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:: ‘Encontro Com os Livros’

“A MORTE DE IVAN ILITCH”

Ele viveu falando e dialogando com a vida e a morte. O que é o certo? O que é o incorreto? A luta entre o passado pela ascensão e o dinheiro, o presente e o futuro. Ele achava ser um ente especial que não deveria ser atingido pela morte.

“A Morte de Ivan Ilitch”, de Liev Tolstói, é um conto que mistura existencialismo com espiritualismo e prende o leitor num só fôlego. “E a morte? Onde ela está”? Como narrador, o autor diz que ele estava procurando no seu antigo e habitual medo da morte e não o encontrava. Onde está? Que morte? Não havia medo algum, porque não havia a morte. Em vez da morte, havia luz.

O autor da obra é narrador e, seu personagem, fala em primeira e terceira pessoa quando se refere a ele mesmo em pensamentos sobre o que fez da sua vida e o interroga que poderia ter sido diferente, poderia ter sido melhor. Suas reflexões são um mergulho dentro de si mesmo, com pontos existencialistas.

O personagem, Ivan Ilitch Golovin, é um funcionário público russo, juiz de instrução, bem-sucedido. Casa-se com uma mulher exigente e por isso se dedica ao trabalho até ser um magistrado respeitado. Esse trabalho torna-se um refúgio para evitar a família.

Um dia ele adoece e começa a sentir fortes dores nos rins. Os médicos não conseguem diagnosticar seu problema. O ferimento agrava-se e Ivan passa a sofrer e a penar ao ponto de não ter mais domínio sobre si. A partir daí ele passa a questionar a vida e a morte, mas deseja morrer para se livrar das dores.

Ivan começa um longo processo em busca do sentido da vida e percebe que teve poucos momentos de significado. Eu acho uma hipocrisia fingir que o sofrimento me impede de fazer coisas práticas – confessa para um amigo.

Em certo momento da sua vida de enfermo, ele acha que, por ser um grande funcionário de uma boa posição, não deveria ser morto. Sente que é invejado. No conto, o autor trava um embate filosófico onde o personagem diz não conseguir entender que estava morrendo.

Ivan estudou a lógica do filósofo alemão Kiesewetter onde afirma que “Caio é uma pessoa, as pessoas são mortais, portanto, Caio é mortal”. Para o personagem estava correto em relação ao Caio (um Zè Ninguém comparado ao nosso), mas não em relação a ele. Caio era uma pessoa geral, e isso era perfeitamente justo; mas ele não era o Caio e nem uma pessoa geral. Ele sempre fora muito especial em relação a todas as outras criaturas.

No conto, Tolstói escancara a sociedade de mentiras, das pessoas que procuram viver de aparência imitando os mais ricos, como fazia o seu personagem. Em sua doença, ele gostaria de receber carinhos, de ser paparicado e que tivessem pena dele. O que ele via nos rostos da mulher, dos filhos e amigos era só mentiras.

No final da sua morte, o autor narra que todos os três dias, durante os quais, para ele, não havia tempo, ele rolava dentro daquele saco preto, para dentro do qual uma força superior e invisível o empurrara. Ele lutava como luta um condenado à morte nas mãos do carrasco, sabendo que não pode se salvar; e a cada minuto ele sentia que, apesar de todos os esforços da luta, estava cada vez mais próximo daquilo que o aterrorizava.

Desde o início da doença, conforme narra o escritor, sua vida dividira-se em dois estados de espírito opostos, que substituíam um ao outro: Um era o desespero e a expectativa de uma morte obscura e horrível; o outro era a esperança e o interesse em monitorar as atividades de seu corpo.

Tolstói nasceu em 1828, em Yasnaya Polyana, na Rússia, no tempo do czar, na propriedade rural de seus pais. Ingressou na Universidade de Kazan para estudar línguas orientais, mas abandonou o curso para ir a Moscou e depois para Petesburgo. Em 1851 alistou-se no exército, servindo no Cáucaso onde começou sua carreira de escritor. No auge do sucesso passa a ter sucessivas crises existenciais. Fugiu de casa aos 82 anos para se retirar em um mosteiro, mas faleceu a caminho vítima de pneumonia, na estação ferroviária de Astápovo, em 1910, quando já estava a caminho as revoluções socialistas de Lenin, Trotsky e Stalin.

AS FEIRAS LITERÁRIAS PRECISAM TER UMA PARTICIPAÇÃO MAIS DEMOCRATIZADA

Quando se decide organizar uma feira literária logo se pensa no convite de um, dois ou três escritores famosos de fora e nos palestrantes mais conhecidos do público. Sempre se esquece da prata da casa por considerar que não é atrativo de público e o evento pode se tornar num fracasso.

