:: 16/maio/2024 . 23:18
FAMILIARES DE VÍTIMAS DA DITADURA VÃO A BRASÍLIA EXIGIR JUSTIÇA DO ESTADO
Esse material foi produzido por grupos de familiares de desaparecidos políticos, com apoio de várias organizações da sociedade civil da Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro e Goiás, segundo Diva Santana, do Grupo Tortura Nunca Mais e irmã de Dinaelza Coqueiro, morta e desaparecida na Guerrilha do Araguia.
É com este objetivo que familiares de mortos e desaparecidos políticos realizam uma semana de luta em Brasília em mais um passo na busca para que o Brasil cumpra suas obrigações internacionais e garanta justiça e reparação às vítimas de violações de direitos humanos durante 21 anos da ditadura militar, civil e empresarial.
Coincidindo com a visita da Corte Interamericana de Direitos Humanos ao país, a mobilização ocorre entre os dias 20 e 23 de maio nos ministérios da Justiça, dos Direitos Humanos, Casa Civil e Congresso Nacional.
Além disso, a solicitação de uma audiência com a primeira vara Federal de Brasília visa cobrar providências para o cumprimento da sentença, de 2003, condenando a União a indicar o local onde se encontram os restos mortais das vítimas da “Guerrilha do Araguaia” e a promover o sepultamento condigno desses corpos, em lugar a ser indicado pelos familiares, autores da ação.
Após décadas de impunidade, os familiares continuam a batalha por reconhecimento e reparação dos horrores vividos, e relatam o abandono das investigações. Embora o Estado brasileiro tenha sido condenado pela 1ª Vara Federal de Brasília e pela Corte Interamericana por uma série de violações de direitos humanos relacionadas ao desaparecimento e morte de 62 pessoas na Guerrilha do Araguaia (1972-74), as medidas de reparação e ações judiciais ainda enfrentam obstáculos.
Além disso, a reinstalação da Comissão de Mortos e Desaparecidos vem sendo protelada pelo governo do presidente Lula (PT) para evitar tensão com os militares. Para os familiares, a falta de progresso na busca por restos mortais e na divulgação de informações sobre a Guerrilha do Araguaia é um reflexo do descaso do Estado.
Mesmo com exumação de ossos e ações judiciais, como no caso Gomes Lund e dos 29 restos mortais da Guerrilha do Araguaia sob custódia no hospital da UNB, no IML da Bahia e no Caaf, em São Paulo, o avanço das investigações tem sido lento e insuficiente.
A Lei de Anistia brasileira, de 1979, que protege os militares envolvidos em violações de direitos humanos, tem sido uma barreira para a responsabilização dos culpados. Apesar dos esforços do Ministério Público Federal, a justiça tem sido negada em muitos casos, perpetuando o sofrimento das famílias das vítimas que cobram a punição e a adoção de políticas públicas para impedir a repetição de violações.
CASO GOMES LUND (“GUERRILHA DO ARAGUAIA”) VERSUS BRASIL
Esse material foi produzido pelo grupo de familiares de desaparecidos políticos, com apoio de várias organizações da sociedade civil, como coalização por memória, verdade, justiça, reparação por filhos e netos, segundo informa Diva Santana, do Grupo Tortura Nunca Mais e irmã de Dinaelza Coqueiro, morta e desaparecida na Guerrilha do Araguaia.
Após o final do regime militar e da consequente restauração da democracia no país, várias iniciativas estatais promoveram algum tipo de reconhecimento dos crimes ocorridos durante o período ditatorial, incluindo os referentes à Guerrilha do Araguaia.
A despeito disso, a impunidade dos responsáveis pelas torturas, desaparecimentos forçados e execução extrajudicial de integrantes da Guerrilha do Araguaia se manteve.
A não responsabilização foi reiteradamente embasada na Lei de Anistia brasileira, cujo a vigência e constitucionalidade do parágrafo que protege os militares foi reafirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
As ações judiciais movidas com o objetivo de identificar restos mortais das vítimas e publicizar informações sobre as incursões militares contra a Guerrilha também não resultaram em avanços significativos no esclarecimento dos crimes.
Em 7 de agosto de 1995, Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil) e a Human Rights Watch/Americas entraram com petição na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), denunciando as violações sofridas pelas vítimas da Guerrilha do Araguaia e seus familiares.
Posteriormente, a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos do Instituto de Estudos da Violência do Estado, o Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro (GTNM/RJ) e Angela Harkavy, irmã de um desaparecido, entraram como co-peticionários.
Questionado, o Estado brasileiro alegou não esgotamento dos recursos internos. Após quase seis anos, a CIDH produziu relatório de admissibilidade da petição, em março de 2001.
