:: 28/nov/2024 . 23:57
“A LETRA E O VERSO”
Com a participação de artistas em geral, professores, estudantes, entusiastas da nossa literatura, poetas e escritores, foi lançado nesta quarta-feira à noite (dia 27/11/24), no “Espaço Curió”, o livro “A Letra e o Verso”, do professor Dirlêi Bonfim, compositor, músico, pós-doutor em Educação, doutor em Desenvolvimento Econômico e Meio-Ambiente, pela Uesc, mestre em Desenvolvimento Regional, consultor na área administrativa e contábil, bem como, coordenador do Movimento Artístico e Cultural de Vitória da Conquista.
“As letras, por si expressam o contexto do poeta. Carregam sentimentos notórios que norteiam a sua van existência. Os versos? Ah, os versos do poeta entrelaçam-se com suas letras, tornando ainda mais belas e coloridas as canções de amor que justificam a existência do ser e do humano. Dirlêi A. Bonfim é “Letra e Verso” – escreveu o professor Robério Farias, na orelha da obra, publicada pela editora Nzamba, de Luís Altério.
O músico, cantor, compositor e poeta Papalo Monteiro abre o prefácio indagando “Que Poesia é Essa? Tem Asas?. No final do texto poético, ele fecha com uma citação de Geléia Geral-Gilberto Gil/Torquato Neto: “Um poeta desfolha a bandeira e a manhã tropical se inicia”.
A apresentação do livro é do músico, compositor e advogado Carlos Moreno. Ele afirma que “de todas as formas de expressão que nos sãos ofertadas e recomendadas, cotidianamente, a literatura é, a meu ver, a mais nobre, salutar e efetiva. Ler é o meio ideal para curar as nossas imperfeições, sarar as nossas feridas, dores, sabores e dissabores que insistem em nos rodear diuturnamente”. “A Letra e o Verso é vida em forma de poesia”.
Chico Luz, jornalista, escritor, compositor e músico fecha o livro com o posfácio, destacando na abertura que “não tente explicar ou compreender o multiverso do poeta Dirlêi Bonfim, pois nele, “tudo nada cabe”, antes se expande para mundos além da compreensão do espaço-tempo-razão”.
O professor Rubens Sampaio, jornalista e escritor também presta sua homenagem ressaltando que “este livro retrata a inquietude criativa e multifacetada do autor. O conteúdo vai desde a observação aguçada de pequenos detalhes do dia-a-dia, por vezes não observados por muitos, até as grandes introspecções da profundeza da alma”.
Entre as falas na solenidade do evento, o professor Luiz Rogério Cosme falou de Dirlêi como cidadão e pessoa humana, comparando-o como um vulcão em erupção poeticamente falando, mas ao mesmo tempo traduz em si e reproduz aquele espelho de uma lagoa serena e tranquila. É um sujeito amadurecido. É uma criança eterna que oferta para nós seu lado de uma poesia tão esquecida e vilipendiada em nosso cotidiano.
Realmente, a poesia de Dirlêi é, ao mesmo tempo, simples, compreensível, mas profunda, como aquele poeta que nos faz enxergar o invisível aos nossos olhos, como em “A Solidão”: “A solidão/Que nos aparece/De quando em quando/Que nos remete/A algum lugar sozinho/ A solidão da despedida/Do vazio, já sem lugar/Da rua soturna/ Da noite nublada/ No meio da calçada/ Ausência e vazio/ Apenas você nesse lugar”.
Ao evento, realizado num clima de confraternização sarausístico, musical e poético, estiveram ainda presentes, o jornalista e escritor Jeremias Macário com sua esposa Vandilza Gonçalves, Carlos Maia, o músico e compositor Manno Di Souza, a professora e jornalista Luciana Nery, o escritor Paulo Henrique, dentre outras personalidades que prestigiaram o lançamento do livro “A Letra e o Verso”.
PASSAGEM DO RIO
Passagem do rio
(Chico Ribeiro Neto)
Tia Nina rezava e praguejava. Tio Hugo se embebedava, meu avô Chico sorria, a empregada Agostinha cantava e lá atrás da casa 25 da Rua 2 de Julho o rio de Contas passava em Ipiaú, Bahia,
Minha mãe Cleonice, que aos 16 anos se casa com Waldemar, ainda brincava de boneca quando ficou grávida do primeiro filho, Luiz. Depois viriam José Carlos, Cleomar e o caçula Chico.
Teve um dia em que um avião teco-teco fez um pouso forçado num areião do rio de Contas. A cidade toda foi ver o avião, fazia fila.
O dono da farmácia passava remédio pra todo mundo, “melhor do que muito médico”.
Meu irmão Cleomar teve uma febre alta. Cleonice chamou uma rezadeira e testemunhou: a mulher rezava, o cheiro de jasmim aumentava e a febre baixava.
É sábado. A zuada dos primeiros carros de madeira trazendo a feira. Vovô Chico não compra nada pelo preço: “Faz-se de besta, seu moleque, só vou pagar dez e tá bom demais!” Pegava a mercadoria, jogava o dinheiro, saía andando e o vendedor atrás reclamando.
Os ingás são uma fartura. Banana se comprava o cacho. O cheiro era delicioso nas barracas de comida. As formigas saem do buraco, sinal de chuva.