Até certo ponto isso é lógico em se tratando de mercado, maior visibilidade na divulgação da mídia e até na atração de visitantes locais e de fora, mas é preciso colocar mais o foco na democratização dos autores onde a festa vai ser realizada para que as pessoas conheçam e interajam com os novos talentos da sua cidade e região.

No entanto, quando vemos vários municípios realizando feiras literárias como agora no interior baiano, inclusive por parte de pequenas cidades, isso nos enche de esperanças e expectativas porque servem de incentivos para disseminar a leitura, principalmente entre nossos jovens que perderam o hábito de pegar um livro para ler.

Só para citar algumas cidades, como Feira de Santana, Salvador (Flipelô), Cachoeira, Rio de Contas, Lençóis, Andaraí, Caculé, Barreiras, Itabuna, Ilhéus, Mucugê, Belo Campo aqui perto de nós e outras que estão se programando para também ter a sua, como escritores isso nos deixa animados e a sensação que, até enfim, a literatura, como a músicas e outras linguagens artísticas, está sendo prestigiada e valorizada pela sociedade e os poderes públicos.

Por que não formar um consórcio de feiras literárias regionais para fortalecer o setor? Seria uma maneira de reduzir os custos e também introduzir as empresas como patrocinadoras. Está na hora dos organizadores pensarem nisso e criarem uma rede de feiras entre os municípios. Com isso, os escritores poderiam ter uma ajuda de custos para participar da festa.

As feiras literárias são por demais saudáveis para a nossa cultura, para todos aqueles que com muita luta e garra produzem suas obras, a maioria sem apoio do poder público e privado. Por outro lado, fica a frustração porque somente poucos têm condições financeiras próprias de se deslocar de suas cidades para participar dessas festas literárias.

Por isso é que falo da democratização e ajuda aos escritores locais desde seu processo de produção, divulgação e distribuição até o apoio financeiro para se fazer presentes nas feiras.  Para ser mais claro, como um escritor ou poeta independente, sem recursos, pode sair de Vitória da Conquista para ir divulgar suas obras em Salvador, Feira de Santana, Barreiras, Ilhéus ou Itabuna?

Bem que todos gostariam de mostrar seu trabalho e, ao mesmo tempo, adquirir mais conhecimento e aprendizagem de como os outros estão lidando com suas dificuldades inerentes ao fazer literatura. É, sem dúvida, uma troca de informações. Está faltando esse intercâmbio entre as organizações das cidades para que haja um engajamento de autores, de forma a enriquecer e democratizar mais a arte literária.

Se está ocorrendo uma onda de feiras é porque delas estão saindo bons resultados socioeconômicos, como nos festivais de músicas, bem como na divulgação das cidades, especialmente se ela tem vocação turística. Porém, é necessário que essas feiras sejam mais democratizadas e socializadas porque no fim todos ganham.

Gasta-se muito com a contratação de escritores já consagrados, com estruturas até sofisticadas, com embalagens exageradas e não se tem dado o devido espaço para os autores regionais. Por que o poder público não oferece uma ajuda de custo aos seus escritores locais (nem todos) para que estes representem a cultura de sua cidade em outro município, ou que se faça um intercâmbio entre as diversas feiras?  Garanto que todos saem ganhando, inclusive as populações em geral.

As feiras têm que ser menos fechadas, mais abertas e democráticas e não somente premiar os “grandes” já conhecidos. Existem muitos talentos escondidos por falta de oportunidades, como aqui mesmo em Vitória da Conquista que deve seguir o exemplo dos outros municípios e realizar sua feira literária, não aquela com viés totalmente político e eleitoreiro onde somente poucos têm acesso.

Como modesto jornalista, escritor e agora tateando na poesia, como minhas obras de contos, poemas, causos, prosa, inclusive no gênero de ensaios históricos, me sinto mais otimista com essa onda de feiras literárias, se bem que, infelizmente, não posso ir em todas como desejaria. É por isso que defendo a união ou uma associação de escritores conquistenses para possibilitar a participação de nossos companheiros nessas feiras.

O mais importante nisso tudo é que a nossa mãe literatura, alicerce para todas as outras linguagens, está sendo lembrada e valorizada, sem contar o estímulo que esses eventos proporcionam para que as pessoas, jovens e idosos retornem ao antigo hábito da leitura. Essas feiras devem ser compartilhadas entre as secretarias de Cultura e Educação.

 

A DITADURA, A GUERRILHA DO ARAGUAIA E OS MORTOS DESAPARECIDOS POLÍTICOS

As feridas continuam abertas porque a Anistia de 1979 não permitiu a punição dos torturadores da ditadura civil-militar de 1964, que, aliás, foi negada durante todo governo do capitão-presidente aloprado, isso sem contar as comemorações do primeiro de abril (dia da mentira) dos generais das forças armadas à “revolução”, assim considerada por eles.

