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:: ‘Encontro Com os Livros’

“AS ABOLIÇÕES DA ESCRAVATURA NO BRASIL E NO MUNDO”

Marcel Dorigny – Editora Contexto

“…Quem pretende transformar um ser humano em coisa, também se coisifica”. Este pensar está na abertura do prefácio da obra de Marcel Dorigny, um historiador do Departamento de História da Universidade de Paris VIII.

Marcel delineia as diferenças entre antirracista, antirracismo, abolicionista e abolicionismo, cujas ideias tiveram início no século XVIII na França e na Inglaterra. Destaca as primeiras rebeliões ou resistência dos escravos africanos. Os embates amadureceram no século XIX.

O historiador, de acordo com seus estudos, nos oferece uma série de fatores que resultaram no fim da escravidão, como o desenvolvimento da indústria, a necessidade de ampliação do mercado consumidor, o fenômeno da urbanização, a consciência dos intelectuais em decorrência das ideias da Revolução Francesa, mas, sobretudo, a resistência dos cativos africanos.

Ao se referir aos países mais “avançados” da Europa, assinala que as ideias de tolerância e afirmação dos direitos naturais do homem (liberdade e igualdade) foram uma poderosa força no processo que levou à condenação da escravidão.

“Do mesmo modo, as novas teorias de economia política da segunda metade do século XVIII contribuíram para tornar a escravidão cada vez mais desnecessária para o desenvolvimento da nova economia”.

Sobre as “resistências à escravidão”, o historiador cita o debate parlamentar das Leis de Mackau, de 1845, enquanto os defensores da continuidade nas colônias diziam que os escravos eram mais felizes que os operários das minas ou das fábricas. Um dos dirigentes da Sociedade Francesa pela Abolição da Escravatura (1834), Agénor de Gasparin, contestou esse absurdo com dados sobre a venda de escravos, as rebeliões e a manutenção da força de repressão, cada vez mais onerosa. Lembra que o movimento em São Domingos (Haiti), no final do século XVIII, representava um constante perigo de uma concentração maior de “não livres”.

Em 1840, Victor Schoelcher observou que para evitar um levante a solução era a abolição imediata. Em contraste com as belas pinturas e ilustrações, existia um trabalho pesado nas plantações de cana-de-açúcar ou de algodão, o trabalho braçal nas cidades, os castigos dos chicotes, do pelourinho e da prisão.

Quanto as resistências à escravidão, o autor do livro aponta que o primeiro navio a levar escravos africanos a São Domingos chegou em 1503. A resistência tinha início nos embarques dos escravos nos porões dos navios e continuava na recusa ao trabalho forçado (uma prova do arcaísmo), o suicídio, a recusa de gerar filhos (abortos e assassinatos), a fuga das plantações e desleixo na execução dos serviços. Só o chicote do capataz os estimulava.

Na resistência ainda ocorriam o envenenamento dos animais, dos poços de água ou dos próprios senhores nas tarefas domésticas. Tudo era resultado de uma opressão insuportável.  Os fugitivos se refugiavam em zonas de difícil acesso para as forças de repressão, como nas Montanhas Azuis, na Jamaica (lugares de memória da marronagem, os marrons), que se transformaram em centros de fortificações semelhantes aos nossos quilombos.

Os ingleses perderam a guerra contra eles em 1739. Um tratado deu autonomia ao enclave das Montanhas Azuis. O mesmo aconteceu no Suriname Holandês e na Guiana Francesa. “ Em São Domingos, em meados do século XVIII, essa grande marronagem foi liderada por Makandal, que semeou o terror nas plantações, culminando depois com a Revolução Haitiana, entre 1791 e 1803.

No Brasil, os fugitivos se escondiam no coração das florestas, fora do alcance das tropas portuguesas. Ali se formaram os famosos quilombos, como dos Palmares. Marcel cita a famosa frase de Diderot: “Aquele que justifica um tal sistema merece do filósofo um profundo desprezo, e do negro, uma facada”.

No capítulo “As contestações ao Tráfico e à Escravidão”, o autor da obra fala sobre os antiescravistas, abolicionistas e reformadores coloniais, bem como, no emprego da palavra antiescravista e antiescravismo, abolicionista e abolicionismo. O primeiro limita sua ação a uma condenação moral da escravidão, que pode ser religiosa, ética ou econômica, sem dar uma solução.

O abolicionista é um ato político que prevê modalidades concretas de abolição e o tipo de sociedade que se criará depois. O abolicionista (moderado e radical) queria a destruição da escravidão. O moderado considerava a abolição por etapas e o radical recusava a ideia do fim progressivo. Entre servidão e liberdade não poderia haver categorias jurídicas intermediárias – defendia.

O historiador faz uma distinção entre o antiescravismo, que estabelece as bases da condenação de um sistema, e o abolicionismo que dá um passo a mais e propõe as modalidades da própria abolição, além de prevê as formas de transição entre o trabalho forçado e o livre. Existia ainda o reformador colonial na primeira metade do século XIX, que defendia a manutenção da escravidão por um curto prazo. Propunha “arranjos” e não a destruição radical.

Houve um antiescravismo cristão, cuja origem filosófica se baseava no igualitarismo evangélico (os quarkers), fundado no Gênesis, onde Adão e Eva representam a origem da humanidade, vinda da mesma fonte primitiva, o que condena de início a ideia de hierarquia entre as raças humanas, isto é, a exploração de uns contra os outros.

Essa concepção igualitária eliminava as justificativas da escravidão por natureza, que se baseavam no pressuposto da desigualdade entre os diferentes ramos da espécie humana, ou na maldição de Cam. A corrente do igualitarismo, de inspiração evangélica, foi dominante na Inglaterra e nos Estados Unidos, numa dissidência da Igreja Anglicana. Assim surgiu o movimento antiescravista e depois o abolicionista inglês e americano até o século XIX, liderado por pastores, tendo como maior exemplo os quakers, primeiros a proibir por parte dos seus membros a escravidão na Pensilvânia. “Não se pode ser Quaker e dono de escravo ao mesmo tempo”.

