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:: ‘Encontro Com os Livros’

“BR2466 OU A PÁTRIA QUE O PARIU”

Uma mistura de contonetas com croniquetas, se me permite os termos esdrúxulos meu amigo crítico literário e filósofo Nélio Silzantov a respeito do seu novo livro “Br2466 ou a pátria que os pariu”, numa capa antropofágica que nos lembra faces de pinturas humanas da idade média. Seu livro é como abrir a porta para receber um grande amigo para prosear por horas.

Quem sou eu para fazer uma análise mais profunda sobre sua linguagem curta e direta do cotidiano da vida rodriganiana, numa interação copular entre a língua falada e a escrita, sem medo de se expor aos mais conservadores. As expressões são como bofetadas de pelicas em nossas faces.

Em muitos capítulos, fáceis de serem digeridos, como “Toda insanidade é uma forma desesperada de adestrar um marido”, Nélio fala de renovação dos votos de amor para um marido culpado pelo casamento ter sido motivo de falatórios. Ela acreditava que em suas veias corriam o sangue dos bravos selvagens, mas “teu sangue é ralinho”.

Em “O amor não é tudo o que importa”, o autor desnuda as relações sexuais entre Adrielly e Otoniel que tudo faz para não transar com a mulher. “O amor não é tudo o que importa, repetia em seu íntimo, enquanto buscava reacender o tesão observando as silhuetas daquela apetitosa esposa deitada ao seu lado, que àquela altura, cansada de esperar pelo pau mole do marido, devia estar sonhando qualquer coisa num sono profundo”.

Otoniel era fixo nos estudos, mas “sua carreira de escritor não passava de um exercício intelectual, visto por parentes e amigos como um hobby utópico e narcisista que lhe rendia mais despesas, desdenho dos pares e frustração pessoal do que lucro e conformidade aos valores nacionais resguardas pelo Estado”.

Em seus contos ou croniquetas, como já dizia meu saudoso amigo Sérgio Fonseca que falava várias línguas e transbordava conhecimento sem ser reconhecido, nosso Nélio dá as suas porradas nessa sociedade hipócrita, corrupta e sem ética política e social.

“O amor tudo sofre, tudo crê, tudo espera e tudo suporta, minha querida. Estamos felizes agora?, é claro que estamos. Mas e quando a miséria que se alastra por todo canto bater à nossa porta? As ruas já não abrigam mais os infortunados de outrora” diz o seu personagem. “Sonhar acordado, como dizem, não paga imposto”.

Se em seu romance “Desumanizados”, Nélio escancara a realidade do ser humano, da forma como ele é, em seus contos-croniquetas de “Br2466 ou a pátria que os pariu”, de linguagem accessível, Nélio observa o cotidiano da vida e o transpõe em textos concisos e reais que somente ele consegue fazer.

De fácil e prazerosa leitura, Nélio joga com a política, o social e o comportamento das pessoas, com críticas ácidas que fazem o leitor parar para refletir sobre seu eu existencial.  Bem verdade quando afirma que o “Estado é uma máquina de triturar homens”.

“Br2466 é a diversão com uma mistura de temas inusitados, como a ideia de um regionalismo puro sangue, a dedicação de Deus para criar um Rei do Brega e o comportamentalismo que envolve cabras e poluções noturnas” – como bem assinalou o prefaciador Leonardo Araújo Oliveira, professor do Departamento de Ciências Humanas, Educação e Linguagem da Uesb.

 

“FLUXO E REFLUXO” V

Costa a Sotavento da Mina: O tráfico em Ajudá (Uidá)

Os primeiros navegadores, os portugueses, fundaram o castelo de São Jorge da Mina, em 1482, na Costa da Mina. Mais tarde Portugal ficou sob domínio da coroa da Espanha, de 1580 a 1640. No século XVII os holandeses se apoderaram de Pernambuco e das ilhas de São Tomé e Príncipe, bem como de Angola e do castelo, em 1637.

Com essa intervenção holandesa, conforme cita o fotógrafo e etnólogo Pierre Verger em sua clássica obra “Fluxo e Refluxo”, Portugal perdeu o monopólio do comércio na costa da África. Por mais de um século, o tráfico negreiro dos negociantes baianos, principalmente, viveu períodos de desordens e intrigas, sem falar no contrabando do ouro, subornos e conflitos.

Somente no final do século XVII o comércio na Costa da Mina se desenvolveu com a Bahia. Segundo Verger, o estatuto das nações europeias era diferente na Costa do Ouro e na Costa a Sotavento (Golfo do Benin).

Na Costa do Ouro, elas estavam fortemente entrincheiradas em fortalezas construídas à beira mar, sólidas para resistir aos assaltos dos chefes indígenas ou das embarcações piratas.  Os europeus dominavam o mercado local e proibiam o acesso aos navios das nações estrangeiras, caso de Portugal.

No entanto, na Costa da Mina, as fortificações em Uidá se situavam no interior das terras, sendo incapazes de resistir por muito tempo aos ataques das autoridades indígenas (reinos que sempre viviam em guerras).

Em “Fluxo e Refluxo” o autor destaca que havia ao longo da costa uma série de pequenos reinos que guerreavam uns contra os outros, especialmente na Costa da Mina. O reino de Ardra, por exemplo, controlava os caminhos desde o interior. Podia bloquear quando bem quisesse e cortar o abastecimento de escravos em benefício do seu porto. Por sua vez, esse reino era submisso ao seu vizinho Oyó, ou Ulcumy, que era grande inimigo do rei de Daomé.