Até o momento, por parte do governo esquerdista do PT, não vi nenhuma alusão a esta questão no sentido de desfazer essa negação de que não houve uma ditadura. O Ministério dos Direitos Humanos e outros correlatos precisam resgatar a nossa história, a nossa memória e fazer respeitar a luta pela liberdade de todos aqueles que tombaram durante a ditadura, de forma cruel e covarde.

A literatura está recheada de fatos documentados e testemunhados, como no livro “Uma Conquista Cassada”, do jornalista e escritor Jeremias Macário, e não podemos deixar que tudo isso caia no esquecimento, inclusive entre nossos jovens que foram induzidos nestes últimos quatro anos de que esse regime opressivo de brutalidades não existiu. É necessário que o governo coloque esse item em pauta para discussão.

Dentro dessa ditadura, da qual milhares de brasileiros que se opuseram ao regime foram vítimas (só de desaparecidos tivemos 243), existiu a Guerrilha do Araguaia, no Bico do Papagaio (Amazonas, Pará e Goiás) que está completando 50 anos que 69 combatentes do PC do B e mais camponeses da região foram esquartejados, tiveram suas cabeças cortadas e seus corpos desaparecidos, jogados em rios, no mar e enterrados no meio da selva.

Entre os tantos desaparecidos insepultos, cujas famílias até hoje choram pelos seus filhos, filhas, sobrinhos e primos, temos aqui de Vitória da Conquista a guerrilheira Dinaelza Santana Coqueiros e seu marido Vandick. Seus irmãos, como Diva Santana, até hoje não tiveram o direito de realizar o ritual fúnebre da sua irmã, conforme mandam os costumes. Não tiveram o direito de fechar esse ciclo porque o Estado deixou de fazer a justiça e negou a verdade. Muitos arquivos daqueles anos tenebrosos ainda continuam fechados e secretos.

Sobre esse assunto, de forma didática, fundamentada e pesquisada em livros de autores, bem como em entrevista com seus familiares, a obra “Do Corpo Insepulto à Luta por Memória, Verdade e Justiça”, da professora Gilneide Padre, desseca a problemática dos desaparecidos políticos no Brasil, focando o caso de Dinaelza Coqueiro.

Gilneide também faz um mapeamento sobre a Guerrilha do Araguaia que começou entre o final dos anos 60 e início dos 70 por um grupo do PC do B que, sob orientação da linha maoísta chinesa, acreditou na luta armada contra a ditadura a partir do campo. As forças armadas chegaram no Araguaia em abril de 1972 e só saíram de lá no início de 1974 quando executaram e deram sumiço aos corpos de mais de 50 combatentes.

Devido a repressão e a censura na mídia que era fortemente vigiada naquela época na base da força bruta das prisões, das torturas e das mortes, a existência da Guerrilha do Araguaia só passou a ser conhecida lá pelo final dos anos 70.

A questão dos desaparecidos (estima-se mais de mil mortos e desaparecidos) só tomou força a partir dos movimentos dos familiares que antecederam a Anistia de 1979, a Comissão dos Mortos e Desaparecidos Políticos, o Grupo Tortura Nuca Mais, culminando com a caravana dos familiares dos guerrilheiros que estiveram no Araguaia em outubro de 1980.

O Governo do PT, através do seu Ministério dos Direitos Humanos, além de outras demandas em pauta, como das desigualdades sociais, da defesa das mulheres, do combate ao racismo e a homofobia, precisa também voltar seu olhar para reafirmar que a ditadura existiu sim e evitar que essa memória caia no esquecimento. Muita coisa tem ainda que ser feita para que essas feridas não continuem abertas e esse episódio tão triste e vergonhoso da nossa história nunca mais se repita.

“DO CORPO INSEPULTO À LUTA POR MEMÓRIA, VERDADE E JUSTIÇA-Um Estudo do Caso Dinaelza Coqueiro”

“DINAELZA COQUEIRO: MILITÂNCIA IDEIAS E GUERRILHA”

De forma didática, a professora Gilneide Padre pontua com detalhes a militância política da conquistense Dinaelza Coqueiro contra o regime ditatorial iniciado com o golpe civil-militar de 1964, desde estudante, em Jequié, e depois em Salvador. Ela conta como como se deu sua opção para entrar na Guerrilha do Araguaia, na região chamada de Bico do Papagaio (Amazonas, Pará e Goiás).

A autora do livro “Do Corpo Insepulto à luta por Memória, Verdade e Justiça” faz um mapeamento da região e uma cronologia da guerrilha. Em conversa com seus pais, Dinaelza diz que “só nos resta este caminho e é com amor que vamos percorrê-lo”. Ela se referia também ao seu companheiro esposo Vandick Coqueiro. O PC do B, de orientação maoísta, decidiu pela luta armada a partir da zona rural, enquanto outros grupos realizaram seus movimentos na área urbana.