Marcel afirma que a teoria da extinção da escravidão ficou explicita no discurso de Mirabeau (um dos precursores do fim do cativeiro foi Montesquieu) e seu grupo, entre agosto de 1789 e março de 1790, onde propõe à Assembleia Constituinte votar a abolição do tráfico, num acordo franco-inglês. Ele mantinha troca de ideias com o abolicionista inglês Thomas Clarhson que apresentava a tese de um fim gradual da escravidão.

No século XVIII os abolicionistas eram minoritários e isolados, pois imaginar o futuro das colônias sem cativos era uma audácia, denunciada como contrária aos interesses nacionais. Eram considerados inimigos das colônias e da França. A Sociedade dos Amigos dos Negros, na França, foi acusada de instrumento nas mãos da Inglaterra para destruir a França. Os colonos e armadores denunciaram os deputados da Assembleia que votaram a favor da igualdade de direitos políticos aos “livres de cor” das colônias.

No fundamento da igualdade entre os homens (Iluminismo) sobre a igualdade natural, Diderot, Raynal e Voltaire são exemplos dessa corrente de pensamento. A Igreja Católica jamais condenou a escravidão enquanto instituição. Nem o Antigo e o Novo Testamento condenam a redução dos povos vencidos na guerra à escravidão, mas apresentam como uma prática que poupava a vida dos vencidos que o direito da guerra permitia matar.

Existiram exceções individuais, como do abade Grégoire, excomungado pela Igreja de Roma. A Europa foi a primeira a formular uma condenação filosófica, religiosa e econômica da escravidão. Na trajetória do antiescravismo para o abolicionismo, essa primeira etapa ocorreu até o início dos anos 1770. No antiescravismo, o argumento era de que o fim da escravidão não seria o fim das colônias, mas permitira, ao contrário, um aumento de prosperidade e a fundação de novas colônias, organizadas nas relações de igualdade entre os povos. Novas correntes foram desenvolvidas a partir do final dos anos 1750. Para os filósofos, a escravidão era uma forma de trabalho ultrapassado, arcaica e pouco produtiva, ao contrário de trabalho livre.

Diderot e o abade Raynal escreveram os textos mais radicais. Segundo eles, o fim da escravidão se dará pela violência da revolta e não por uma série de reformas que abram o caminho para sua extinção pacífica.

Esses dois nomes foram objetos de ódio e de rancor nos meios coloniais, principalmente após a revolta dos escravos em São Domingos, em 1791. Eles propunham soluções de abolições graduais. A sociedade colonial vivia no temor constante de revoltas, mais numerosas na segunda metade do século XVIII.

Foi nessa lógica que, já nos anos 1770, na América do Norte, e nos anos 1780, na Inglaterra e na França criaram-se as primeiras sociedades antiescravistas, com projetos políticos de um movimento abolicionista.

Em 1775, foi fundada a primeira sociedade antiescravista na Filadélfia, sob a égide do próprio Benjamim Franklin. Diante disso, os ingleses e os franceses acreditavam que o fim da escravidão começaria nos Estados Unidos

ESCRITORES BRASILEIROS E REGIONAIS

Tenho observado que os nossos escritores, intelectuais e professores em geral costumam citar pensamentos e obras de autores estrangeiros e pouco sobre os nossos brasileiros, principalmente os nordestinos, muitos dos quais chamados de regionais, sem falar dos locais, no caso específico dos nossos conquistenses.

Não sei se posso considerar esse tipo de comportamento como esnobismo de conhecimento, ou incluir naquela máxima de Nelson Rodrigues, de que temos o “complexo de vira-lata”, isto é, de inferioridade, por não valorizar o que é nosso, a prata da casa. É um tal de norte-americano, inglês, russo, francês, português, espanhol, polonês, argentino, uruguaio, colombiano e tantos outros.

Até parece mais chique citar um “gringo” do que um brasileiro, um regional ou local. Nosso país é rico em grandes escritores, como Jorge Amado, Câmara Cascudo, José de Alencar, Érico Veríssimo, Graciliano Ramos, Lima Barreto, Machado de Assis, Aloísio Azevedo, Fernando Sabino, Paulo Coelho, Rubem Braga, João Ubaldo Ribeiro, Euclides Neto, Raul Pompéia, Guimarães Rosa, Afrânio Peixoto, Gilberto Freire, Luiz Gama, Oswaldo de Andrade, Mário de Andrade, Monteiro Lobato, sem contar os grandes poetas que temos.

Vamos ser mais simples e abrir mais discussões literárias em torno dos nossos escritores que falam da nossa cultura com seus personagens que se identificam com a gente, embora os estrangeiros tenham grande importância e não devemos deixar eles de lado porque o saber tem que ser universal.

Mesmo entre nós brasileiros, temos a mania de desprezar o talento da terra e prestigiar o de fora, muitas vezes até de nível duvidoso. Vemos isso nas feiras literárias regionais onde os organizadores procuram sempre convidar os considerados “famosos” de outra região ou estado, em detrimento daqueles onde o evento está se realizando.

Na avaliação dos programadores, a feira só tem audiência e visibilidade maior se chamar um nome que esteja mais badalado na mídia e na propaganda das editoras, mesmo que não tenha lá esse conteúdo todo. Esse tipo de coisa não ocorre somente na literatura, mas também em festas culturais que abrangem outras linguagens artísticas, como a música, as artes plásticas e visuais.

Entendo que antes de tudo, uma feira literária, seja aonde for, só alcança seus objetivos de criação quando coloca em primeiro lugar os escritores locais que já sofrem com a falta de apoio dos poderes públicos. Muitos são independentes ou publicam suas obras através de pequenas editoras e lutam para vender suas obras e se tornarem conhecidos do leitor.

