:: 14/nov/2024 . 23:48
FLICONQUISTA ESQUECE A “VELHA GUARDA”
Estava lendo num blog da cidade de Vitória da Conquista uma observação bastante pertinente quanto a realização da Fliconquista, pela segunda vez, no Centro de Cultura Camilo de Jesus Lima, com o apoio financeiro, em sua maior parte, de emendas parlamentares.
Ouço comentários de que a feira é uma “panelinha” de cartas marcadas de um grupo onde poucos têm sido convidados a ocupar seus merecidos espaços. Bem, a crítica do blog chama a atenção, depois de ouvir pessoas que não citaram seus nomes, que o evento esqueceu a “velha guarda”, isto é, aqueles escritores da velha geração que têm uma base cultural sólida de conhecimento e várias obras publicadas.
Destaca ainda o site que não é somente prestigiar os novos talentos (tem muita gente lançando livros a esmo, mais por vaidades), no que concordo plenamente, isto porque nunca devemos deixar de dar lugar àqueles que tem serviços prestados à nossa cultura ao longo dos anos, para contar suas histórias com suas lições de experiência. Para o porte de Conquista, a feira é miúda.
Não me considero nenhum ícone da literatura, nem superior aos outros, mas sei o quanto tenho lutado em defesa da nossa cultura nos últimos 33 anos em que aqui me estabeleci como chefe da Sucursal a Tarde, em 1991, primeiro abrindo espaço para nossos artistas divulgarem seus trabalhos no periódico.
Não vou me alongar sobre minhas outras atividades como ativista cultural, como um dos fundadores do “Sarau A Estrada”, premiado com o troféu Glauber Rocha e com 14 anos de existência. Tenho ainda cinco livros publicados que fazem referências a Conquista, especialmente o “Conquista Cassada” que fala da ditadura civil-militar-burguesa e da cassação do ex-prefeito José Pedral.
Quero dizer com isso que, como também pertencente a esta “velha guarda”, não fui convidado a participar da Fliconquista e não vi nenhum link e edital de inscrição. Não importam minhas posições políticas (dizem que sou polêmico), mas me sinto também um excluído, como tantos outros com serviços prestados a esta cidade na área cultural.
Não é meu estilo sair por aí rogando um lugar ao sol, não por questão de orgulho, mas por amor próprio, valorização e respeito a mim mesmo. Não se trata de vaidades, mas de consideração. Aqui em Conquista, como ocorre também em outros lugares, a pessoa só é reconhecida no que já fez e ainda faz depois de morta. Homenagem depois da morte é hipocrisia e falsidade.
Desculpem o meu desabafo, mas essa Fliconquista precisa abrir mais suas portas e seu leque para todos fazedores de cultura, sem distinções ideológicas de qualquer espécie, não somente para os novos talentos e personalidades de fora. Nunca pode deixar de excluir a chamada “velha guarda” que já tem seu legado registrado na cidade. Isso se chama ingratidão.
PEQUENOS VERSOS TAMBÉM CHAMADOS KAIKAIS
(Chico Ribeiro Neto)
É trágico
ver a cara de Trump
pelo olho mágico
xxx
velho não cansa
enverga
pra catar esperança
xxx
vê se acalma
a chuva molhou
embrulho e alma
xxx
palhaço tímido
subia no picadeiro madrugada
fazia graças
e ouvia a própria risada
xxx
ninguém compra jornal
a Ilustríssima
limpa cocô do au-au
xxx
revelação
saíram vermes
da televisão
xxx
ratoeira só pega um rato, rapaz,
os outros não caem mais
xxx
tanto calor
poste da rua
murchou
xxx
olho de peixe
é um halo
tão bonito quanto
o olho do cavalo
xxx
a boa ideia no banho
escorreu pelo ralo
xxx
joga lança
que a formiga dança
xxx
caso gozado
telefone de lata
deu ocupado
xxx
emoção
rádio tocou agora
minha canção
xxx
O cineasta Federico Fellini contou que uma vez uma criança perguntou a um maestro: “Quando a música acaba de tocar, ela vai pra onde?”
(Veja crônicas anteriores em leiamaisba.com.br)
“ASAS DO PENSAMENTO”
No novo Sarau “Asas do Pensamento”, realizado no Espaço Glauber Rocha, na Praça da Alimentação, no último dia 12/11, teve lançamentos de livros, apresentações musicais e declamação de poesias, contando com a participação de jovens, escritores e de representantes da Academia de Letras de Vitória da Conquista. Foi mais um evento cultural na cidade, como tantos outros, sem o apoio da Prefeitura Municipal que, infelizmente, sepultou a nossa cultura. O evento foi promovido pela escritora e poetisa Chirles Oliveira, que, na ocasião, lançou seu mais novo livro romance “Amores de Rosalinda e outras histórias”, com o pseudônimo de Iza Diadorim. A obra mergulha em narrativas envolventes e levemente picantes que exploram o cotidiano de personagens fictícias as quais dão voz a tantas mulheres que não se limitaram a ocupar um lugar passivo na sociedade. Iza aborda temas da atualidade alusivas às relações humanas e as complexidades dos sentimentos. Quanto ao sarau, inclusive na zona oeste, é muito bom que se espalhe outros pela cidade, uma prova de que as pessoas têm sede de cultura e estão levando o conhecimento e o saber que vivem uma crise diante do avanço da tecnologia da informática e o consequente desinteresse pela leitura. É mais um sarau que se soma ao da “Estrada”, premiado com o troféu Glauber Rocha e que está completando 14 anos de existência. É importante que eventos dessa natureza procurem engajar nossos jovens, despertando o interesse pelas artes e, aos poucos, deixem de ser reféns do celular e das redes sociais que pouco acrescentam em termos de qualidade e conteúdo. Que “Asas do Pensamento”, um nome bem sugestivo, tenha vida longa para divulgar cada vez mais a nossa cultura, já que o poder executivo só tem se preocupado em fazer o Natal e o São João da cidade, mesmo assim descaracterizando nossas festas com músicas de mau gosto.