Conforme assinala Gilneide, às vésperas do golpe, em 29 de março de 1964, um grupo de dez militantes viajou para a China com a finalidade de ali realizar um curso político-militar e aprender as táticas empregadas por Mao Tsé-tung, de “quando o inimigo avança, recuamos; quando para, o fustigamos, quando se cansa, o atacamos; quando se retira, o perseguimos”, só que as forças no Araguaia eram desproporcionais, de cinco a seis mil das forças armadas contra 69 combatentes.

Sobre a guerrilha, segundo apurou a autora, quem primeiro chegou à região foi Osvaldo Orlando da Costa, mais conhecido como Osvaldão, em 1966. Era um negro forte, alto e tinha a simpatia da população do local. Em 1967 chegou o médico João Haas Sobrinho, o Juca, que montou um hospital em Porto Franco. A seguir foi a vez de Elza de Lima Monnerat, Líbero Giancarlo e Maurício Grabois, que se tornaria o comandante geral. João Amazonas e Ângelo Arroyo chegaram em 1968. Outros foram chegando depois, assim entre os anos de 1969 e 1972 até formarem um contingente de 69, dentre os quais Dinaelza e Vandick, em 1971, adotando os nomes de Mariadina ou Dina e João Goiano.

O comando dividiu o grupo em três destacamentos: A, na Faveira, B, na Gamaleira e o C, nos Caianos. Dinaelza e Vandick fizeram parte do Destacamento B, sob o comando de Osvaldão. As forças armadas, a maioria da polícia militar, só entraram na área em 12 de abril de 1972 surpreendendo as Forças Guerrilheiras do Araguaia. Ocorreram três expedições e as investidas do regime só terminaram dois anos depois.

Praticamente todos foram aniquilados (56 foram mortos) de forma cruel, inclusive com cabeças decepadas. Os corpos dos 56 continuam desaparecidos até os dias atuais, inclusive de Dinaelza e Vandick. Muitos foram jogados nos rios e no mar.

 

 

“DO CORPO INSEPULTO À LUTA POR MEMÓRIA, VERDADE E JUSTIÇA”

UM ESTUDO DO CASO DINAELZA COQUEIRO

COLEÇÃO EDUCAÇÃO, MEMÓRIA E RELIGIÃO (VOLUME 3)

A professora aposentada de Matemática do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (Ifba), mestra em Pedagogia Profissional pelo ISPETP-Cuba, pesquisadora do Museu Pedagógico-Uesb, doutora no Programa de Pós-Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade da Uesb, Gilneide Padre, com seu conhecimento do assunto, elaborou uma obra digna de estudo sobre o desaparecimento da guerrilheira conquistense Dinaelza Santana Coqueiro que lutou no Araguaia durante a ditadura civil-militar de 1964.

Quero aqui agradecer seu livro a mim entregue e dizer que seu trabalho é bastante consistente porque a autora não se prendeu apenas à trajetória da personagem em questão, mas fez uma profunda contextualização sobre aquele triste período da repressão onde mais de 300 pessoas foram desaparecidas depois de presas, torturadas e mortas.

Seu trabalho é um apanhado geral sobre o que foi o regime onde Gilneide levanta questões importantes da política de memória e memória política com base em estudiosos que remontam aos tempos da antiga Grécia e outras civilizações desde os tempos antes de Cristo.

A autora não se fixou apenas nas entrevistas aos familiares de Dinaelza e foi mais longe nos estudos quando cita várias obras de estudiosos e presos políticos que foram vítimas da ditadura e se debruçaram no tema, os quais tive o prazer de ler para concluir meu livro “Uma Conquista Cassada – cerco e fuzil na cidade do frio”. Sinto-me honrado por meu nome estar também incluído em sua pesquisa esclarecedora sobre os fatos.

Antes de tudo, recomendo uma leitura apurada da sua obra para entender aqueles tempos de chumbo onde milhares de brasileiros lutaram pela causa da liberdade e da democracia. Infelizmente, depois de quase 60 anos de tormentos, poucos conhecem essa história, que não mais se repita, principalmente nossos jovens que, ainda recente, foram contaminados pela onda negativista da extrema direita do governo passado.

Posso afirmar que é uma obra bem amarrada e contextualizada, fonte de pesquisas para outros interessados que queiram escrever sobre o assunto. Na introdução do livro, Gilneide fala de Dinaelza, terceira dos seis filhos do casal Junília Soares Santana e Antônio Pereira Santana, nascida no distrito de São Sebastião (Conquista) e que depois foi morar em Jequié. Fez o curso de Geografia na Universidade Católica de Salvador onde foi líder militante com outros companheiros no combate ao regime dos generais.