Claro que o intercâmbio e a troca de ideias não devem deixar de existir, mas vamos priorizar o escritor local e assim despertar e estimular o surgimento de novos talentos. Aqui mesmo em Vitória da Conquista temos grandes escritores e poetas que não vou citar nomes para não cometer certas injustiças.

Agora mesmo vamos ter a Feira Literária de Conquista, a Fliconquista, que já é um grande passo e elogiável iniciativa para prestigiar e valorizar esta linguagem artística, por tantos anos esquecida do nosso público.

No entanto, deixo aqui minha sugestão de que passada esta feira, seja realizado um encontro de escritores conquistenses, um foro de discussões, para dizermos quem somos, como atuamos e, principalmente, falarmos das nossas dificuldades em escrever e lançar um livro.

Precisamos montar estratégias de cooperação, deixando de lado as vaidades das fogueiras, para nos tornarmos mais conhecidos incluindo todas as faixas etárias, desde o mais jovem estudante ao mais idoso. Precisamos fazer chegar nossas obras até às mãos de novos leitores, a começar pelas escolas, bibliotecas e associações.

 

 

“DENTRO DA BALEIA E OUTROS ENSAIOS” (Final)

REFLEXÕES SOBRE A LITERATURA NOS REGIMES TOTALITÁRIOS E NAS DEMOCRACIAS; A PROSA E O POEMA; OS CIENTISTAS; E OS MALÉFICIOS DA MECANIZAÇÃO NAS ARTES. “COMO ACONTECE COM CERTOS ANIMAIS SELVAGENS, A IMAGINAÇÃO NÃO SOBREVIVE EM CATIVEIRO”.

O escritor indiano-inglês, George Orwell, em sua obra “Dentro da Baleia e Outros ensaios” faz uma reflexão sobre a literatura nos regimes totalitários e nas democracias e como ela consegue sobreviver. Sobre o poema e a prosa, diz que o primeiro pode ser elaborado em conjunto, até na batida de um instrumento onde uma inspiração vai se juntar com a do outro, enquanto a segunda requer mais solidão e trabalho individual.

No capítulo “A Prevenção contra a Literatura”, ele começa citando “Pen Club” (clube internacional de escritores fundado em 1921) e a Areopagítica de John Milton, de 1644, um panfleto em defesa da liberdade de imprensa. Sobre o clube, descreve que, de um lado, estavam os apologistas do totalitarismo e do outro os inimigos do monopólio e da burocracia (a concentração da imprensa nas mãos de uns poucos ricos).

“A independência do escritor e do artista é devorada por forças econômicas vagas e, ao mesmo tempo, corroída por aqueles que deveriam ser seus defensores”… “A liberdade de pensamento e de imprensa são normalmente atacadas com argumentos que nem vale a pena mencionar”. É claro que ele fala da sua época dos anos 30/40, mas sua observação vale para nossos tempos atuais.

Em sua análise, afirma que os católicos e os comunistas são semelhantes na suposição de que um oponente não pode ser ao mesmo tempo honesto e inteligente. Cada um deles alega que a verdade já foi revelada e que o herético está secretamente ciente da “verdade” e resiste a ela meramente por razões egoístas.

Em sua crítica, a liberdade do intelecto significa liberdade para relatar o que se viu e sentiu, e não ser obrigado a fabricar fatos e sentimentos imaginários. “O argumento de que contar a verdade “seria inoportuno” ou “favoreceria o jogo” de alguém é considerada irrespondível, e poucas pessoas se incomodam com a perspectiva de as mentiras que elas toleram irem para os jornais e livros de história”.

Orwell destaca que a mentira organizada, praticada por estados totalitários, é algo inerente ao totalitarismo. Para ele, uma mentira grande não é pior do que uma pequena. “Uma sociedade totalitária que tivesse sucesso em se perpetuar estabeleceria provavelmente um sistema de pensamento esquizofrênico”… Segundo o escritor, existem pessoas que consideram um escândalo falsificar um texto científico, mas que nada seria errado falsificar um fato histórico.

Na literatura política, em sua avaliação, o totalitarismo exerce maior pressão sobre o intelecto. “Isso explica em parte o fato de em todos os países ser mais fácil para os cientistas do que para os escritores alinhar-se aos respectivos governos”.

Sobre a Inglaterra, onde os inimigos da verdade são os barões da imprensa e na Rússia soviética ser um território proibido na imprensa britânica, certos temas são excluídos do debate. “Todo escritor é um político, e cada livro é necessariamente um trabalho de reportagem honesta”. Muitos supõem que o escritor é uma pena de aluguel – assinala.

Em sua ótica, o jornalista não é livre e tem consciência da falta de liberdade quando é forçado a escrever mentiras ou a suprimir o que a ele parecem notícias importantes. “O escritor imaginativo não é livre quando precisa falsificar os sentimentos subjetivos que, de um ponto de vista, são fatos. Ele pode distorcer a realidade de forma a tornar mais claros seus objetivos, mas não pode adulterar seu cenário mental. Se ele for forçado a fazer isso, o único resultado será que suas faculdades criativas vão secar”.

Em sua opinião, literatura genuinamente apolítica é coisa que não existe, menos ainda em uma época como a nossa, quando medos, ódios e lealdades de um tipo claramente político estão próximos da superfície na consciência de todas as pessoas.

A PROSA E A POESIA

Em seu ensaio, ressalta que a literatura algumas vezes floresceu sob regimes despóticos, porém conforme foi assinalado com frequência, os despotismos do passado não eram totalitaristas. A prosa literária atingiu seu nível mais alto nos períodos de democracia e livre reflexão.  Essa prosa desapareceu durante a única era de fé que a Europa já teve. Ao longo da Idade Média, quase não existiu prosa literária imaginativa, e bem pouco texto histórico.