Como a situação era vexatória e o comércio desorganizado por causa das intervenções holandesas que obrigavam que baianos e portugueses negociassem com eles no castelo de São Jorge pagando um tributo de dez por cento, desde 1680 Portugal tentava construir um forte em Uidá, mas sem sucesso.

Por volta de 1698 as desordens prosseguiam na costa em virtude dos conflitos entre os reinos que impediam que o tráfico fluísse. A situação dos portugueses era delicada e desconfortável depois da tomada do castelo de São Jorge pelos holandeses.

Os descendentes dos antigos comerciantes que viviam na costa serviam de intermediários para o fornecimento de escravos às embarcações do tráfico do Brasil e das diversas nações europeias.

No entanto, muitas vezes o comércio se invertia e as trocas ocorriam com os ingleses, franceses e holandeses que tinham interesses em negociar com tabaco e ouro que no Brasil levava para a Costa da Mina de forma clandestina.

As autoridades, como os vice-reis, governadores, o Conselho Ultramarino e os comitês (Mesas de Negócios da Bahia) tentavam estabelecer regras, mas eram violadas pelos próprios negociantes e donos de navios onde cada um procurava realizar seu negócio.

Essa falta de ordem e má conduta dos portugueses terminavam arruinando o comércio e elevando os preços dos escravos que já eram escassos por causa das guerras. Para ter cativos de qualidade, capitães de navios chegavam a pagar o dobro do preço.

Existia até uma rivalidade entre Lisboa e a Bahia pelo controle do comércio na costa da África. Os negociantes da Bahia se recusavam a buscar escravos em outras regiões, como recomendava Portugal.

Na tentativa de resolver o problema, o vice-rei do Brasil, Vasco Fernandes César de Menezes autorizou, em 1721, o capitão Joseph de Torres a construir um forte em Uidá (Ajudá), só que tempos depois foi destruído nas guerras. O próprio capitão tinha fama de trapaceiro e chegou a ser preso pelo reino de Portugal. O projeto não deu os resultados esperados.

 

“FLUXO E REFLUXO” IV

A CARTA DO DESEMBARGADOR E A

DESORDEM NO TRÁFICO NEGREIRO

Entre os séculos XVII e XVIII, o tráfico negreiro na Costa a Sotavento da Mina (Golfo do Benin) sempre transcorreu na maior desordem onde os negociantes da Bahia não se entendiam com o vice-rei e nem com as cortes de Portugal, sem contar os transtornos com os holandeses nas fortificações de Ajudá, os quais cobravam taxas de impostos.

Nessa época, por volta de 1735, o vice-rei Vasco Fernandes César de Menezes, conde de Sabugosa, era substituído por André de Melo e Castro, conde de Galveas. Um ano depois, o Senado queixava-se das taxas impostas pelo comitê de negociantes (Mesa de Negócios) criado treze anos antes.

O todo poderoso, ouvido pelo reino de Portugal era o desembargador Wenceslão Pereira da Silva, oposto às aspirações dos negociantes da Bahia. Ele escreveu um longo parecer para conter as ruínas dos três principais gêneros do comércio, o açúcar, tabaco e a sola.

Em “Fluxo e Refluxo”, Pierre Verger, autor da obra cita que o desembargador destacava dois problemas nesse comércio, um de ordem interne e outro externo. Quanto a este último dizia que procede de grande abatimento e falta de consumo dos três referidos gêneros, especialmente açúcar, que não têm saída por causa das fábricas que os estrangeiros aumentam nas suas colônias.

As lavras de ouro e diamante contribuem de certa parte para a destruição das lavouras e engenhos de cana porque fizeram subir os preços dos escravos e até dos cavalos e bois. Com relação aos cativos, os preços passaram de 40 a 50 mil reis para cerca de 200 mil cada escravo devido ao consumo e saída que tiveram para as minas.

Sobre os males internos, ele apontava a demasia de luxo, venenoso e depravado vício, “nascido de uns negros fumos exalados das oficinas do inferno, que cruelmente infecciona, destrói e consome estes moradores mal morigerados”. Cada um se veste como lhe parece no modo e no excesso do imoderado luxo. O rei D. João V esbanjava luxúria para imitar o seu colega da França, Luiz XIV, tudo às custas do Brasil.

“Não sendo menos intolerável o uso e abuso de cadeiras guarnecidas de ouro e sedas, que são as carruagens da terra, moda introduzida há nove ou dez anos e há pouco permitida a pessoas de inferior condição, no que fazem excessivas despesas”…

Com referência aos holandeses e zelandeses, dizia serem interessados na Companhia da Mina que tem ali estabelecido seu comércio com os negros que são revendidos depois aos portugueses a troco de ouro.

Para combater a desordem no tráfico negreiro, o desembargador sugeria a criação de uma nova Companhia Geral aos moldes do que existe em outros reinos, cujo tráfico e principal emprego será resgatar escravos da África e vendê-los nos portos do mar do Brasil. Como exemplo cita a Companhia Geral do Comércio no ano de 1649, que serviu de tanta utilidade à monarquia.

Acontece que a regulação do mercado era complicada e sempre foi um assunto polêmico porque existiam os mais poderosos que tendiam ao monopólio e não queriam ceder sua parte, como a reserva de apenas 24 embarcações indo da Bahia por esquadras de três em viagem à Costa da Mina, de três em três meses.

Em 1741, esse tráfico passou por um período de desorganização. Caso não encontrasse uma solução, o vice-rei temia que poderia desaparecer completamente. Para ele, a consequência seria a ruína do Brasil que não pode sobreviver sem o trabalho dos cativos. Cada negociante oferecia o maior número de rolos de tabaco por um escravo. Houve várias propostas para reorganizar as bases do tráfico na Costa a Sotavento da Mina, mas sempre eram transgredidas.

