AS TRAPAÇAS E ASTÚCIAS DOS HEBREUS QUE EM CANAÃ FUNDARAM O JUDAÍSMO
Hebreus e árabes são meios-irmãos, mas brigam há milênios por propriedade e herança, conforme narram historiadores arqueólogos e a própria Bíblia através do livro do Gênesis. Tudo começou com Abraão quando saiu de Ur, da terra dos caldeus, na Mesopotâmia, e foi parar em Canaã (Retenu Superior), na Palestina, com seu clã.
O jornalista e escritor David Coimbra, em “Uma História do Mundo” faz um relato numa linguagem simples da trajetória desse patriarca, inspirador do judaísmo, e de seus descendentes de forma compreensível ao leitor e recheado de trapaças e astúcias. Na verdade, o cristianismo e o islamismo também têm Abraão, o seminômade, em suas escrituras religiosas.
Por volta de 2000 ou mais a.C. aconteceu uma seca braba em Canaã que causou muita fome e, como fazem os nordestinos, Abraão e sua bela Sara, ou Sarai, seu sobrinho Lot e demais formaram uma caravana até o Egito onde existia alimentos em fartura. Como os egípcios não podiam ver um rabo de saia, Abraão combinou com sua cobiçada Sara a dizer para o faraó que eles eram irmãos.
Uma versão conta que o patriarca temia ser morto pelo rei se ele contasse que Sara era sua mulher e outros dizem que Abraão fez uma negociação para ser bem recebido e adquirir o que queria. De qualquer forma, ele foi astuto e Sara serviu o faraó em seu harém. Por causo dela, Abraão foi bem tratado e recebeu ovelhas, bois, jumentos, servos e camelos. Se deu bem com seu esquema.
Ocorre que logo depois da chegada dos hebreus houve uma praga nas lavouras do Egito, fato que levou os egípcios a suspeitarem que a culpa estava em Sara que foi devolvida ao marido e seu povo expulso de suas terras. Cita a Bíblia que o Senhor ficou furioso e feriu o faraó e toda sua casa.
Abraão retornou com seus rebanhos para Canaã e Lot foi para Sodoma, a cidade do pecado que foi queimada por Jeová, juntamente com Gomorra. No entanto, Lot, sua esposa, que virou uma estátua de sal que, por curiosidade (coisa de mulher), ter olhado para trás, e suas duas filhas foram poupados. Ele foi para uma cidade chamada Segor e depois refugiou-se numa caverna com suas filhas, as quais embriagaram o pai e fizeram sexo com ele. Cada uma gerou um filho, Moab, o pai dos moabitas e Bem-Ami, pai dos amonitas.
O Antigo Testamento tem muita lenda, mas também verdade. A história descreve que Sara era estéril e Abraão, com o consentimento de Jeová, deitou-se com a escrava Agar com a qual teve Ismael que fundou os ismaelitas e se tornou patriarca de todos os povos árabes depois de ter sido expulso de casa sem nada com sua mãe pelo próprio pai por insistência da ambiciosa Sara logo após gerar Isaac com noventa anos de idade. Ela temia que o mais velho se tornasse o verdadeiro herdeiro da família, como assim regia o costume antigo.
Como todos sabem, Isaac quase foi sacrificado pelo pai por ordem de Jeová para testar sua fé, mas depois tornou-se homem descendente de todos hebreus. Está escrito que Sara morreu com 127 anos e Abraão ainda teve seis filhos com Quetura e faleceu com 175 anos.
Issac casou-se Rebeca que levou vinte anos para engravidar e deu os gêmeos Esaú, o peludo, e Jacó que significa o suplantado. A mãe gostava mais do segundo filho, um dos patriarcas dos hebreus, pacífico que preferia morar na tenda, enquanto o primeiro, um hábil caçador, despojado de valores materiais e de caráter era o querido do pai.
Por ser mais sedentário, Jacó representava a civilização. Como era o primogênito, Esaú tinha direito a ser o chefe da família e a herdar os bens na morte do pai, mas cedeu esse lugar para o irmão em comum acordo ou por ter caído na lábia de Jacó. Mesmo assim, Jacó usou o irmão lá na frente para trapacear e chantagear.
De acordo com o autor da obra, o que temos nesse episódio são a civilização e a selvageria, e também o homem e a mulher, a fraqueza e o ardil, a imprevidência e a astúcia. No final de sua vida, muito doente e cego, Isaac sentiu ser a hora de dar a benção simbólica paterna que confirmaria a primogenitura.
Isaac resolveu, então, abençoar Esaú e mandou que ele preparasse um prato bem suculento da sua caça. Esaú partiu com sua arma para caçar um animal. Ao ouvir a conversa por detrás da porta, a gananciosa Rebeca chamou Jacó e preparou outro plano para trapacear Esaú e o marido.