Após uma série de pedidos de prorrogação de prazo de ambas as partes, a Comissão produziu relatório de mérito em outubro de 2008, considerando o Brasil responsável por uma série de violações de direitos humanos, em detrimento dos membros da Guerrilha do Araguaia e seus familiares.
O órgão fez uma série de recomendações ao Estado brasileiro, que chegou a apresentar relatórios de cumprimento parcial. A despeito disso, a CIDH não considerou a implementação satisfatória e remeteu o caso à Corte em março de 2009.
Como parte dos acontecimentos relacionados à Guerrilha do Araguaia ocorreram antes do reconhecimento da competência da Corte pelo Brasil, a submissão se refere aos fatos que ocorreram após esse marco temporal, bem como a violações continuadas, que persistiam após o reconhecimento.
A Corte Interamericana admitiu parcialmente uma das exceções preliminares interpostas pelo Estado e negou as outras duas, dando prosseguimento ao julgamento. Na mesma sentença, condenou o Brasil pela violação dos direitos ao reconhecimento da personalidade jurídica, à vida, à integridade pessoal, às garantias judiciais, à liberdade de pensamento e de expressão e à proteção judicial, em relação com a obrigação de respeitar e garantir os direitos, e o dever de adotar disposições de direito interno, previstos na Convenção Americana.
Parte das violações refere-se aos membros da Guerrilha, parte a seus familiares. O Tribunal também decidiu que “as disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção Americana” e “carecem de efeitos jurídicos”.
A Corte determinou uma série de medidas de reparação, que incluem a publicação da sentença e o pagamento de indenização, custas e gastos. Também determinou outras medidas de reabilitação, satisfação e não repetição, incluindo: oferecimento de tratamento médico e psicológico; esforços para determinar o paradeiro das vítimas desaparecidas; capacitação em direitos humanos das Forças Armadas; tipificação do delito de desaparecimento forçado de pessoas em conformidade com os parâmetros interamericanos; e busca, sistematização e publicação de informações sobre a Guerrilha.
O Tribunal também determinou a investigação penal dos fatos do presente caso e a responsabilização pelos delitos, não podendo o Estado “aplicar a Lei de Anistia em benefício dos autores, bem como nenhuma outra disposição análoga”.
O Brasil pagou a maior parte das indenizações e efetivou a publicação da sentença nos espaços determinados pela Corte. A Lei de Anistia, porém, continuou servindo como argumento para magistrados negarem instauração de processo penal ou a responsabilização dos agentes da repressão, a despeito de esforços do Ministério Público Federal nesse sentido.
As iniciativas de busca de restos mortais, bem como de sistematização e publicação de informações sobre a Guerrilha foram enfraquecidas durante o governo Bolsonaro. As demais medidas de reabilitação, satisfação e não repetição foram pouco ou nada cumpridas pelo Estado brasileiro.
O procedimento de supervisão do cumprimento da sentença segue em aberto, mais de 21 anos após a decisão. O único relatório de supervisão da sentença publicado pela Corte data de outubro de 2014. Familiares dos desaparecidos forçados no Araguaia solicitam audiência com primeira vara do Distrito Federal para cobrar providências para cumprimento da sentença e relatam o descaso do Estado na continuidade das ações.
Remanescentes ósseos exumados e abandonados no período de 2008 a 2017, realizaram inúmeras expedições oficiais sob coordenação governamental e outras tantas de caráter pessoal. Ressalte-se que na última expedição oficial, com a coordenação da extinta Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CMDP) em setembro de 2018, foram exumados de um cemitério, há anos desativado em São Geraldo do Araguaia/PA, restos mortais compatíveis fisicamente com uma jovem participante da chamada Guerrilha do Araguaia e levados para o Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal (INC) em Brasília/DF (patrimoniado em recipiente próprio sob número ACSG 15,A5 RM OS e etiquetas de n. 4307962 / 4307972) para exames.
Após quase 6 anos, nada se sabe sobre o andamento das pesquisas referentes a esses restos mortais. Além desses que estão no INC, existem outros 29 RM, junto ao Instituto de Medicina Legal do DF (IML) e na Universidade de Brasília (UnB) lá recolhidos e resguardados por determinação judicial, que necessitam de declaração oficial dos peritos forenses quanto as análises de finalidade propostas e laudos que indiquem a conclusão e devidos encaminhamentos necessários. Destacam-se, dentre os 29, os restos mortais de 3 crianças oriundas de São Geraldo do Araguaia/PA.
COLEÇÃO DIVINA
(Chico Ribeiro Neto)
Umas pessoas colecionam os primeiros dentes. Outras, asas de borboleta. Algumas, estrelas.
Nunca apreciei colecionar selos, achava chato, mas admirava quem o fazia. E havia os encontros para troca de selos e também era um encontro de amigos.