 

 

“FLUXO E REFLUXO” III

“Reações Provocadas na Bahia pelas dificuldades Encontradas para Traficar na Costa da Mina”.

As negociações dos traficantes negreiros baianos na Costa da Mina (Golfo do Benin) sempre foram complicadas entre os séculos XVII e XVIII por causa das interferências dos holandeses que viviam em guerra contra Portugal, cujo reino recomendava o comércio com Cabo Verde, Gabão e Angola.

Em “Fluxo e Refluxos”, obra do fotógrafo e etnólogo Pierre Verger, esses pontos estão bem figurados em suas pesquisas que demoraram 20 anos. Em um de seus capítulos ele assinala que “com o desenvolvimento do tráfico negreiro na Costa a Sotavento da Mina multiplicavam-se as dificuldades e incidentes entre os navios da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais e os dos negociantes da Bahia”.

Por causa do tabaco de qualidade inferior e depois do ouro contrabandeado no início do século XVIII, a Bahia preferia os negros da Costa da Mina, mesmo com as apreensões de cargas e fiscalizações impostas pelos holandeses, sem contar os preços exorbitantes dos cativos.

Acontece que os negros da Costa da Mina eram mais procurados para as minas e os engenhos de açúcar do que os de Angola, pela facilidade com que estes morrem e se suicidam. Os primeiros eram mais rebeldes e de difícil tratamento, mas conhecedores e hábeis no trabalho de exploração do ouro.

A rivalidade entre os negociantes de Lisboa e os da Bahia continuou sem grandes mudanças até 1720, quando da chegada de Vasco Fernandes César de Menezes, na qualidade de trigésimo nono governador e quarto vice-rei do Brasil. No início de sua regência de quinze anos, ele favoreceu as iniciativas dos negociantes da Bahia contra os de Lisboa, mas ocorreram muitos imbróglios.

Um dos problemas que o vice-rei teve que enfrentar foi com o capitão de mar e guerra Joseph de Torres, um astuto, ardiloso e contrabandista de ouro para Costa da Mina, desviando recursos do reino de Portugal. Ele foi autorizado a construir um forte em Ajudá (fortaleza cesárea) e terminou criando relações conflituosas com os holandeses (Castelo de São Jorge da Mina) e os ingleses. Os métodos usados por Torres nunca foram legais.

O Joseph de Torres chegou a ser preso e sumiu por uns tempos, mas retornou pelos anos 1730 como delator dos contrabandistas para fazer média e se aproximar das autoridades do reino de Portugal, inclusive do vice-rei. Ele foi acusado de ter cometido diversas fraudes no comércio na Costa da Mina. Na verdade, era um grande sonegador dos direitos em impostos dos portugueses.

Em 1723, com apoio do vice-rei Vasco de Menezes, foi fundada a Mesa do Bem Comum dos Homens de Negócio da Bahia, uma espécie de comitê de câmara de comércio. Seis meses depois foi criada, em Lisboa, a Companhia do Corisco.

Conservavam-se as duas tendências, a de Lisboa que queria fazer o tráfico com Cabo Verde e Gabão, e a Bahia com a Costa da Mina. Por causa dessa Companhia aconteceram diversos incidentes na Costa da Mina entre holandeses (Companhia Holandesa das Índias Ocidentais) e portugueses.

Os negros de Angola, como já foi dito antes, não servem para o trabalho das minas, mas somente como domésticos, para acompanhar as pessoas do Estado de Minas como lacaios – dizia o vice-rei em desacordo com as posições de Lisboa.

De acordo com ele, era impossível impedir o transporte de negros da Costa da Mina, apesar de serem resolutos e temerários, e recomendava precauções e disciplina com as etnias dessa região. Em seguida vamos acompanhar as intrigas entre o governador de Minas Gerais e o vice-rei Vasco de Menezes, bem como a ingratidão de Joseph de Torres.

“FLUXO E REFLUXO” II

“As Três razões Determinantes das Relações da Costa a Sotavento da Mina com a Bahia de Todos os Santos”

A importância do tabaco da Bahia como produto nas negociações em troca de cativos africanos, principalmente na Costa da Mina.

Neste capítulo do livro de “Fluxo e Refluxo”, o fotógrafo e etnólogo Pierre Verger trata das negociações dos traficantes negreiros da Bahia na Costa da Mina entre os holandeses, ingleses e franceses, principalmente entre os séculos XVII e XVIII, incluindo o período em que a Espanha dominava Portugal que vivia em guerra contra a Holanda.

A pesquisa de Verger, que durou 20 anos, é recheada de dados históricos, datas e relatos de viajantes, capitães dos navios e governadores das províncias e fortalezas que existiam na Costa da Mina. Por Costa da Mina ele mapeia o Golfo ou a Baia de Benin, Guiné até o rio Lagos.

Em seus estudos, assinala que a Costa da Mina (Castelo São Jorge da Mina fundada pelos portugueses em 1482) era desprovida de interesse por Portugal. Nela não se encontrava ouro, especiarias e marfim para negociar.

Essa parte da África só veio adquirir importância no final do século XVII porque era lá que os navegantes da Bahia iam buscar seu reabastecimento de escravos. Apesar do tráfico na região ter sido posteriormente proibido aos portugueses, o nome Costa da Mina ficou ligada durante os séculos XVII e XVIII à parte leste de São Jorge da Mina.

Na Bahia “negro da mina” era aquele vindo da Costa a Sotavento, atual costa do Togo e do Benin. Somente nessa parte os negociantes baianos encontravam saída para seu fumo de terceira categoria que era proibido entrar em Portugal.