Seus irmãos Diva, Dilma, Dinorá, Dirceneide e Getúlio ainda hoje choram pelo luto de um corpo insepulto, o qual ainda não foi fechado ritualmente, conforme reza a nossa cultura. Dinaelza foi casada com Vandick Reidner Pereira Coqueiro e os dois ingressaram no PC do B. Perseguidos políticos e procurados, o casal optou por lutar na Guerrilha do Araguaia no início dos anos 70 no governo carrasco do general Médici.

Como pontuou a professora Gilneide, “desde o final da década de 1970, seus familiares vêm empreendendo incessante luta em busca do seu corpo insepulto”. Sobre essa questão, a autora cita Panizo (2012) quando declara que o desaparecido é um sujeito ativo, e, por meio dele, mantém-se a busca da memória, verdade e justiça; busca não apenas restrita aos desmandos do período ditatorial, mas que assume atualidade, na medida em que vai se ampliando na luta pelos direitos humanos alhures e aqui.

“Com relação aos desaparecidos na Guerrilha do Araguaia, o que hoje se sabe é que todos os guerrilheiros combatentes da terceira campanha estão mortos” – assinala a autora da obra. Acrescenta que os familiares dos desparecidos políticos, ainda nos dias atuais, são submetidos à tortura interminável, até que um ponto final seja colocado nessa história.

O projeto “Brasil: Nunca Mais”, arquitetado por D. Paulo Evaristo Arns, da Igreja Católica, o rabino Henry Sobel e o pastor presbiteriano Jaime Wright, assegura “uma prática de tortura muito mais cruel do que o mais criativo dos engenhos humanos”. Como bem ressaltou Gilneide, no caso da Guerrilha do Araguaia, em que não houve inquéritos, e, mais ainda, houve ação determinada do Estado para apagar qualquer vestígio daquele confronto, a situação fica bem mais difícil.

“É possível que corpos tenham sido deixados insepultos na mata ou que tenham sido removidos de um lugar de inumação para outro com maior dificuldade de ser encontrado, ou podem ter sido lançados na água dos rios e mares”. Em seu livro, a pesquisadora fala de ritos de passagem, separação, ritos de margem e ritos de agregação.

Desses ritos, destaca as eras do homem de Neandertal, Paleolítico e Neolítico. Nas palavras de Martin, “o homem é tradicionalmente conservador no culto aos seus mortos e a mudança das culturas reflete mais lentamente nos rituais e nos costumes funerários do que na evolução da vida cotidiana”.

Por fim, queria aqui deixar a minha opinião de que a Anistia de 1979, planejada pelos generais da linha dura, foi intencional e visou abrir caminhos para o processo de limpeza da área e proteger os torturadores de seus crimes, mais do que propriamente anistiar os presos políticos.

Essa anistia, digo, deixou feridas abertas que jamais serão curadas porque não houve um acerto de contas com os verdadeiros opressores. Não contentes, torturaram também a nossa memória, diferente da Argentina, do Chile e do Uruguai, nossos vizinhos, que fecharam as feridas com a punição dos criminosos.

“FLUXO E REFLUXO” XXVII

POSFÁCIO – VERGER HISTORIADOR, POR JOÃO JOSÉ REIS.

No posfácio, o escritor João José Reis diz que “Fluxo e Refluxo” (livro de Pierre Verger) é um estudo detalhado do tráfico negreiro para a Bahia a partir do Golfo do Benim, região então considerada pelos luso-brasileiros como Costa da Mina. Ela se estende do sudoeste da Nigéria ao litoral do Togo, passando pela República do Benim.

No entanto, segundo ele, para efeito do tráfico baiano, “a geografia abrange também paisagens mais interioranas do Golfo, como o reino de Oyó, ao norte do território iorubá, chegando mesmo ao país haussás, ainda mais adentro, no norte da Nigéria”. Antes de realizar o livro, Verger já tinha percorrido vários lugares.

Em seu comentário, José Reis destaca que, “se os jejes foram maioria entre os africanos traficados ao longo do século XVIII, os nagôs predominaram no século seguinte, numa concentração nunca antes verificada, pois chegaram a constituir cerca de 80% dos cativos nascidos na África que viviam na Bahia no final da década de 1850”.

Os números apresentados por Verger sobre o tráfico no Golfo do Benim foram revisados pelo projeto Slave Voyages que documentou cerca de 36 mil viagens negreiras entre a África e as diversas regiões das Américas. Pelos dados levantados, o Brasil figura como a região que mais importou mão-de-obra africana escravizada, em torno de 45% dos pertos de 11 milhões de vítimas do tráfico transatlântico.