De acordo com ele, não está claro se os efeitos do totalitarismo sobre a poesia são necessariamente tão fatais quanto sobre a prosa. Há uma série de razões convergentes pelas quais é um pouco mais fácil para um poeta do que para um prosador sentir-se à vontade em uma sociedade autoritária. Burocratas e outros homens “práticos” desprezam os poetas por terem grande interesse no que ele está dizendo.

“A ideia contida em um poema é sempre simples. Um poema é uma combinação de sons e associações, como uma pintura é um combinado de pinceladas. Para fragmentos curtos, na verdade, como no refrão de uma música, a poesia pode até mesmo abrir mão totalmente do significado. É relativamente fácil para um poeta manter-se distante de temas perigosos e evitar expressar heresias e, mesmos quando expressam, elas podem passar despercebidas”.

Na poesia existe, segundo o ensaísta, o tipo de colaboração, o contrário da prosa que é feita mais na solidão. “A poesia pode sobreviver até mesmo sob regime mais inquisitorial. Mesmo em uma sociedade em que a liberdade e a individualidade foram extintas, ainda haveria necessidade de músicas patriotas e baladas heroicas que comemorassem conquistas e bajulação”.

A história das sociedades totalitárias sugere que a perda de liberdade é inimiga de todas as formas de literatura – segundo sentencia Orwell, ao apontar que a literatura alemã quase desapareceu durante o governo de Hitler, e a situação não foi diferente na Itália, bem como na Rússia desde que se deteriorou nos primeiros dias da Revolução em 1917, embora alguns poemas pareçam ser melhores do que na prosa.

Sobre a Europa Ocidental e a América, destaca que parcelas da literatura passaram pelo Partido Comunista ou foram simpatizantes, mas esse movimento para a esquerda produziu poucos livros dignos de se ler. “O catolicismo ortodoxo parece ter um efeito esmagador sobre certos gêneros, como o romance. Ninguém jamais escreveu um bom livro em louvor à Inquisição”.

Em sua crítica, a poesia pode sobreviver em regimes totalitários, mas o escritor da prosa não teria escolha entre o silêncio e a morte. “A destruição da liberdade mutila o jornalista, o escritor, o historiador, o romancista, o crítico e o poeta, nessa ordem”.

A MECANIZAÇÃO NAS ARTES

George Orwell chegou a prever a mecanização das artes como um todo onde haveria uma queda de produção, autenticidade e conteúdo. “É provável que romances e contos sejam substituídos por filmes e programas de rádio. Um processo de mecanização já pode ser visto em funcionamento no cinema e no rádio em níveis mais baixos de jornalismo”.

Os filmes da Disney são produzidos por um processo fabril de forma mecânica, em parte por grupos de artistas que precisam sujeitar seu estilo individual. Peças de rádio são escritas por redatores exaustos. O que eles escrevem é um material bruto, fatiado e formatado por produtores censores, bem como livros encomendados por departamentos do governo – ressalta o autor.

Nessa mecanização ele cita contos, seriados e poemas para revistas mais baratas. Declara que em jornais abundam anúncios de escolas de literatura, todas oferecendo enredos prontos por poucos xilins por hora. Outras fornecem frases de abertura e de encerramento de cada capítulo. Algumas, pacotes de cartões, com anotações sobre personagens e situações…

A imaginação, conforme diz, seria eliminada do processo de escrita. De forma indireta ele chegou a prever a criação da inteligência artificial quando afirmou que a imaginação seria eliminada do processo de escrita. Os livros seriam planejados por burocratas e depois passariam por tantas mãos que terminariam não sendo mais um produto individual do que um carro da Ford ao fim da linha de montagem. Para o autor, algo assim seria uma porcaria.

“Para exercer seu direito à liberdade de expressão, você precisa lutar contra a pressão econômica e contra parcelas poderosas da opinião pública, mas não, ainda contra a polícia secreta. O grande público não se importa com a questão, de uma forma ou de outra. Eles são ao mesmo tempo lúcidos demais e estúpidos demais para desenvolverem o ponto de vista totalitário”.

OS CIENTISTAS PRIVILEGIADOS

Segundo Orwell, a Rússia é um pais grande em desenvolvimento que tem uma necessidade aguda de cientistas e, por isso, trata eles com generosidade. Desde que não se metam com psicologia, eles são privilegiados. Por sua vez, os escritores são perseguidos e deles é extirpada a liberdade de expressão. O cientista deve dizer: Os escritores são perseguidos. “E daí, eu não sou escritor”. O Estado totalitário tolera o cientista porque precisa dele, a exemplo da Alemanha nazista onde eles não ofereceram resistência a Hitler- enfatiza Orwell.

O cientista pode até gozar de certo grau de liberdade, mas Orwell adverte que se ele quer salvaguardar a integridade da ciência, é seu dever ser solidário para com os colegas literários e não considerar com indiferença que escritores sejam silenciados ou levados ao suicídio, e os jornais falsificados.

Por fim, ele ressalta que a literatura está condenada se a liberdade de pensamento perecer. Em seu ponto de vista, uma mente vendida é uma mente estragada, tornando impossível a criação literária. “No momento, sabemos apenas que a imaginação, como certos animais selvagens, não sobrevive em cativeiro”.

 

 

 

“DENTRO DA BALEIA E OUTROS ENSAIOS” III

AS CRÍTICAS DE TOLSTÓI ÀS PEÇAS DE SHAKESPEARE E A DEFESA DE GEORGE ORWELL EM RESPOSTA AO RUSSO.

No capítulo “Lear, Tolstói e o Bobo”, o autor de “Dentro da Baleia e Outros Ensaios”, George Orwell expõe as críticas de Tolstói contra o escritor e dramaturgo Shakespeare onde, ao mesmo tempo, rebate o russo relatando partes negativas de sua vida e afirma que ele não tinha propriedade para menosprezar as obras do poeta inglês, especialmente quanto a sua habilidade para com as palavras, que soavam como música.