A Companhia Holandesa das Índias Ocidentais, fundada em 1621, que reservava o monopólio do comércio para si na Europa e Costa da Mina, após a tomada do Castelo de São Jorge da Mina e o tratado de 1664, deixava livre somente o comércio do tabaco da Bahia e Pernambuco. Porém, a população banta da costa ocidental dava mais valia para as fazendas, aguardente e outras quinquilharias. Os navios levavam bugigangas da Europa para África, os negros da África às Américas, e açúcar, anil, rum e outros produtos das Américas para Europa.

Em 1644, um decreto real autorizava os navegadores portugueses, carregados de tabaco, a irem diretamente da Bahia para a Costa da Mina a fim de procurar escravos e trazê-los para o Brasil. Nessa época, Angola estava ocupada pelos holandeses e só foi libertada em 1648.

Sobre a cultura do tabaco, muito negociada por cativos, o padre André João Antonil fez um minucioso estudo da sua cultura. Ele estimava que por ano entravam em Lisboa 25 mil rolos de tabaco da Bahia e 2.500 de Alagoas e Pernambuco. Esse tabaco ruim passava por um beneficiamento e se tornava bem aceito na Costa a Sotavento da Mina.

Os portugueses de Lisboa tentavam impedir que os negociantes da Bahia traficassem na Costa da Mina, mas eles possuíam suas artimanhas com subornos e conseguiam realizar seu comércio. Eram obrigados a pagar dez por cento de tudo que vendiam.

No próximo comentário vamos falar da regulamentação do comércio do tabaco, uma mercadoria muito apreciada pelos negros, especialmente no uso do cachimbo.

 

“FLUXO E REFLUXO”

“Do Tráfico de Escravos entre o Golfo do Benin e a Bahia de Todos os Santos, do Século XVII ao XIX”.

Ele nasceu em 1902, em Paris. Foi fotógrafo, etnólogo e antropólogo. Em 1946 começou sua pesquisa sobre as influências entre o Golfo do Benin ou Costa da Mina, e a Bahia de Todos os Santos. O resultado desse trabalho lhe deu o título de doutor de terceiro ciclo na Sorbonne. Passou grande parte da sua vida em Salvador onde desenvolveu estudos sobre o culto aos orixás para o Instituto Francês da África. Converteu-se ao candomblé assumindo o nome de Pierre Fatumbi Verger. Morreu em 1996, em Salvador.

O livro “Fluxo e Refluxo” foi resultado de uma pesquisa de vinte anos, apresentado pela primeira vez na Sorbonne, em 1966. No entanto, só foi lançado no Brasil, em 1987. A obra se converteu num marco historiográfico sobre o tráfico negreiro para o Brasil, com destaque para a Bahia, província que no início do século XVII ao XIX mais recebeu cativos vindos da Costa da Mina (Castelo de São Jorge da Mina) que abrange especialmente o Benin, antigo reino de Daomé, da cidade de Uidá ou Ajudá. Judá, Fidá entre outros nomes.

Na introdução do livro de quase mil páginas, Verger destaca que a presença dos costumes de habitantes do Golfo de Benin é tanto mais notável na Bahia quanto as influências bantas do Congo e Angola são mais aparentes no resto do Brasil. Ele classifica o tráfico de escravos em direção à Bahia em quatro períodos, como o Ciclo da Guiné no século XVI, de Angola e do Congo no século XVII, o da Costa da Mina nos primeiros quartos do século XVIII e o do Golfo do Benin, os daomeanos ou jejes, entre 1770 e 1850.

Os nagôs-iorubás, da região da Nigéria aqui chegaram na Bahia no último ciclo, ou seja, entre os séculos XVIII e XIX e eram de classe mais elevada, prisioneiros de guerra, sacerdotes e mais conscientes do valor de suas instituições, ligados aos preceitos de uma religião, o islamismo. Nesse sentido, essa etnia era mais rebelde e unida, surgindo daí a rebelião dos malês, em 1835.

Verger cita os estudos de Luiz Vianna Filho onde ressalta que “os bantos foram os primeiros negros exportados em grande escala para a Bahia, e aqui deixaram de modo indelével os marcos de sua cultura” na língua, na religião e no folclore. Eles falavam melhor o português que os negros da Costa da Mina. A mercadoria mais importante na troca de escravos era o tabaco da Bahia que não tinha muita importância na Guiné, Angola e Congo, mas boa aceitação na Costa da Mina.

Na introdução da obra, o autor faz referências à queima de documentos sobre os escravos vindos da África por ordem de Rui Barbosa, ministro das Finanças entre 1890/91. Sobre a destruição desses registros existe uma grande polêmica entre os historiadores.

Uma versão diz que Rui Barbosa e o governo da época, com apoio do legislativo, tiveram a intenção de apagar para sempre a lembrança e os traços da escravidão no país. Outros que o propósito foi o de impedir que os proprietários dos cativos não pudessem entrar com petições de indenizações, como fizeram os ingleses e francês quando da abolição da escravatura. Muita coisa foi perdida dificultando o trabalho mais aprofundado por parte dos  pesquisadores.

 

A MARCHA DOS ABANDONADOS, A EUGENIA E A QUEIMA DE REGISTROS

Numa espécie de êxodo, foram cenas de proporções bíblicas. Assim descreve o jornalista e escritor Laurentino Gomes na obra final da sua trilogia “Escravidão”, no capítulo “O Dia Seguinte”, ao se referir à Lei Áurea da Abolição de 13 de maio de 1888.

Essa debandada das fazendas de café do Vale do Paraíba (SP) e da zona da mata de Minas Gerais foi seguida da tentativa do esquecimento por parte das autoridades de que houve um regime escravista no Brasil, tão cruel como em outros países. Na época centenas de documentos foram queimados por ordem do baiano Rui Barbosa.