De acordo com Verger, a Bahia teria recebido 1,2 milhão de cativos, 71% dos quais vindos do Golfo do Benim. “Esses números agora cresceram para 1,5 milhão, o que corresponde a 32% do tráfico brasileiro, mas a proporção registrada por Verger para os vindos do Golfo do Benim se mantém, pelo menos para o século XIX”.

Ainda conforme o autor do posfácio, Verger noticia com detalhes que a autonomia baiana no tráfico era relativa, ou melhor, era disputada no sentido de que os negociantes estavam em constante tensão com a Coroa Portuguesa e seus representantes coloniais quanto a regulamentação e ao controle do comércio de gente. A metrópole buscou por diversos meios disciplinar o comércio entre as duas regiões, no que encontrou acirrada oposição de uns traficantes.

“Do outro lado do tabuleiro, os africanos negociavam com absoluta soberania junto aos comerciantes e representantes europeus, muitos deles dublês de traficantes. O poder e a riqueza dos reis, chefes e negociantes africanos cresceram à sombra do tráfico, pelo que competiam e guerreavam entre si em busca da preferência no fornecimento dos cativos. Por vezes, vários governantes da África enviavam embaixadas à Bahia e a Lisboa (mais tarde ao Rio de Janeiro), para negociar termos das relações comerciais…”

Portugal, França, Holanda, Inglaterra e Espanha, principalmente, foram nações envolvidas no tráfico com seus impérios coloniais. Verger deixa claro que os europeus foram os principais responsáveis pela trágica história do tráfico.

Apesar de alguns historiadores apontarem o ano de 1931 como primeira proibição do tráfico para o Brasil, no caso da Bahia essa data é anterior, já que pelo tratado de 1815, entre Portugal e Inglaterra, esse comércio seria oficialmente abolido acima da linha do Equador. Nessa latitude estavam os principais portos que faziam o tráfico com a Bahia, localizados no Golfo do Benim. Desde 1810, os cruzadores ingleses aprisionavam navios baianos naquela linha.

“No caso da Bahia, o caráter internacional do tráfico ilegal permanece até o último e trágico desembarque, em 1851, que resultou na morte de dezenas de escravos afogados ou de cansaço e fome. No chamado desembarque da Pontinha, o navio negreiro Relâmpago tinha por capitão um venezuelano, o piloto e o copiloto espanhóis de Málaga, um italiano como seu último proprietário e o rei de Lagos (Onim) como principal interessado na carga humana”.

No mesmo ano de 1851, a Inglaterra bombardeou Lagos, depôs o rei Kosoko e o substituiu por Akitoyê, que aceitou a política antitráfico inglês. Assim tinha início a ocupação britânica na Nigéria. Verger denuncia em sua obra que o espírito dos colonizadores na África era de que o branco, “mesmo se um bandido em território africano, devia sempre ser respeitado pelas autoridades africanas”.

Segundo Verger, os iorubás, enquanto nagôs, teriam criado na Bahia uma nova civilização harmônica, tendo na religião os orixás, o seu principal pilar. Sobre as rebeliões na Bahia, como a Revolta dos Malês, em 1835, Verger seguiu os passos de Nina Rodrigues através de pesquisas no Arquivo Público da Bahia. Eles atribuíam ao islã militante a responsabilidade pelos movimentos.

 

“FLUXO E REFLUXO” XXVI

OS MALÊS E OS MAIORES TRAFICANTES NEGREIROS

Estudiosos e historiadores apresentam diversas versões sobre o significado da palavra malês que levantaram uma rebelião na Bahia em 1835, os quais foram massacrados, muitos condenados à morte, a trabalhos forçados, banidos às galeras na África e a chicotadas.

Para Nina Rodrigues e Manuel Querino, os malês ou malinkés, do Alto do Senegal, teriam sido importados para a Bahia com os haussás e mulçumanos. A Bahia também recebeu um grande número de jejes e nagôs-iorubás.

Francis de Castelnau, cônsul da França na Bahia, acreditava na existência de um grupo de negros “niam-niam”, vivendo na região norte da atual Nigéria. Sem muita consistência ele escreve que se tratava de “malais” todos os infiéis, aqueles que não são mulçumanos.

Braz Amaral, em notificações no livro “Fluxo e Refluxo”, de Pierre Verger, compara malé com má-lei, aqueles que não seguiam a lei de Deus. O padre Étienne Brazil cita seus autores para fazer de mali-nke o homem do hipopótamo (A Revolta dos Malês).