Ao analisar a peça Rei Lear, Tolstói, através do seu panfleto, considera que Shakespeare não é nem “um autor mediado”, quanto mais um gênio. Em sua apresentação sobre o do enredo de Rei Lear, o russo julga como estúpido, verborrágico, antinatural, incompreensível, bombástico, vulgar, tedioso e repleto de episódios inverossímeis, “loucos desvarios”, cheio de obscenidades, sem contar as faltas morais e estéticas.

“Lear é, de qualquer forma, plágio de uma peça mais antiga e muito melhor, Rei Leir, de autoria desconhecida, que Shakespeare roubou e arruinou”. Em seu panfleto, o russo arrasa o inglês com termos depreciativos. O veredicto final de Tolstói sobre Lear, conforme descreve Orwell, “é que nenhum observador não hipnotizado, se um observador assim existisse, conseguiria ler a peça até o fim com nenhum sentimento, exceto “aversão e fastio”.

Sua crítica áspera inclui todas suas outras peças, segundo ele, sem sentido que foram, dramatizados, como Péricles, Noite de Reis, A Tempestade, Cimbelino, Troilo e Créssida. Ele acha que Shakespeare tem alguma habilidade técnica, devido em parte ao seu passado, como ator, mas absolutamente nenhum outro mérito.

Para Tolstói, a linguagem do inglês é exagerada e ridícula, que enfia os próprios pensamentos aleatórios na boca de qualquer personagem que por acaso esteja à mão. “Demonstra “uma ausência completa de senso estético, e suas palavras ”não têm nada em comum com a arte e nem com a poesia. Shakespeare pode ter sido o que você quiser, mas ele não era um artista” – diz Tolstói, acrescentando que sua tendência é do “tipo mais baixo e imoral”. “Seu princípio é que o fim justifica o meio”.

Na análise do russo, a fama do inglês está em uma espécie de “hipnose das massas” ou em uma “sugestão epidêmica”. Ressalta ainda que o mundo civilizado vem sendo induzido a pensar que Shakespeare é um bom escritor. Sobre a fama do inglês, o russo declara que ela foi promovida por acadêmicos alemães no final do século XVIII. “Sua reputação surgiu na Alemanha e de lá foi transferida para a Inglaterra”.

Do outro lado, com relação às críticas de Tolstói, o autor de “Dentro da Baleia e Outros Ensaios”, retruca que o sentimento que se tem é de que, ao descrever o inglês como um mau escritor, ele está dizendo algo demonstrativamente inverídico. Para Orwell, não existe nenhum tipo de evidência ou argumento pelo qual se possa demonstrar que Shakespeare, ou qualquer outro escritor, seja “bom”, nem que seja “ruim”. “Não existe teste de mérito literário, a não ser a sobrevivência”.

“Teorias artísticas como a de Tolstói são bastante inúteis porque não apenas partem de princípios arbitrários como dependem de termos vagos, que podem ser interpretados de qualquer forma que se queira”. Orwell indaga o porquê dos ataques de Tolstói. Em sua opinião, o russo usa muitos argumentos fracos ou desonestos. “Sua análise sobre Rei Lear é “imparcial”, como duas vezes ele alega ser. Ao contrário, é um longo exercício de distorção”.

Orwell afirma que nenhuma dessas interpretações equivocadas é por si muito grosseira, mas o efeito cumulativo é exagerar a incoerência psicológica da peça. Diz também que Tolstói não é capaz de explicar por que as peças de Shakespeare ainda estavam sendo impressas e encenadas duzentos anos depois de sua morte. Mais diante chama o trabalho de Tolstói de simples adivinhação, pontuado por declarações falsas explícitas.

Destaca que muitas das acusações do russo se contradizem mutuamente. “De modo geral, é difícil sentir que as críticas de Tolstói são feitas de boa-fé”. Entende ser impossível que ele acreditasse na tese principal que, por um século ou mais, todo mundo civilizado tenha sido engolfado por uma mentira enorme e palpável que ele, e somente ele, tenha sido capaz de perceber.

Em determinado trecho, Orwell chega a concordar com Tolstói quando critica que a peça Lear não é muito boa por ser longa demais e ter excessos de personagens e de subtramas.

Entretanto, assinala que “Tolstói era capaz de repudiar a violência física e de enxergar o que isso implica, mas não era capaz de tolerância nem de humildade, e, mesmo sem conhecer nenhum de seus outros textos, uma pessoa poderia deduzir sua tendência à intimidação espiritual a partir desse único panfleto”. Sua rixa com Shakespeare vai além. É uma rixa entre as atitudes religiosas e as humanistas diante da vida – rebate Orwell.

O autor de “Dentro da Baleia e Outros Ensaios” observa que existe um episódio de semelhanças entre a peça de Lear e a vida de Tolstói que foi seu ato imenso e gratuito de renúncia. “Em sua velhice renunciou às propriedades, aos títulos e direitos autorais e fez uma tentativa, não bem-sucedida de escapar de sua posição privilegiada e levar a vida de um camponês. Tolstói renunciou ao mundo na expectativa de que isso o faria feliz, mas não foi feliz”.

 

 

“DENTRO DA BALEIA E OUTROS ENSAIOS”

De George Orwell

EM SEU LIVRO DENTRO DA BALEIA E OUTROS ENSAIOS, O AUTOR FAZ UMA EMERSÃO SOBRE AS OBRAS DE HENRY MILLER E OUTROS, UMA DESCRIÇÃO SOBRE A DURA VIDA SUFOCANTE DOS MINEIROS NO CAPÍTULO “MINA ABAIXO”, UMA DESCRIÇÃO DOS INGLESES EM “INGLATERRA, SUA INGLATERRA”, “O ABATE DE UM ELEFANTE”, “LEAR, TOLSTÓI E O BOBO”, “POLÍTICA VERSUS LITERATURA”, “A POLÍTICA E A LINGUA INGLESA”, “A PREVENÇÃO CONTRA A LITERATURA” E, FINALMENTE, “SUMÁRIO DE MENINOS”.