“Milhares de homens, mulheres e crianças se puseram em marcha, sem destino algum”. Simplesmente vagavam pelas estradas, pelo menos gozando da liberdade do ir e vir. Não demorou para serem tratados como vadios, vagabundos e malfeitores preguiçosos, surgindo daí a Lei da Vadiagem, com pena de prisão.

“Alguns acampavam ao redor de vendas e tabernas, onde passavam as noites dançando e cantando em celebrações de alegria”. O jornal Novidades, de Vassouras, registrou que eles perambulavam em grupos.

Do outro lado, os cafeicultores, nos anos seguintes, entraram em pânico e muitos que não se prepararam foram à falência. O plantel de escravos valia mais que as terras. Com a desvalorização dos imóveis, a Abolição comprometeu parte dos fazendeiros de contrair crédito bancário. Antas os cativos funcionavam como garantias.

No entanto, conforme citou Laurentino, embora não tenham sido indenizados como queriam, os produtores, inclusive com a República, obtiveram generosas linhas de crédito agrícola. Os cofres públicos foram abertos numa tentativa de pacificar os senhores que queriam indenização.

Surgiu um boato que, através de um acordo secreto entre governo e senhores, a Lei Áurea havia sofrido uma emenda de que os ex-escravos deveriam servir mais sete anos em regime de escravidão, antes do direito à liberdade definitiva.

Não houve isso, mas ninguém lhes daria trabalho. Os negros, famintos e esfarrapados, continuaram a esmolar de casa em casa, de fazenda em fazenda em busca de comida e amparo. Outros dirigiram aos centros das cidades e nas periferias criaram as chamadas favelas, existentes até os dias atuais.

Muitos estavam morrendo de fome ao longo das estradas, sem local onde abrigar. Ninguém os queria e ainda eram perseguidos, assinalou o escritor Coelho Neto, maranhense da cidade de Caxias. Com o passar do tempo, os ex-cativos voltaram às fazendas e entraram num acordo com os senhores fazendeiros, morando nas mesmas senzalas de antes, sob as mesmas condições, em troca de um minguado salário. Permaneceram escravos.

Espertos no campo da exploração, muitos proprietários abriram suas próprias vendas e lojas dentro de suas terras para fornecer alimentos, roupas e outras mercadorias aos libertos. Vendiam fiado e a crédito a preços extorsivos, de modo que o trabalhador ficasse endividado e impossibilitado de deixar a fazenda antes de quitar o débito.

Diz Laurentino que as antigas senzalas passaram a se chamar de dormitórios de empregados. Na ala feminina, as tarimbas de madeira ganharam o nome de quartos de empregadas. Os alojamentos dos libertos eram descritos como casa coberta de telhas. Os feitores e capatazes cruéis foram ser apontadores. No lugar do chicote, espingardas e revólveres. Nas cidades, a casa-grande se tornou mansão, e a senzala em favela.

Em Salvador, os comerciantes ficaram incomodados com as festas que os negros promoviam e pediam providencias para criação da Lei da Vadiagem. Queriam que os negros voltassem logo ao trabalho. Em 1890, Alberto Brandão, diretor do Tesouro do Estado da Bahia, preparou um relatório ao governo do Rio de Janeiro onde exigia que um artigo do Código Penal fosse aplicado para forçar os libertos a retornar às fazendas.

O baiano abolicionista César Zama, entretanto, defendia que os ex-escravos tinham o direito de exigir instrução e educação para que pudessem representar o papel de cidadãos úteis à pátria. “Quem se encarrega de quebra as cadeias da escravidão tem também o dever de quebrar as da ignorância”.

A EUGENIA E A QUEIMA DE REGISTROS

De acordo com Laurentino, o período da Abolição coincidiu com o nascimento de uma pretensa nova ciência, a eugenia, que estaria na raiz do extermínio dos judeus, ciganos e outras populações consideradas indesejáveis na Alemanha nazista.

No Brasil, dentre os expoentes dessa ciência, podemos apontar Henrique Roxo, médico do Hospital Nacional, que afirmou em 1904, no II Congresso Médico Latino-Americano, que os negros e pardos eram tipos que não evoluíram e ficaram retardatários na história humana.

Em 1911 tivemos João Batista de Lacerda, diretor do Museu Nacional do Rio de Janeiro, que defendia ideias semelhantes. Ele afirmava que dentro em breve a herança africana desapareceria do sangue brasileiro dando lugar a um Brasil branco e civilizado.

Em 1929 o antropólogo Roquette Pinto chegou a prever em que ano exatamente o Brasil deixaria de ser negro. Em 2012, segundo ele, a população seria composta por 80% de brancos e 20% de mestiços. Não haveria negro e índio.

Quanto ao esquecimento, o próprio hino da República, em janeiro de 1890, proclamava em sua letra: “Nós nem cremos que escravos outrora/Tenha havido em tão nobre país!”

Como assinalou Laurentino no final do terceiro livro, caberia ao baiano Rui Barbosa, como ministro da Fazenda, ordenar em dezembro de 1890, a queima de todos registros sobre a escravidão existentes em arquivos nacionais.

Sobre essa medida há quem diga que foi visando apagar a escravidão no Brasil. Para outros teve o sentido de evitar que os senhores da terra entrassem na justiça para reivindicar as pretendidas indenizações por conta da Abolição.

O próprio, que deixou o cargo em 1891, justificou que a iniciativa foi um ato humanitário em benefício dos ex-escravos. Era necessário apagar e esquecer o “passado negro” do Brasil.

