Autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário

Naquele dia…

Rasgou-me no peito a poesia,

Que não nasceu

De flores e amores;

Brotou das minhas dores,

Da existência do não existir,

Como se fosse um poente

Pálido sem cor,

De um escravo a sangrar,

Na chibata do seu senhor.

 

Naquele dia…

Esmo nas ruas,

Só a fome faminta

Me consumia

Entre vitrines e restaurantes,

Cambaleando

De barriga vazia,

Segui a passeata,

Como gado ferrado,

Dos cartazes que diziam:

Abaixo a dura ditadura!

Liberdade, liberdade!

Contra a tropa covarde.

 

Naquele dia…

Queria ser um Neandertal,

Pescar, caçar e colher,

Sem sentido e ideologia,

Só apenas o viver,

Sem amor romântico,

Sem culpa cristã,

Sem noção do tempo,

Para Eva dar a maçã,

Sem pensar no outro dia.

 

Naquele dia…

Meu coração estava ferido,

E eu só pedia,

Um pedaço de pão.