Jacques Raymundo dá a essa palavra iorubá o sentido de renegado que adotou o islamismo (Jornal do Comércio, Rio de Janeiro), apontado por Querino. Historiadores contam na Gazeta de Alagoas que ouviram de uma discussão entre negros um chamar o outro de “malé o cô o”. Concluíram que malé era uma expressão pejorativa entre os nagôs, enquanto o conjunto da frase que dizer “camponês”, ou filhos de uma concubina dos campos.

De acordo com Raymundo, todo dicionário iorubá traduz a palavra “imalê” não como renegado, mas como mulçumano. Tanto Querino como Nina Rodrigues concordam quanto a época da origem dessa palavra entre os iorubás da Nigéria, mas tal fato não entra no âmbito deste estudo. Segundo anotações de Verger, sua presença no reino de Ardra e em Ajudá (Uidá) era assinalada no século XVIII.

Fora essa questão dos malês, Francisco Félix de Souza, Domingos José Martins (moravam no Golfo do Benin), Joaquim Pereira Marinho e Joaquim Alves da Cruz Rios (Na Bahia) foram os maiores traficantes de escravos no Brasil, mesmo depois do tráfico ter sido proibido pelos ingleses no início do século XIX através de tratados e convenções com Portugal, Brasil e outras nações.

Somente em 1850, com a decretação da Lei Eusébio de Queirós, esse tráfico cessou, mas alguns se atreviam a burlar a lei. O primeiro artigo da Lei Eusébio dizia que “as embarcações brasileiras encontradas em qualquer lugar, e as estrangeiras encontradas nos portos brasileiros, tendo a bordo escravos, cuja importação é proibida pela lei de 7 de novembro de 1831, e tendo-se desembarcado, serão apresados pelas autoridades brasileiras ou pelos navios de guerra brasileiros e considerados como importadoras de escravos”.

Aqueles que não tiverem escravos a bordo e nem desembarcados, mas com características daquelas utilizadas para o tráfico, serão igualmente apresadas e consideradas como tentado importar cativos. Serão autores do crime os proprietários, o capitão ou mestre, o piloto e o contramestre da embarcação, bem como o sobrecarga.

“FLUXO E REFLUXO” XXV

BRIGAM OS PORTUGUESES, OS INGLESES, HOLANDESES, FRANCESESS E OS BRASILEIROS PELO TRÁFICO NEGREIRO NO GOLFO DO BENIN, NA COSTA DA ÁFRICA OU SOTAVENTO, TUDO PELA COMPRA DE CARNES HUMANAS EM TORCA DO TABACO, DO AGUARDENTE, DO AÇÚCAR, DO OURO CONTRABANDEADO E ATÉ POR CONCHAS – MOEDAS CHAMADAS DE CAURI (MALDÁVIA) e do ZIMBO (ILHA DE LUANDA, NA ANGOLA.

Em Notas de pesquisadores, relatadas no livro “Fluxo e Refluxo”, de Pierre Verger, conta que o rei do Dahomey (Daomé) Adandozan, por volta de 1778, tinha visto durante muito tempo com olhos invejosos Apée, Porto Novo (pertencente a Ardra) e Badagre, em razão do grande número de vasos que iam traficar nesses portos, enquanto Whidah (Uidá) estava quase totalmente abandonado. Ele adotou a política do seu avô Agaja, e resolveu estender suas possessões e apropriar-se das mercadorias europeias acumuladas por seus vizinhos.

Como seus vizinhos estavam cercados de lagos e pântanos, difíceis de serem atingidos, o rei resolveu fazer amizades com um dos príncipes da região, no caso o rei de Ardra. No fim a conspiração foi descoberta. Apée era a vítima prevista, que foi devastada e muitos foram feitos prisioneiros pelos daomeanos. Mesmo assim, o rei com sua tropa de fieis conseguiu escapar para outro reino. Apée resistiu e colocou Ardra em fuga, com ajuda de um negro brasileiro negociante chamado Antônio Vaz Coelho que conseguiu uma boa posição política em Ardra.

AS LUTAS NAS BUSCAS POR ESCRAVOS

Durante mais de 300 anos, entre o final do século XV ao XIX, os traficantes donos de navios, capitães das embarcações (os vasos), os senhores de engenhos e das minas, diretores de feitorias, negociantes de todas as partes e até escravos emancipados arriscavam suas vidas na busca incessante por cativos que rendiam altos lucros.

Nesse comércio ambicioso, valia a lei do mais forte, as astúcias, armadilhas, as trapaças e as traições entre eles. Cabeças eram decapitadas, muitos eram encarcerados em calabouços e exilados por reis por enganar e sonegar o pagamento do fisco pela parte que cabia aos reinos e coroas. Holandeses e piratas perseguiam e saqueavam as cargas dos navios, principalmente dos portugueses e brasileiros.