Conta o autor da trilogia “Escravidão” que em 13 de maio de 1893 várias autoridades e cidadãos de todas as classes sociais reuniram-se no Campo da Pólvora, em Salvador, e receberam dois carroções com papéis que foram destruídos numa fogueira por várias horas.

Apesar de tudo isso, muitos documentos sobreviveram à ordem de Rui Barbosa, os quais servem para comprovar que o escravismo brasileiro foi tão brutal e cruel quanto em qualquer outra parte do mundo.

“NINGUÉM ME CONTOU, EU VI – DE GETÚLIO A DILMA”

Do livro do grande jornalista, escritor, político e memorialista Sebastião Nery, ex-seminarista de Amargosa como eu, só que ele foi de uma safra bem antes de mim, trechos da sua obra que fala de Lula sobre o mensalão de 2002.

Em “Eu Vi o Mensalão Nascer”, Sebastião narra: “Tarde de sábado no restaurante Piantella, o melhor de Brasília. Lula havia ganhado a eleição presidencial de 2002 contra o tucano José Serra e estava em Porto Alegre, com José Dirceu e a cúpula do PT, discutindo com o PT gaúcho a formação do novo governo. Um grupo de jornalistas estava a um canto, almoçando e conversando sobre o país, eu junto.

De repente, entram nervosos, aflitos, os deputados Moreira Franco, Gedel Vieira Lima, Henrique Alves, da direção nacional do PMDB, começaram a discutir baixinho, quase cochichando. Em poucos instantes, chega o deputado Michel Temer, presidente nacional do PMDB. Nem almoçaram. Beberam pouca coisa, deram telefonemas, saíram rápido. Nada falaram. Acontecera alguma coisa mais grave. Voltariam logo.

Um deles voltou e contou a bomba política do fim de semana. Antes de viajar para o Rio Grande do Sul, Lula encarregara José Dirceu, coordenador da equipe de transição e já convidado para ser o chefe da Casa Civil, de negociar com o PMDB o apoio a seu governo, em troca de ministérios de Minas e Energia, Justiça e Previdência, que seriam entregues a senadores e deputados indicados pelo partido.

Lula já havia dito ao PT que eles não podiam esquecer a lição da derrubada de Collor pelo impeachment, que o senador Amir Lando, do PMDB de Rondônia, relator da CPI de PC Farias, havia definido como uma “quartelada parlamentar”. No Brasil, para governar era preciso ter sempre maioria no Congresso. O PT tinha que fazer as concessões necessárias.

O primeiro a ser chamado era o PMDB, o maior partido da Câmara e do Senado. Lula mandou José Dirceu acertar com o PMDB, combinaram os três ministérios e ficaram todos felizes. Em Porto Alegre, na primeira noite, Lula encontrou a gula voraz do PT gaúcho, que exigia os ministérios de Minas e Energia, da Justiça e da Previdência.

Lula cedeu. Chamou Dirceu e deu ordem para desmanchar o acordo com o PMDB.

Dirceu perguntou como conseguiriam maioria no Congresso.

– Compra os pequenos partidos – disse Lula – fica mais barato.

Dilma virou ministra de Minas e Energia, Tarso Genro, da Justiça e a Previdência ficou para resolver na frente. E assim nasceu o mensalão.

O advogado Luiz Francisco Correal Barbosa disse ao Globo: Não só Lula sabia do mensalão como ordenou toda essa lambança. Não é possível acusar os empregados e deixar o patrão de fora.

No dia 12 de agosto de 2005, em um pronunciamento, pela TV, a todo o povo brasileiro, Lula pediu “desculpas pelo escândalo”.

No mais, Sebastião Nery considerou Lula como amoral e diz no livro que somente os principais companheiros ficaram no banco dos réus, como Dirceu, Roberto Jeferson, Genoíno, Delúbio, Silvinho, Marcos Valério, Valdemar Costa Neto e outros, chamado pelo autor da obra como “organização criminosa”, uma quadrilha, chefiada por Dirceu, nas palavras do procurador-geral da República. O comando era de Lula, segundo Sebastião.

 

O PROCESSO DO BRANQUEAMENTO

Na onda da abolição da escravatura, os senhores fazendeiros e latifundiários começaram em pensar na substituição da mão de obra escrava africana pelos imigrantes europeus já com a ideia introduzida por alguns intelectuais sobre o processo de branqueamento do povo brasileiro. A primeira leva começou logo por volta de 1846 com a chegada de prussianos e da região da Bavária.

Centenas começaram a chegar aos portos brasileiros que antes recebiam os cativos vindos da África. Os colonos recebiam diversos incentivos, como passagem entre a Europa e o Brasil, hospedagem durante os oito primeiros dias após o desembarque e transporte terrestre para toda família, tudo por conta do Tesouro Nacional. Cada adulto receberia uma subvenção pessoal de 150 mil réis. As crianças teriam direito à metade.

De acordo com Laurentino Gomes, autor da trilogia “Escravidão, a importação de colonos estrangeiros era um projeto antigo, ainda da época da corte de D. João VI, em que foram criados pequenos núcleos com alemães e suíços, mas o plano foi adiado devido a abundância de mão-de-obra cativa.

O programa foi retomado com a proibição do tráfico negreiro, em 1850, através da Lei Eusébio de Queirós. A partir dali os preços dos escravos começaram a disparar, mesmo com a comercialização entre as províncias, despencando após a Lei Áurea de 1888.

Segundo Laurentino, entre 1886 e 1900, com o estímulo à imigração, o Brasil receberia cerca de 1,3 milhão de europeus, 60% dos quais eram italianos. Isso era quase o dobro de toda população escrava existente no país no ano da Abolição. O projeto era uma questão de sobrevivência nacional.