Vamos aqui focar sobre o que o indiano Orwell fala sobre o escritor norte-americano Henry Miller, de “Trópico de Câncer” e “Primavera Vermelha”, em sua passagem pela Paris decadente dos anos 30, dos bares entupidos de bêbados, das pensões de percevejos, dos arruaceiros, dos artistas pintores, muitos dos quais “impostores”, das obscenidades e do antifascismo versus comunismo.

No capítulo “Dentro da Baleia”, ele afirma que conheceu Miller no fim de 1936, quando estava passando por Paris a caminho da Espanha. “O que mais me intriga nele foi descobrir que não tinha o menor interesse pela guerra na Espanha. Ele meramente me disse, em termos bastante enfáticos, que ir para Espanha naquela altura era a atitude de um idiota”.

Opinou ainda que se envolver naquelas questões da guerra, por um sentido de dever, era franca estupidez. Para Miller, combater o fascismo e defender a democracia eram conversa fiada. Uma perspectiva que não lhe incomodava era a civilização ser varrida e substituída por uma coisa diferente da humana.

Sobre um inquérito a respeito da guerra, feito pela revista Marxist Quarterly, Miller respondeu que não tinha nenhum desejo de converter alguém a lutar. Segundo Orwell, uma declaração de irresponsabilidade. Em sua opinião, os escritores dos anos 20 assumiram a postura mais progressista e os de 30 a do dizer amém.

Nesse aspecto, o Miller não assume nenhuma atitude, mas não ignora a situação. “Ele acredita na ruína iminente da civilização ocidental com muito mais firmeza do que os escritores “revolucionários”. Apenas não se sente convocado a fazer coisa nenhuma a respeito. Ele toca violino enquanto Roma queima e, ao contrário da imensa maioria das pessoas que fazem isso, toca de frente para as chamas”.

Na verdade, isso está ocorrendo nos tempos atuais quando nos incomoda o silêncio dos bons. Muitos contam um bocado de coisa sobre si mesmo, enquanto fala de outra pessoa, como em Max and the white phagocytes.

Orwell conta a história bíblica da baleia que engole Jonas, considerando um fragmento de fala infantil, e ressalta que estar dentro desse enorme peixe é uma ideia muito confortável, aconchegante e caseira. O Jonas histórico ficou bastante aliviado por escapar, “mas, na imaginação, no devaneio, inúmeras pessoas o invejaram”.

De acordo com ele, o próprio Miller está dentro da baleia. Apenas ele não sente nenhum impulso de alterar ou controlar o processo pelo qual está passando. Ele executou o ato essencial de Jonas ao permitir-se ser engolido, permanecendo passivo, aceitando

“DENTRO DA BALEIA E OUTROS ENSAIOS”

De George Orwell, de a “Revolução dos Bichos”

Para escritores e outros que ainda não leram, deve se debruçar sobre as críticas literárias de George Orwell aos livros “Trópico de Câncer” e “Primavera Negra”, de Henry Miller, bem como de outros autores, como Alfred Edward Housman, J. Joyce. T.S. Eliot, E. Poud. D. H. Lawrence,  Wyndham Lewis, Aldous Huxley e Lytton Strachey.

Sobre esse grupo, diz Orweel que eles não parecem um grupo. Lawrence  e Eliot não gostavam um do outro. Huxley adorava Lawrence, mas era repelido por Joyce. A maioria teria esnobado Huxley. Lewis atacava todos os outros.

“Se a ideia básica dos poetas georgianos era a “beleza da natureza”, a dos escritores do pós-guerra (I Guerra) seria o “sentido trágico da vida”. Todos eles têm um temperamento hostil à noção de “progresso”. O sentimento é que nem deveria acontecer.

O pessimismo de Eliot em parte é um lamento sobre a decadência da civilização ocidental. Em sua análise, a inclinação de todos os escritores desse grupo é conservadora. Muitos tinham queda pelo fascismo, outros eram indiferentes. Huxley, desespero com a vida.

Por que os principais escritores dos anos 20 são pessimistas? Por que há sempre uma sensação de decadência. Não seria, quem sabe porque essas pessoas escreveram em uma época de conforto excepcional? “É só em períodos assim que o “desespero cósmico” pode florescer. Pessoas de barriga vazia nunca se desesperam pelo universo, nem aliás, pensam sobre o universo”.

Em suas abordagens, no primeiro capítulo, Orwell fala do cenário literário dos anos 20, para ele a época de ouro, e solta reflexões sobre a arte do escrever onde o leitor é alçado a entrar nessa baleia. Ele começa pelo romance de Miller, “Trópico de Câncer” que apareceu em 1935. O próprio insiste ser pura autobiografia.

O ensaísta do cenário da época na França, narra que em alguns bairros da cidade, a quantidade dos assim chamados artistas deve ter superado a dos trabalhadores. Calculou-se que no final dos anos 20 havia trinta mil pintores em Paris, a maior parte “impostores”. “Foi a era dos azarões e dos gênios”…

Pelas suas obscenidades nauseantes, a obra de Miller tornou-se impublicável. No mundo dos túmulos sombrios, descrito entre outros por Lewis, sobre o qual Miller escreve, abordando apenas o lado de baixo: as formas do lupemproletariado.

É uma história, como descreve Orwell, de quartos infestados de percevejos em hotéis para operários, de brigas, de surtos de bebedeiras, bordeis baratos, refugiados russos (Revolução Russa), mendicância, trapaça e empregos temporários. Todo esse cheiro de azedo foi matéria-prima para o romance de Miller que se alimentou desse lixo.

Quando “Trópico de Câncer” foi publicado, os italianos marchavam sobre a Abissínia e os campos de concentração de Hitler já estavam entupidos. Os centros intelectuais do mundo eram Roma, Moscou e Berlim. Foi um romance sobre norte-americanos combalidos mendigando bêbados no Quartier Latin. Um ano mais tarde foi publicado “Primavera Negra.

