino do latim,
E a confiança em toda gente.
Ainda tem
Vida e morte,
Prostituta e cabaré,
Esperança e fé,
O azar e a sorte,
O coveiro pra nos embarcar
No último trem,
Até a estação do além.
NA BOCA DA NOITE
Poeminha de autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário
O pôr-do-sol tabaréu,
Como fogaréu em chama,
Naquela montanha,
Se desfaz em dama,
No coito do açoite,
Na boca da noite.
Depois da capineira,
O camponês toca suas vaquinhas,
Como se fossem sua corte,
Do leite, suas rainhas,
E a nambu canta na capoeira,
As aves voam pro seus ninhos,
No ar que exala cheiro de vinhos,
Na boca da noite,
No pernoite do rancheiro tropeiro,
Que glorifica o nascer do dia,
Da natureza sabedoria.
Na boca da noite,
No urbano de agonia,
Multidões vivem em correria,
Entre o sensato e o insano,
Encanto e desencanto,
Nos lotados metrôs,
Ou na festa que começa,
Nos palcos dos shows,
No teatro, a peça,
No cabaré,
Do entra quem quer.
Pode ainda vagar pelas esquinas,
Pelos corpos das meninas,
No asfalto do assalto,
Na boca da noite.
POETA, E POETA
Autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário
Todos trazem na alma alva,
Uma pinta de poeta,
Porque o despertar do escuro,
Para a luz do futuro,
Já é um ato poético,
Mas só em poucos,
Corre no sangue,
Essa arte da alquimia,
De entrar em portas fechadas,
Farejar pegadas apagadas,
Navegar na onda homérica,
Ser Europa, Ásia e América.
O poeta carrega no peito,
Uma dor enigmática,
Coisa além do existencial,
Talvez um ser com defeito,
Que nasceu fora do normal,
Onde nem a química e a filosofia,
Desvendam seu embornal.
No deserto pode ser mar,
E no mar um deserto;
Da pedra faz o ouro;
Torna ferro em tesouro;
Garimpeiro que mira a veia,
Cascalheiro e mestre da bateia.
Poeta é como craque de futebol,
Que sabe dar aquela caneta,
Um capeta no elástico,
Desafiador da gravidade,
Flecha torta incerta,
Na linha da curva certa,
Da bola que na rede cola.