CORAÇÃO DE PEDRA
Autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário
Noite clara de lua cheia,
No cio da terra,
A aranha tece sua teia,
Ouve-se o ronco das águas,
Corredeiras de lágrimas,
Lá fora rondam as feras,
E eu aqui em minha caverna,
De milhões de eras,
Com meu coração de pedra.
Meu coração,
Tem a idade da pedra,
Do neandertal,
Do pescar, caçar e colher,
Sentido do existir pra viver,
Do sexo animal,
Feliz como sempre quis,
Sem sentimento de culpa,
Nem angústia existencial,
Do seu deus que me julga,
Para a fogueira mortal.
Meu coração é de pedra,
Como do homem sapiens,
Que se debate atormentado,
Na cadeia do tempo,
Levado pelo destino do vento,
Por essa tecnologia, atado,
Que nos roubou a ideologia,
E nos fez idiotas,
Céticos patriotas,
De uma rasa sabedoria,
Ainda numa mistura
Turva e escura,
Do ancestral neandertal.
O LEITOR QUER DO ESCRITOR UMA COISA NOVA QUE O PRENDA E O FAÇA REFLETIR
Como na poesia, onde o poeta busca mostrar o invisível aos olhos dos outros, assim é o escritor que tem que oferecer ao leitor algo novo, criativo e imaginativo que o prenda e o faça refletir. Ele não quer o óbvio ululante, ou aquele texto maçante de um enredo fraco e insosso. Escrever por escrever?
Pode ser um romance, uma crônica, um conto, um artigo, um comentário sobre determinado assunto ou até mesmo uma matéria jornalística, o escritor tem que se virar para cativar a alma do leitor. Não é fácil, e é por isso que escrever é uma grande arte para poucos porque é um jogo de palavras.
É uma arte tão difícil e complicada que você não tem como agradar a todos, daí as críticas contra e a favor. Soa como uma música onde cada um tem seu próprio gosto, seu próprio estilo. O escritor pode ser comparado também a um chefe de cozinha que tem que se esmerar na comida para bem atender o paladar do cliente.
Antes de sentar em frente do meu computador, coisa que eu faço quase que cotidianamente, fiquei a pensar com meus botões: O que vou escrever hoje, mesmo diante de tantos acontecimentos, fatos e notícias que recebemos no dia a dia de nossas vidas? Não faltam assuntos, mas resolvi falar dessa relação complexa entre escritor e leitor, amigável e conflituosa.
Bem, é um tema espinhoso, mas como sempre fui dado a desafios, me atrevi de súbito a tratar dessa questão, sabendo que não devo ir muito longe para não tropeçar num buraco qualquer e quebrar a cara, mesmo porque, já estou idoso para isso. Posso parar num hospital, todo enfaixado, ou, quem sabe, pior que isso.
Acho que meu recado sobre escrever já foi dado no início. Sinceramente, sinto-me mais jornalista que escritor, cada um com suas linguagens e técnicas diferentes, embora alguém possa avaliar que o primeiro facilita muito ser o segundo.
Se mapearmos o mundo literário, vamos descobrir que grandes escritores de obras memoráveis foram jornalistas, mas isso não é necessariamente uma regra padrão. Eu mesmo me considero uma exceção. Escrevo o básico-médio. Estou longe deles. Existem também grandes escritores que não foram jornalistas.
Quando escrevo algo, faço uma prece ao leitor para que me “policie”, pois, vez ou outra, estou fugindo do assunto proposto, no caso nosso específico sobre essa coisa do escrever e prender a atenção do leitor. Apesar do brusco desinteresse pela leitura nos últimos anos, tenho ouvido cochichos por aí que ela está retornando com força, bem como o lançamento de novos livros e, consequentemente, novos autores.
Claro que esse novo fenômeno cultural é bem-vindo, mas precisamos analisar com cuidado quem está atuando bem o seu papel nessa peça artística, porque tem surgido muita gente por aí apenas por pura vaidade, para adocicar o seu ego, como se fosse mais um robe em sua vida profissional.
Escrever não pode ser apenas um robe, ou o desejo fantasioso e romântico de se apresentar para a plateia como escritor, querer ser celebridade. Essa “febre”, por assim dizer, está associada, em grande parte, ao surgimento das feiras literárias em capitais e muitas cidades do interior.
Tem gente que se apressa em realizar uma obra visando apenas lançá-la na próxima feira. Será que este autor tem compromisso com o leitor? Tem qualidade e conteúdo? Está ele no caminho certo, ou faz somente por fazer? Muitas vezes ele está enganando o leitor que, logo nas primeiras páginas, se sente decepcionado e nem termina a leitura.
Só para finalizar, existe escritor e o escritor, poeta e o poeta, como ocorre nas outras linguagens artísticas, como na música e no teatro, só para exemplificar. Uma história ou estória tem que ser bem contada e narrada, de modo que o leitor ou o ouvinte siga os passos do criador até o final. Tem gente que não sabe contar uma piada, mas se atreve e não arranca gargalhadas.
- 1