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:: 10/maio/2024 . 23:14

“A MÁSCARA DA ÁFRICA” XII

No capítulo “Monumentos Particulares, Terras Arrasadas Particulares”, o autor de “A Máscara da África, V. S. Naipaul, após visitar o Museu do Apartheid, destaca o monumento africâner no final da rodovia Joanesburgo-Pretória em homenagem à Grande Marcha dos Bôeres da Colônia do Cabo para o interior na metade do século XIX.

Segundo Naipaul, eles marcharam para se livrar dos britânicos, levando consigo todos seus bens e animais, e foram em carros de boi, numa jornada lenta e árdua. “Os caminhantes nem sempre sabiam o que estavam enfrentando” e muitos deles morreram.

Sobre sua guia turística Fátima, a mestiça coloured, disse que ela na escola teve que estudar sobre A Grande Marcha; todas as escaramuças no caminho se tornaram batalhas. Fátima tinha que saber todos os detalhes de cor. Mesmo assim, num lance de crueldade, a ela não foi permitido visitar o monumento.

A obra é composta de um acampamento circular em seu entorno, com sessenta e quatro carros de bois. Esse número de carros compunha o acampamento quando os participantes foram atacados pelos zulus em 16 de dezembro de 1838. Os zulus foram massacrados e o monumento celebra essa vitória, a de Blood River (rio de sangue).

De acordo com o escritor, as obras do monumento foram iniciadas em 16 de dezembro de 1938, o centenário da batalha. Foi inaugurado na presença de uma multidão de 250 mil pessoas em 16 de dezembro de 1949 por D.F.Malan quando se completou o primeiro ano da política do apartheid, que ele e seu governo do Partido Nacionalista instituíram na África do Sul.

Em seu livro, Naipaul cita o escritor africâner Herman Charles Bosman e sua obra, Mafeking Road, uma das quatro coletâneas de contos. “ O maior conto trata de uma marcha fictícia. A Grande Marcha do Cabo faz parte do folclore daquela gente simples; em sua imaginação, é algo que todos podem tentar. É fácil agora, depois de terminada a guerra dos bôeres, que foi perdida, persuadi-los de que estão prestes a ser oprimidos pelos britânicos lá onde vivem e que devem marchar para a liberdade, para a Namíbia, a África do Sudoeste Alemã”.

“Eu associei os contos de Bosman com o Monumento Voortreker porque ambos compartilham uma ambiguidade, que reside no tema. O Monumento Voortreker não fala apenas da Grande Marcha. Fala também da derrota africana e do sofrimento africano”.

Ao se referir aos contos de Bosman, o escritor de “A Máscara da África” diz que “aquelas pessoas não são apenas gente simples do campo por causa do seu caráter simplório, de sua falta de imaginação, elas trazem um sofrimento indescritível aos africanos que estão entre elas”.

 

A ENGANAÇÃO DAS VERBAS, A FALTA DE INFRAESTRUTURA E AS IRONIAS DA VIDA

O governo federal está anunciando a liberação de bilhões de reais para socorrer as vítimas das enchentes do Rio Grande do Sul Grande do Sul. Tudo não passa de um marketing político. Acontece que boa parte dos recursos se referem à antecipação do Imposto de Renda, de parcelas do Bolsa Família e do Seguro Desemprego, prorrogação de débitos fiscais, retirada do FGTS e coisas semelhantes.

Considero isso uma tremenda enganação e uma propaganda demagógica porque, se for analisar, o governo não está tirando do Tesouro, mas antecipando um dinheiro que já pertence ao contribuinte por direito ou vai ter que pagar mais tarde no caso de imposto.

Além do mais, trata-se de uma grana que muitos já estavam planejando para realizar um sonho ou comprar alguma coisa lá na frente e não gastar agora. É um recurso que o indivíduo vai receber no momento para cobrir prejuízos imprevistos que teve com as inundações e irá lhe fazer uma grande falta meses depois.

Antecipar, por exemplo, 13º do salário do trabalhador, seja funcionário público ou do setor privado, é um grande engodo e ilusão.  Como a maioria dos brasileiros já vive com suas finanças apertadas, no momento ele sente aquele alívio, mas quando chega no final do ano a pessoa vai perceber que fez um mal negócio. Aquele dinheiro é como se fosse uma poupança.

Nas catástrofes e nas tragédias, os governos em geral sempre usam desse método e saem numa boa na fita política porque os brasileiros não param para refletir que é uma enganação. Na verdade, eles só estão adiantando uma verba que já é por direito da vítima.

Por sua vez, segundo pesquisa de uma empresa do ramo, os entrevistados apontaram que a falta de infraestrutura, de responsabilidade dos governos federal, estadual e municipal, foi a maior culpada pelas inundações no estado do Rio Grande do Sul (também em outros estados).

Portanto, pela lógica, a União, o estado e o município é que deveriam arcar com os prejuízos que as pessoas sofreram com as enchentes, no caso específico do Rio Grande do Sul, e não antecipar o dinheiro que já é do seu dono.

Por fim, os mais antigos diziam que a vida dá voltas quando se referia a alguém ingrato que fazia algum mal para seu semelhante e depois terminava recebendo o troco, ou, na maioria dos casos, tendo a mão estendida exatamente daquele que foi ofendido.