Os próprios abolicionistas Joaquim Nabuco e André Rebouças defendiam a criação de um imposto territorial como forma de acabar com o latifúndio improdutivo, democratizar a propriedade da terra e atrair imigrantes de outros países. André Rebouças, inclusive, defendia a reforma agrária, coisa que provocou a ira dos fazendeiros até com movimentos de revolta.

Nabuco acreditava que a redução do latifúndio estava ligada ao fim da escravidão como forma de acelerar o desenvolvimento do país. Dizia que era preciso destruir a obra da escravidão. O manifesto da Confederação Abolicionista, fundada em 1883, no Rio de Janeiro, acusava os grandes latifundiários e o sistema escravista de levar o país à ruína ao inviabilizar todo incentivo ao trabalho livre.

“O hábito de distribuir sesmarias era praticado pela Coroa Portuguesa ao longo de todo período colonial, mas o sistema foi sendo desvirtuado após a Independência do Brasil pelas relações de promiscuidade entre o governo imperial e sua base de apoio agrária”- destacou Laurentino. Havia um limite para a área de terra a ser doada de até 12 mil hectares. Depois da independência passou a valer a lei do mais forte, chegando a mais de 200 mil hectares.

Ao contrário dos Estados Unidos, a Lei de Terras Brasileira ergueu barreiras à aquisição dela tanto por parte de negros libertos como de imigrantes pobres que chegavam da Europa. No entanto, havia exceções, como no caso dos confederados norte-americanos.

A lei dos EUA, em 1862, atraiu mais de 5 milhões de imigrantes. Na mesma época, no Brasil, o número não passava de 50 mil. A lei de 1850, conforme descreve Laurentino, foi responsável por boa parte do legado de desigualdades e concentração de privilégios que marcariam o futuro do país.

No âmbito da imigração, a primeira tentativa partiu do senador Nicolau dos Campos Vergueiro, um traficante clandestino de escravos africanos. No começo do século XIX, Vergueiro conseguiu da Coroa vastas poções de terras na região de Piracicaba, Limeira e Rio Claro.

Em 1846 ele iniciou o assentamento de imigrantes na fazenda Ibicaba pelo sistema de parceria. Os colonos assinavam um contrato pelo qual o fazendeiro pagava as passagens, transporte e alimentação até o local de trabalho. Em troca, o colono assumia o compromisso de cultivar as lavouras até ressarcir o proprietário, com 6% de juros por ano. As primeiras famílias vieram da Bavária e da Prússia. Vergueiro colocava o colono na situação de escravo branco.

O tratamento dispensado pelos feitores era semelhante ao vigente nas antigas senzalas. Como resultado, houve uma revolta de estrangeiros na fazenda Ibicaba, em 1857. As denúncias de maus tratos levaram alguns países, como a Prússia, a proibir a vinda de imigrantes para o Brasil.

A TEORIA DO BRANQUEAMENTO

Além de substituir a mão-de-obra cativa, Laurentino assinala que a chegada dos colonos cumpria a tarefa de realizar um dos projetos mais acalentados pela elite brasileira escravocrata no século XIX, o de branqueamento da população, sob a influência das teorias raciais onde se dizia que o negro era inferior e que deveria ser devolvido para a África.

Um dos maiores defensores dessa teoria foi o juiz, deputado e crítico literário Sílvio Romero, desde 1881. “ A vitória na luta pela vida, entre nós, pertencerá no povir ao branco” Ele defendia a extinção do tráfico de africanos e o desaparecimento dos índios, e de outro, a imigração europeia.

Também, o médico Domingos José Nogueira afirmava ser preciso aperfeiçoar a raça no cruzamento do africano com o mulato e este com o branco. O deputado alagoano Aureliano Cândido ia mais longe quando enfatizava que um Brasil só habitado por brancos teria sua riqueza triplicada.

O médico francês Louis Couty foi um dos principais teóricos da inferioridade racial do negro. Era misógino e racista atém a raiz. Couty via a mulher negra somente como objeto sexual que qualquer um poderia possuir.

 

 

OS CONFEDERADOS E A AMAZONAS

Os países sempre olharam a Amazonas como pulmão da terra para evitar a emissão de gás carbônico na atmosfera e contribuir para redução do aquecimento global. No entanto, poucos sabem que sempre existiu outro olhar, especialmente dos norte-americanos, no sentido de colonizar a região e anexá-la aos Estados Unidos, tornando um território de negros escravizados e libertos.

Este outro lado apareceu lá pela metade do século XIX, principalmente a partir de 1865 no final da Guerra da Secessão dos Estados Unidos (início de 1861) quando os Estados Confederados perderam para as tropas da União.

A ideia era se livrar dos negros de modo que a nação ficasse livre dos africanos para assegurar o domínio por pessoas de ascendência europeia. Antes da guerra, até o Lincoln era um dos simpatizantes dessa ideia. Os negros libertos deveriam ser exportados para outras fronteiras. A ausência seria uma benção para os EUA que se livrariam de uma maldição.

Um eloquente defensor do plano foi Matthew Fontaine Maury. Em 1850, antes da guerra, Maury traçou um plano de ocupação da Amazonas por colonos norte-americanos, acompanhados de seus escravos. Seria o primeiro passo para sua anexação definitiva ao território dos EUA. O documento definia os brasileiros como povo “imbecil e indolente”. Seu pensamento não era isolado. Existia um plano para Brasil e Estados Unidos se aliarem para fazer frente à Inglaterra abolicionista.

Os representantes do Sul queriam criar um país independente, separado da União. Na guerra morreram 620 mil soldados, sendo 260 mil dos Confederados e 360 mil da União. O total de vítimas foi de 750 mil. Os escravos do Norte, mais industrializado, aderiram ao abolicionismo. O Sul, (Vale do Mississipi, Louisiana, Nebraska, Kansas) mais agrícola, era escravista até a medula.