Colecionar bolas de gude, isqueiros, pequenas caixas de fósforo, flâmulas, ingressos de shows, bilhetes de namoradas. Em tudo isso tem um pedacinho da gente.
Colecionar as cartas que vovô Chico escrevia toda semana, de Ipiaú, para minha mãe Cleonice, a quem chamava de Teuzinha.
No início da ditadura, em 1964, em Salvador, minha mãe me obrigou a queimar no quintal uma coleção do jornal de esquerda “Brasil Urgente”, com medo de que eu fosse preso.
Coleciono folhas da avenida Centenário, os olhos da primeira namorada, a cara do meu avô quando saí de Ipiaú, as mãos de minha mãe, o viveiro de passarinhos do meu pai Waldemar.
Tem ainda quem coleciona a “Revista do Esporte” e “Sétimo Céu”, revista de fotonovelas e variedades.
Tem a coleção das pedrinhas catadas na praia e daquele papel que fazia arraia. Tem gente que coleciona mortalhas de Carnaval. Tem a coleção que não se guarda na gaveta, mas na alma. A coleção de dores e dissabores, a coleção de beijos. De carinhos preciosos e de noites memoráveis.
A coleção de bares, sempre no copo americano e longe de qualquer engano. Coleção de amigos de farra, que eram a felicidade total. A coleção de cerveja gelada e de charque frito com cebola.
Tem o colecionador de sonhos, de bonitos e medonhos. Não convém colecionar problemas, ô “trem” que rende. Você acaba de resolver um e já-já aparece outro.
Colecionamos tudo que vivemos. Vistos lá de cima, somos uma coleção de Deus.
(Veja crônicas anteriores em leiamaisba.com.br)
LÁ SE FOI NOSSA HISTÓRIA
Muitos falam que não devemos olhar para o passado, mas construir o presente pensando no futuro. Na vida humana espiritual até se compreende, de certa forma, mas quando se trata da nossa história material, é como se a pessoas deixasse de ter sua identidade como referência. É o caso de Vitória da Conquista que destruiu, ao longo dos anos, praticamente todo seu patrimônio arquitetônico do centro, chamada de Rua Grande (Praça Tancredo Neves, Barão do Rio Branco e imediações, como a atual Praça Nove de Novembro). A 9 de Novembro (data que se celebra a emancipação de Conquista), por exemplo, no início do século XX era cercada de bares e lojas antigas. Além dos coronéis e jagunços que frequentavam a vida noturna, ali foi palco de muitos carnavais com seus blocos que deixaram saudades. Na Barão do Rio Branco existiam os casarões antigos e um barracão que servia de rancho para tropeiros (hoje é a primeira Igreja Batista). No centro da praça, um prédio com bares, lanchonetes, sorveteria e uma área de parada de ônibus. Tudo isso foi a nossa memória, simplesmente derrubada para dar lugar a edifícios modernos, como Banco do Brasil, do Nordeste, Caixa Econômica Federal, hotéis e empresas. Hoje é um amontoado de carros soltando gases tóxicos e poluição visual com um emaranhado de fios. Conquista é uma cidade de mais de 300 mil habitantes, a terceira maior da Bahia, que não tem entro histórico para mostrar ao visitante que chega.
O NORDESTE E O SUL
Poema de autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário
Duas regiões distintas,
Com seus riscados culturais,
Uma roga pela chuva,
A outra que venha sol,
Oh, quanta tormenta e ternura!
Choro e lamúria!
Nos traçados, temporais!
Dizei-me, oh Senhor Deus!
Sobre esta pintura,
Donde vem tanta fúria?
No Nordeste queima o paiol,
O dilúvio bate no Sul,
E o poeta carrasquento,
No lamento do gaúcho,
Fica solitário e nu.
A seca racha o solo,
Mata a plantação e o rebanho,
Empurra o pau-de-arara para o Sul,
A mãe consola a criança no colo,
E o retirante segue escravo do ganho.
Leva anos e mais anos,
O nordestino ancestral,
Hoje é moço-menino,
E agora vê a enchente do Sul,
Tempestade, lama e vendaval,
Os rios do Pampa viram mar,
Matando nossos hermanos de lá.
Dizei-me, Senhor Deus!
Do Olimpo, o Zeus!
Para aonde vai essa caravana?
Contra nossa natureza,
Castigada pela mente insana,
Oh quanta loucura e avareza!
Tragédia, morte e terror!
Do Norte ao Sul,
Oxalá, meu pai xangô!
Não sei o que será dessa terra,
De tanta riqueza e pobreza,
Não faço parte dessa guerra,
Desse capital predador,
Que só criou sofrimento e dor,
Como o capeta belzebu,
Rachando o Nordeste e o Sul.
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