Sei que não é momento para fazer tais comentários, mas os nordestinos que sempre são vistos com desprezo e até são xingados pelos sulistas como analfabetos, preguiçosos e ignorantes, agora estão dando suas respostas em forma de bondade e solidariedade, enviando toneladas e toneladas de produtos para os atingidos das enchentes. É a volta que a vida dá. Não desejamos tragédias para ninguém.

 

 

VIVENDO DAS PALAVRAS

(Chico Ribeiro Neto)

“Lutar com palavras

é a luta mais vã.

Entanto lutamos

mal rompe a manhã”.

(Versos iniciais do poema “O Lutador”, de Carlos Drummond de Andrade).

Pior do que o patrão era o chefe do Departamento Pessoal. Se ele achasse uma brecha, descontava 11 centavos do seu contracheque. “Foi o dia em que você bateu o ponto com um minuto de atraso”.

Jornalista nunca gostou de bater ponto. Um absurdo cobrar que um repórter bata entrada e saída. Você não pode largar uma entrevista às 13 horas dizendo que precisa ir ao jornal para “bater a saída”. Não é porque o jornalista não goste do ponto, é porque não pode. A empresa tem que pagar hora extra ou um salário que a contemple.

Os repórteres são parecidos com os atores de teatro, que sabem que o ensaio tem hora de começar, mas não tem hora de acabar. Jornalistas e atores trabalham com as palavras, e não há “luta mais vã”.

O Departamento Pessoal, com a modernagem, passou a se chamar de Errehagá, um pomposo nome. Num jornal em que trabalhei, quando fui demitido, o chefe do RH (um “fode mansinho”, como todos) me disse com sua voz aveludada: “O diretor mandou lhe dizer que quando precisar de alguma coisa é só ligar para ele. O jornal continua à sua disposição”. Sim, jacaré!

Num jornal aconteceu comigo um caso curioso, já narrado numa crônica antiga, mas que vale a pena repetir:

– É do jornal?

– É, sim.

– Quanto vocês pagam por uma boa ideia?

– Depende. Você manda sua ideia pra gente, o jornal analisa e, se aprovar, compra sua ideia.

– Aonde?! Depois vocês ficam com a minha ideia e não me pagam – e bateu o telefone.

Voltando ao Departamento Pessoal. O jornal convidou um excelente redator e o cara foi ao DP para fazer a ficha funcional. O chefe do DP folheou sua carteira profissional e viu anotações de emprego de “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “Última Hora”, “Revista Manchete” e perguntou:

– O senhor trabalhou nesses lugares todos?

– Não, isso aí é mentira, eu falsifiquei tudo.

Para complementar a renda (jornalista em geral ganha pouco), trabalhei como redator num semanário onde ia duas vezes por semana. Entre outras atribuições, eu tinha que escrever sobre uma mulher de biquini (as fotos sempre eram sempre nas pedras do Farol da Barra) que ocupava a última página. O diagramador colocava as fotos da bunduda na página e me intimava: “Preciso de 15 linhas”. A mulher apareceu para ser entrevistada. Não leu nem “O Pequeno Príncipe”, e eu tinha que produzir suadas 15 linhas para fechar a página. Uma bunda nas pedras da praia e uma mulher sem assunto. “Luta mais vã”.

(Veja crônicas anteriores em leiamaisba.com.br)

 

O PASSARINHO

Na chegada do estacionamento do Centro Cultural Oscar Niemeyer, na arborizada Goiânia, quando lá estive em março, fui agraciado pela benção do cantarolar de um pássaro (não sei seu nome) e bateu em meu peito o desejo de ser um passarinho, talvez na inspiração do poeta.  Como ele não parava de cantar, resolvi abrir o diafragma da minha máquina e clicar o divino solitário num galho de árvore. “Atravancando meu caminho. Eles passarão… Eu passarinho”, de Mário Quintana, poeta gaúcho de Alegrete, no estado do Rio Grande do Sul, que vive hoje sua pior calamidade de inundações da sua história. Aqueles que atrapalham a vida do eu lírico serão passageiros. Me afastei e ele continuou com seu canto mágico, talvez a chamar sua companheira ou companheiro de voo. Nas grandes cidades, as pessoas andam tão atribuladas e preocupadas com seus problemas para resolver no dia a dia, que nem escutam o canto dos pássaros. Aqui em meu quintal ainda tenho o privilégio de suas companhias entre as árvores e plantas, como do beija-flor que está sempre a bater suas assas e com o bico alimentar o néctar das flores. Muitas vezes chegam a entrar em meu alpendre numa visita de cortesia.

EU SEI…

Autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário

Eu sei…

Que não adianta

Procurar um sentido

Para a vida,

Se somos apenas aprendizes,

Grãos de areia,

Presos na teia,

Desse universo infinito,

Onde devemos cuidar

Bem das nossas raízes,

Para enfrentar tanta lida,

Nesse embate controverso;

Ser silêncio na hora certa,

Com a mente alerta.

 

Eu sei…

Que o tempo não espera;

Estamos em outra era

Da deusa tecnologia,

Que supera a filosofia,

O conhecer e o saber.

Eu sei que o mundo mudou:

Uns dizem para melhor,

Outros para pior,

Dominado pela alienação,

Na pista da contramão.

 

Eu sei…

Que o amor não é o mesmo,

Que não conta só sonhar,

Tem que realizar,

Nessa terra desembestada,

De ódio e guerra infestada,

Onde cada um tem sua vez,

Nessa loucura da insensatez.





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