A eleição de Abraham Lincoln (defendia a deportação dos negros) serviu de pretexto para a criação da Confederação. Muitos optaram pelo Alasca, comprado dos russos por 7,2 milhões de dólares. O Brasil aparecia como outro destino não tocado pelos abolicionistas, e o Império foi, entre todos governos da América Latina, o que mais deu apoio ao Sul Escravista dos EUA. “Era como se o Brasil fosse apenas mais um dos Estados Confederados da América”, observou o historiador Gerald Horne.

Muitos sulistas disseminaram a ideologia de se fazer uma limpeza racial, o chamado “branqueamento” jogando os cerca de quatro milhões de negros para o Amazonas onde ali se formaria um país, como aconteceu na Libéria e no Siri Lanka. A intenção era tomar a Amazônia, mesmo na base das armas.

A trilogia “Escravidão”, do jornalista e escritor Laurentino Gomes, narra essa passagem em sua obra onde os derrotados Confederados tentaram concretizar esse projeto, mas não deu certo, sobretudo por causa das adversidades do local. Muitos terminaram morrendo de malária e outras doenças.

Nesse trajeto de se mudarem para o Brasil, outros criaram, com total apoio e ajuda de D. Pedro II, as colônias de Santa Bárbara do Oeste e Americana, tudo com o dinheiro do Tesouro Nacional e terras de graça, enquanto os negros nem foram indenizados pelos 350 anos de cativeiro e sofrimento.

Laurentino descreve que, em novembro de 1865, último ano da Guerra da Secessão, um texto com o título “Emigração para o Brasil” chamava a atenção dos leitores do jornal Enquirer, de Columbus, na Geórgia. Era uma convocação aos agricultores Confederados que tinham perdido tudo no conflito civil.

O primeiro destino seria Belém, no Pará, e de lá para um local na floresta Amazônica, como o nome de “Colônia Pioneira do Major Warren Hastings”. Um livro seu guiava a marcha para o oeste em que milhares de pessoas cruzaram as montanhas rumo a Oregon e à Califórnia.

Durante a guerra civil, seus olhos se voltaram para a Amazônia Brasileira, grande fronteira do continente a ser ocupada pelos norte-americanos. Para observar a região, ele fez quatro expedições. Manteve contatos com o governo do Pará e com o Império. Na travessia, muitos morreram de doenças e naufrágio.

Na quarta tentativa, um grupo de 109 colonizadores consegui chegar a Santarém, no final de 1867, a bordo do navio Inca, mas Hastings morreu de febre amarela no meio da jornada, sem ver seu sonho realizado, ou a terra prometida. O governo do Pará prometeu dar abrigo e alimentação por seis meses (desembolsou 13 mil dólares) e vender seis léguas quadradas de terras nas margens do rio Tapajós.

No começo de 1868 a colônia já contava com cerca de duzentas pessoas sob o comando do coronel Miguel Antônio Pinto Guimarães. Hastings queria total autonomia em relação ao governo brasileiro, mas as autoridades imperiais não aceitaram, se bem que fizeram outras concessões. A colônia teve vida curta.

De acordo com Laurentino, entre 1865 e 67, os norte-americanos instalaram seis colônias agrícolas no Brasil, como em Linhares, no Espírito Santo, Paranaguá, no Paraná, Juquiá e Ney Texas, divisa de São Paulo com o Paraná, Santa Bárbara do Oeste e Americana (São Paulo).

Nas celebrações de seus eventos eles hasteavam a bandeira dos Confederados, usando os mesmos símbolos que acompanhavam os soldados em direção aos campos de batalhas. Um obelisco emoldurado pela bandeira deles marca a entrada do cemitério, criado depois que um funcionário do município de Santa Bárbara recusou sepultar os imigrantes presbiterianos no local reservado aos católicos.

Em 1972, Santa Bárbara recebeu a visita de dois ilustres, o então governador da Geórgia e futuro presidente dos EUA, Jimmy Carter e sua esposa, que foram lá homenagear a memória dos confederados.  Até hoje, como descendentes dos Confederados temos a cantora Rita Lee Jones, a ministra aposentada do STF, Ellen Gracie e o falecido engenheiro fundador da Engesa, José Luiz Ribeiro.

O autor de “Escravidão” conta o caso curioso de Steve Watson, um escravo alforriado do após guerra que acompanhou seus antigos donos na mudança para o Brasil. Ele e seu proprietário se instalaram na colônia New Texas, entre Paraná e São Paulo.

Pelos contratos, o governo venderia terras em qualquer uma de suas colônias, nas localidades que os imigrantes preferissem.  As escrituras eram lavradas de imediato. Os que comprassem terras teriam direito à cidadania após dois anos de residência, ou até antes disso, sendo naturalizados brasileiros, com todas regalias, inclusive de não participarem da Guerra do Paraguai.

Pela ideologia do “branqueamento”, “o Brasil oferecia aos imigrantes todos direitos, garantias e privilégios que sempre foram negados a milhões de outras pessoas residentes no território nacional, incluindo indígenas e os escravos” – destacou o autor de “Escravidão”.

Junto com as novas técnicas de cultivo agrícola, os Confederados trouxeram dos Estados Unidos as práticas cruéis no tratamento de escravos, tanto que em 1873 um cativo, por ser tão castigado, matou a enxadadas o imigrante coronel Oliver. Os vizinhos lincharam o negro e o penduraram no galho de uma árvore. Era a chamada Lei de Lynch (linchamento).

 





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