Na comparação com Joyce, de Ulisses, o crítico de “Dentro da Baleia”, diz que há um traço dele, não em todo lugar. Em “Primavera Negra”, mesmo com pontos surrealista, todos se sentem iguais. “Miller escreve sobre o ser humano na rua e, a propósito, é uma pena que seja uma rua cheia de bordeias.

“Em “Primavera” há um flashback maravilhoso de Nova Iorque fervilhante de irlandeses, mas as cenas de Paris são as melhores”. No romance de “Trópico”, os bêbados e vagabundos são tratados com maestria na técnica rigorosamente única – assinala, ao pontuar que as sensações são que todas as aventuras deles acontecem com você.

“A grosseria indiferente com que os personagens de “Trópico de Câncer” falam é muito rara na ficção, mas comum na vida real. George Orwwll esclarece que “Trópico” não é um livro de um jovem. Miller tinha mais de 40 anos quando foi publicado. É um livro maturado na pobreza e na obscuridade. A prosa é um espanto e, em partes de “Primavera”, ainda melhor”. Palavras impublicáveis estão em todas as partes.

“Miller é uma pessoa falando sobre a vida, um homem de negócios norte-americano comum, com coragem intelectual e um dom para as palavras”. …”Tendo atrás de si anos de lupemproletariado, fome, vagabundagem, sujeira, fracasso, noites ao relento, batalhas contra agentes de imigração, lutas infinitas por um pouco de dinheiro, Miller descobre que está se divertindo”.

Sobre Walt Whitman, em “Folhas de Relva”, o ensaísta afirma que ele escreveu num período de prosperidade nos anos 30 onde a liberdade valia mais que a palavra. Voltando a Miller, assinala que existe uma correlação Whitman. “Trópico” termina com uma passagem whitmanesca, na qual, depois das luxúrias, trapaças, brigas, bebedeiras e imbecilidades, ele simplesmente se senta e observa o Sena passar, em uma espécie de aceitação (eu aceito) mística das coisas como elas são”.

“Dizer “eu aceito” em uma época como a nossa, é dizer que você aceita campos de concentração, cassetetes de borracha, Hitler, Stalin, bombas, aviões, comidas enlatadas, metralhadoras, golpes, expurgos, lemas, esteiras de linhas de produção, máscaras contra gás, submarinos, espiões, arruaceiros, censura à imprensa, prisões clandestinas, aspirinas, filmes de Hollywood e assassinatos políticos”.

Para Orweel, a verdade é que a vida cotidiana comum consiste muito mais de horrores do que os autores de ficção se dão ao trabalho de admitir.  Ele faz reflexões com base em outros autores, que se encaixam no mundo atual quando fala que vivemos em um mundo que está se encolhendo. As “vistas democráticas” terminaram em arame farpado. “Aceitar a civilização como ela é, praticamente significa aceitar o declínio”.

Orweel ressalta que as pessoas em “Trópico de Câncer” chegam muito perto de serem comuns, na medida em que são preguiçosas, desonradas e mais ou menos “artísticas. Entre as décadas de 20 e 30, avaliar um livro por seu conteúdo era pecado imperdoável, e mesmo ter consciência do conteúdo era considerada falta de gosto – afirma o autor de “Dentro da Baleia”.

Nos anos 1930-1935 algo acontece e a atmosfera literária muda, na visão de Orwell, que cita Auden, Spender e outros como novo grupo de escritores que entram em cena, com “tendência diversa”. “Saímos do crepúsculo dos deuses e entramos em um tipo de clima escoteiro, com joelhos à mostra e cantorias em grupo”. O literato deixa de ser um expatriado cultural com inclinação para a Igreja, tornando-se voltado para o comunismo. Se a ideia básica dos escritores dos anos 20 é o “sentido trágico da vida”, para os novos é o “propósito sério”- observa o crítico literário.

“A DIVINA COMÉDIA-INFERNO” V

Dante Alighieri

Tradução de Pedro Xavier Pinheiro

O que Dante e Virgílio, os poetas, diriam em suas visitas ao inferno para os falsários e traidores da pátria brasileira? No Canto XXX, no décimo compartimento, são punidos os falsários, tornados hidrópicos. Eles são constantemente atormentados por furiosa sede.

Aqueles que falaram falsamente são perseguidos por febre ardentíssima. Em sua obra “A Divina Comédia”, Dante vagueia em XXXIV cantos onde narra personalidades pecadoras da sua terra Florença, religiosos, gigantes rebeldes, hipócritas, avarentos, reis e mistura figuras mitológicas gregas e romanas.

Sobre os falsários, em uma de suas estrofes, o autor descreve que “Quando a fortuna a cinzas reduzia/A pujança de Troia, em tudo altiva,/E com seu reino o morto rei jazia”.

No mesmo Canto XXX, discorre: “Súbito quando o corpo descobrira/Uivou qual cão, de angústia possuída./Tanto a pungente dor na alma a ferira”. “Escancaras a boca venenosa,/O moedeiro diz: por mal somente;/ Se sede eu tenho e a pança volumosa”.

No Canto XXXII, de acordo com o tradutor da obra, Pedro Xavier, os dois poetas se encontram no círculo, em cujo pavimento de duríssimo gelo estão presos os traidores. O círculo é dividido em quatro partes; na Caina, de Caim, que matou o irmão, estão os traidores do próprio sangue.

Na Antenora, de Antenor, troiano que ajudou os gregos a conquistar Troia, os traidores da pátria e do próprio partido; na Ptolomeia, de Ptolomeu, que traiu Pompeu, lá estão os traidores dos amigos; na Judeca, de Judas, traidor de Jesus, os traidores dos benfeitores e de seus senhores.

A DIVINA COMÉDIA-INFERNO IV

DANTE ALIGHIERI – Tradução José Pedro Xavier Pinheiro

OS NEGOCIANTES DE CARGOS PÚBLICOS, OS HIPÓCRITAS, OS TRAPACEIROS E OS IMPOSTORES.