– Faça o que digo: Vá ao rebanho e traga dois belos cabritos. Prepararei com eles um prato para teu pai, como ele gosta. Tu vais levar o prato a ele e Isaac comerá e vai te abençoar no lugar de Esaú.
– Mas, mãe, argumentou Jacó – meu irmão é peludo e eu tenho pele lisa. Se meu pai me tocar passarei por embusteiro e serei amaldiçoado. No entanto, Rebeca orientou Jacó a cobrir os braços e as pernas com as peles dos cabritos esfolados de forma que o pai, se o tocasse, iria pensar se tratar do cabeludo Esaú.
Isaac até que desconfiou, mas terminou dando a benção para Jacó. Quando Esaú chegou com sua caça para oferecer ao pai já era tarde demais. Esaú ficou amargurado e mesmo assim pediu a sua benção, mas não tinha como o velho voltar atrás. Apenas disse que ele foi trapaceado pelo irmão.
– Eis que a tua habitação será desprovida de gordura da terra e do orvalho que desce dos céus. Viverás da tua espada, servindo ao teu irmão, mas se te libertares, quebrarás o teu jugo de cima do teu pescoço. Com essa alternativa, Isaac deu permissão a Esaú para vingar-se de Jacó.
Ao sentir o perigo, Rebeca mandou o filho para a casa do seu irmão Labão que morava na Mesopotâmia. Como para um esperto, outro mais esperto ainda, o tio deu uma boa enrolada nele ao ter se apaixonado pela bela prima Raquel.
Labão disse que seria uma honra tê-lo como genro, mas teria que serví-lo de graça por sete anos. Foi aí que Jacó caiu no esparro. Trabalhou por sete anos e no dia do casamento tomou aquele porre de deixar embriagado e terminou se deitando com Lia, a irmã baranga mais velha.
No outro dia tomou aquele susto e foi reclamar do tio que teria sido passado para trás. Labão astucioso explicou que havia mandado Lia para seu leito conjugal, em vez de Raquel, porque em sua terra o hábito era casar a irmã mais velha antes da mais moça.
Para consolar Jacó, afirmou que ele teria também a Raquel desde que trabalhasse mais sete anos como escravo para ele. Jacó, doido pela Raquel (homem é um bicho besta e romântico), topou a empreitada e terminou ganhando ainda as duas criadas Zilpa e Bila. Ficou com as quatro e passou mais seis anos como administrador de Labão, acumulando posses e filhos.
Depois de vinte anos possuía um tremendo rebanho, quatro mulheres, doze filhos e uma filha. Os doze terminaram sendo os fundadores das doze tribos de Israel, nome pelo qual Jacó passou a ser chamado.
Quando esse novo Israel decidiu retornar para Canaã, o tio não permitiu. Então ele tramou uma fuga com Raquel, que esperta levou as estatuetas ou terafins do pai. Esses terafins eram deuses que, além de servirem para adoração e idolatria, davam a quem as possuía o direito à herança familiar. Essas estatuetas eram uma prova de que alguns hebreus pioneiros também praticavam o politeísmo sem serem incomodados.
Na fuga houve outras trapaças entre Raquel e o pai, mas Jacó conseguiu se safar e chegar a Canaã onde fez boa fortuna ao ponto de ser o mais rico da Palestina. Entre seus filhos aparece o José, Judá (a tribo de Judá é a Judeia donde veio a designação “judeu”) que acabou sendo jogado num poço seco pelos irmãos, não por inveja por ser o mais querido do pai, mas porque era um tipo dedo duro, um X-9 das conversas dos irmãos.
Como todos conhecem bem a história, esse José, casado com uma cananeia de nome Sué (é um outro caso interessante) foi vendido pelos irmãos, sem o mais velho Rúben saber, a uma caravana de ismaelitas que levava resina, bálsamo e ládano (muito usados para embalsamar múmias) para o Egito. O José, Judá, terminou sendo escravo de Putifar, o chefe da guarda do faraó. Como era bonitão de corpo, a bela e gostosona da mulher de Putifar tentou seduzí-lo dando em cima dele na cara de pau.
José caiu na besteira de rejeitá-la e a mulher contou outra versão ao marido de que seu escravo havia flertado ela. José foi direto para o cárcere e lá começou a adivinhar os sonhos dos presos. Caiu nas graças dos guardas e de lá foi chamado para morar no palácio para desvendar os sonhos do faraó.
O resto da história já é conhecido de todos quando ele se encontrou com os irmãos famintos no Egito. Com uma seca em Canaã eles foram procurar abrigo na terra dos faraós que governaram o Egito por mais de três mil anos.