Luiz Gonzava canta à noite na praça da feira. Meu pai me leva para ver o Rei do Baião lá de cima da marquise da loja de ferragens. Tenho 5 anos, é década de 50.
A bola cai no Rio de Contas. As lavadeiras cantam e sorriem. Fui proibido de entrar no quarto onde está minha avó morta. Luiz pula do pé de abacate pro muro. O cara dá um banho de cerveja no seu cavalo que ganhou a corrida.
São 18 horas. Vovô fecha a loja São Roque. Tia Nina canta “a nós descei, divina luz”. O serviço de alto-falante toca a Ave Maria com Augusto Calheiros (“Cai a tarde, tristonha e serena…”). O bar Galo Vermelho abre as portas.
Depois daquele portão do quintal passa o rio de Contas, barrento de lembranças, e escorre uma lágrima pelo rosto, sinal de enchente.
NOSSOS ANCESTRAIS
Quando falamos de ancestralidade logo imaginamos dos negros que vieram da África, descendentes de diversas tribos e etnias, que aqui foram escravizados por 350 anos, mas esquecemos que a nossa gente também foi formada por árabes vindos da Península Ibérica, pelos portugueses e, claro, pelos nativos indígenas que já eram donos desta terra de florestas chamada brasis. Não consigo comungar muito com esse negócio de Dia da Consciência Negra porque entendo que só existe uma que é a consciência humana. Por outro lado, teríamos que ter também a Consciência Indígena e, porque não, a consciência mestiça. Durante a realização da Feira Literária de Vitória da Conquista, a Fliconquista, no início deste mês de novembro, no Centro de Cultura Camilo de Jesus Lima, flagramos uma bela exposição de arte denominada de “Ancestralidade e Transição”, por sinal bastante profunda que nos faz mergulhar que somos originários de diversos povos, especialmente dos índios. A escravidão, da qual já foi tanta comentada por historiadores, cientistas e escritores, foi uma vergonha pela brutalidade praticada pelos nossos antepassados. No entanto, o massacre contra os índios tem menos visibilidade e talvez tenha sido ainda mais violento e brutal. O pior é que essa matança pelos brancos continua até os tempos atuais, basta reportar o que vem acontecendo nos estados da Amazônia, como exemplo, em Roraima, com os desmatamentos e a ação do garimpo.
PIRÂMIDES E MÚMIAS
Autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário
“Toda gente teme o tempo,
Mas o tempo teme as pirâmides”
Provérbio árabe,
De realidade única imutável,
Como dizia o filósofo Parmênides:
“O ser é e o não ser, não é”,
Ontologia racionável.
Quépes, a grande,
Revestida de mármore,
Numa paisagem sem árvore;
Quéfren, com corpo de leão,
Asas de águia,
Que encanta nossa visão;
Miquerinos aos seus pés,
Das rainhas dos faraós;
Nelas viviam as múmias,
No complexo dos Gizés,
Conservando a imortalidade,
Por toda eternidade,
Até dos felinos,
Animais de estimação,
Assim cantavam os poetas,
Nos bailes e nas festas,
De seus violinos, a canção.
Trinta dinastias,
Trinta séculos de lutas e amor,
Entre o Saara e o Mar Vermelho,
Com suas barragens,
Canais e vias:
Plantaram as pirâmides,
Nas areias da morte,
Chamadas de vermelhas,
Onde não nascia uma flor,
Nem pousavam as abelhas.
Menés
Que não era daqui,
Nossos idiotas Manés,
Foi o unificador,
Do Alto e Baixo Egito,
Dirigiu seus monarcas,
Como um bom pastor;
Acabou com o conflito,
Com a guerra e o horror.
Pirâmides são túmulos,
Das múmias em acúmulos;
Das ventas extraiam os miolos,
Infusão de drogas;
Cortavam o abdome,
Da mulher e do homem,
Vinho da palmeira,
Perfume de erva caseira,
Câmara sepulcral,
Alma Ka imortal.
Teve até uma pirâmide negra.
Amenemhat
Mudou Mênfis para Tebas,
Com ritual e Ação de Graça,
Disse que “um homem
Não tem amigos
No dia da desgraça”.
Duas raças semíticas,
Destruíram os egípcios:
Os descendentes de Abraão,
Os bárbaros hicsos,
Com os cavalos, deuses míticos,
Acabaram com a união.
Após milênios veio Napoleão,
Com seus sábios arqueólogos,
Como o gênio Champollion,
Decifrador dos diálogos,
Da preta Pedra da Roseta,
Que ficou com os ingleses,
Depois de vencerem os franceses.
A religião é uma expressão,
Do querer viver,
Do se tornar eterno,
Mas sabe que vai morrer;
A tudo se dá sentido,
Mesmo que não haja sentido,
Aí o cara se torna surreal,
Na briga entre o bem e o mal.
O cristão com sua vida eterna,
Da Idade Média a Moderna,
Levanta sua catedral,
O hebreu com seu Juízo Final,
O muçulmano, sua mesquita
Diz ganhar o Sétimo Céu,
Cobre a esposa de véu;
O monge buda vira eremita,
A múmia se eterniza,
E a história fica real,
Na pirâmide do jornal.
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