No Canto XXI, Dante faz uma visita aos infernos e cruza com os demônios que punem os pecadores por diversos crimes cometidos. Nesse Canto, são punidos os trapaceiros que negociam os cargos públicos ou roubaram aos seus amos.

Conforme traduz José Pinheiro, “eles estão mergulhados em piche fervendo. Os dois Poetas presenciam a tortura de um trapaceiro luquense por ordem de um demônio. Virgílio domina os demônios que queriam avançar contra eles. Virgílio e Dante, escoltados por um bando de demônios, tomam o caminho ao longo do aterro.

Numa de suas estrofes, Dante descreve: “Assim, por fogo não, por divina arte/Betume espesso, ao fundo refervia,/As bordas enviscando em toda parte”. Noutra diz: “O maldito afundou; surdiu curvado./Sob a ponte os demônios lhe gritaram:/Não acharás aqui Vulto Sagrado”.

No Canto XXII, os dois poetas andam pelo aterro à esquerda, veem muitos trapaceiros, que, por aliviar-se, boiam acima do piche fervendo. Sobrevêm os diabos e um deles é lacerado. É este Ciampolo, de Navarra, que consegue depois, livrar-se das garras dos diabos, o que dá motivo a uma briga entre os demônios”.

Sobre o trapaceiro Ciampolo, destaca: “D´El-rei Tebaldo eu na privança entrara:/Vendia os seus favores fraudulentos;/Sofro a pena do mal, que praticara”. Dante ainda fala do Frei Gomita, vigário de Ugolino Visconti, que por dinheiro deu liberdade aos inimigos do seu senhor.

No Canto XXIII, Dante e Virgílio encontram os hipócritas vestidos de pesadas capas de chumbo dourado. Falam com dois frades bolonheses. Um deles, inquirido por Virgílio, indica-lhe o modo de subir ao sétimo compartimento do inferno.

Nesse Canto, Dante faz uma narrativa dos frades que foram chamados a governa Florença, depois da derrota de Manfredo, e que aproveitaram de suas posições, causando um motim no qual foi incendiada a casa dos Urberti. Fala também de Caifás, o sumo sacerdote de Israel, que aconselhou a morte de Jesus.

A DIVINA COMÉDIA-INFERNO

DANTE ALIGHIERI – Tradução de José Pedro Xavier Pinheiro

No XIX Canto, em sua visita ao inferno com Virgílio, o florentino Dante descreve que no terceiro compartimento, aonde os poetas chegam, são punidos os simoníacos (mercadores das coisas sagradas). “Estão eles, de cabeça para dentro, metidos em furos feitos no fundo e nas encostas do compartimento”.

Em sua descrição, o autor de A Divina Comédia assinala que “as plantas dos pés, que estão fora dos buracos, são queimadas por chamas. Ele quer saber quem era um danado que mais do que outros agitava os pés. É o Papa Nicolau III da Casa Orsini, o qual diz que estava à espera de ser rendido por outros papas simoníacos”.

O poeta descarrega toda sua verve contra a avareza e os escândalos dos papas romanos. Na primeira estrofe do Canto XIX, Dante começa dizendo: “Ó Simão Mago (queria comprar a virtude de chamar o Espírito Santo), ó míseros sequazes/Por quem de Deus os dons só prometidos/A virtude, em rapina contumazes”.

Nesse Canto, o autor fala da subversão dos papas por ouro e prata pelos quais são prostituídos. “Saber supremo! Que inefável arte/Mostras no céu, na terra e infernal mundo!/Oh! Teu poder quão justo se reparte!”

Em outro Canto da sua obra, na XVIII, Dante faz uma visita aos punidos pelo pecado da bajulação para se dar bem na vida, passando por cima dos outros, sem nenhum escrúpulo. Sua visão daquela sociedade do século XIII (Dante nasceu em Florença no ano de 1265) ainda está atual para o mundo de hoje.

Nos governos, especialmente no Brasil, os bajuladores, indicados pelos políticos, o chamado QI (não conta aqui a meritocracia) se vendem e são passíveis de corrupção e subornos e fazem o que seus chefes mandam, cometendo desatinos e malfeitos.

A DIVINA COMÉDIA-INFERNO

DANTE ALIGHIERI – TRADUÇÃO DE JOSÉ PEDRO XAVIER PINHEIRO

No Canto XV, o autor narra que os poetas encontram a caminho do inferno um grupo de violentos contra a natureza. Entre estes está Brunetto Latini, de Florença, que dá ao poeta ligeiras notícias a respeito das almas que estão danadas com ele e foge para reunir-se a elas.

Em suas estrofes de três versos, Dante fala da força brava do mar e dos gelos que se derretem, o que nos faz lembrar dos tempos atuais onde o próprio homem ganancioso por aumentar seu PIB destrói, impiedosamente, o meio ambiente.

Numa das estrofes Alighieri diz “Mas esse ingrato povo é tão malígno,/Que outrora de Fiesole (pequena cidade perto de Florença) viera/ E tem de penha o coração ferino”.

“Velha fama os diz cegos, sempre useiros/Na soberba, na inveja, na avareza./ Deles te esquiva; em vícios são vezeiros.” Desta ainda que o vilão lavra a terra como deseja. Finaliza seu canto assinalando que “Mais ser quem vence do que ser quem perde”.

No Canto XVI, no terceiro compartimento do inferno do sétimo círculo, os poetas encontram outro bando de almas de sodomitas, no qual se destacam três ilustres compatriotas de Dante. Eles falam da decadência das virtudes políticas e civis de Florença. São temas ainda atuais aos nossos tempos.

Dante se aproxima das almas dos violentos contra a arte e reconhece alguns deles no Canto XVII. Ele e Virgílio descem ao oitavo círculo. No Canto XVIII, os poetas se encontram no oitavo círculo, dividido em dez compartimentos. Em cada um deles é punido uma espécie de pecadores, condenados por malícia ou fraude.





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