Nessa época, a costa africana era um coito de intrigas e um enxame de maribondos na disputa para ver quem mais lotava de escravos os navios negreiros nos porões da morte, sujos e fedorentos. Os oceanos se transformaram em cemitérios de negros que eram jogados vivos e doentes nos mares para a festa dos tubarões.

Os reis do Daomé (Golfo do Benin) sempre foram os poderosos e guerreiros que brigavam pelo domínio de outros reinos (de Ardra, Porto Novo, Badagre, Lagos) na conquista por mais e mais prisioneiros que eram vendidos como escravos. Reis, rainhas e príncipes, considerados como inimigos, eram embarcados em navios como cativos.

Toda essa tragédia humana, vergonhosa e criminosa, institucionalizada pelos governantes onde até o escravo desejava ter um escravo como um bem que dava status e servia como uma  hipoteca, inspirou escritores, intelectuais, pesquisadores e, especialmente, poetas, como o baiano Castro Alves em “Espumas Flutuantes” no célebre poema “O Navio Negreiro” onde clama num trecho: Senhor Deus dos desgraçados!/ Dizei-me vós, Senhor Deus!/ Se é loucura… se é verdade/ Tanto horror perante os céus…/ Ô mar! Por que não apagas/ Com a esponja de tuas vagas/ De teu manto este borrão?…/ Astros! Noite! Tempestades!/ Rolai das imensidades! Varrei os mares, tufão… / Quem são estes desgraçados…

Foram estes negros trazidos de vários reinos da África, dominados pelas potências de colonizadores que aqui deixaram no Brasil suas culturas na música, nas comidas, na capoeira, em seus gingados, nas palavras e no sincretismo religioso.

Aqui foram colocados nos troncos e sofreram horríveis torturas de seus senhores, e até a Igreja Católica foi escravista e conivente. No entanto, até hoje são vítimas de racismo e de todo tipo de discriminação, como a social. A maioria vive na pobreza em favelas e nas periferias das cidades.

Muitos desses relatos estão na obra do etnólogo e fotógrafo Pierre Verger, “ Fluxo e “Refluxo”, que da Bahia se fez filho e se tornou adepto da religião de matriz africana. Pelos meados do século XIX, a partir de 1835, com a revolta dos malês, esses negros, por vontade própria e outros por expulsão das autoridades brasileiras, fizeram  a viagem de volta para suas terras de origens e formaram colônias, sobretudo em Ajudá (Uidá), Porto Novo, Badagre e em Lagos.

Eram várias etnias e nações, como os nagôs-iorubás, os jêjes-mahis, os tapas, haussás que atravessaram o Atlântico com suas bagagens e pertences, mas, mesmo assim, a grande maioria não teve o destino certo porque os brancos roubaram seus bens e não lhes deixaram nos portos desejados e contratados.

Tiveram que amargar o sofrimento de se aventurar pelo interior africano para alcançar sua terra natal ou aportar em outros reinos diferentes. Em vários locais formaram “colônias brasileiras”, hostilizadas pelos nativos e indígenas. Muitos eram até chamados de “brancos” por serem considerados boçais que falavam o português e praticavam o catolicismo e o islamismo.

 

“FLUXO E REFLUXO” XXIV

CURIOSIDADES HISTÓRICAS DO TRÁFICO NEGREIRO, COMO A CAPELA DO SENHOR DO BONFIM E A REVOLTA DO PORTO.

A obra de Pierre Verger, “Fluxo e Refluxo” traz várias curiosidades a partir de pesquisas do autor em documentos e correspondências entre cônsules, vice-reis, capitães de navios e os próprios traficantes de carnes humanas. As negociações entre a Bahia e o Golfo do Benin eram cheias de intrigas e mortes que violavam as leis e os tratados.

Em uma de suas anotações, Verger registra que, em 1745, o capitão Theodózio Rodriguez de Faria, um traficante dono de três embarcações, construiu, por devoção, uma capela dedicada ao Senhor do Bonfim Crucificado de Setúbal, em Portugal, a mesma que, ainda hoje ergue-se acima do altar da mais popular igreja da Bahia. A capela foi inaugurada por ele em 1754.

Diante da desorganização que era o tráfico negreiro, um grupo de negociantes da Bahia propôs criar uma companhia onde limitaria o número de navios em 24 que iriam fazer o comércio na Costa da Mina, divididos e repartidos de três em três com uma espera de três meses entre a saída de uns e a partida de outros, fazendo assim o turno de dois anos. A empresa seria constituída entre Bahia e Pernambuco.

A companhia teria 31 artigos e o projeto previa a duração de dez anos. Os diretores seriam eleitos pelos interessados e a administração da Bahia, sob a proteção do vice-rei. Os navios seriam de uma capacidade de 440 a 600 escravos cada um e seriam armados para se defenderem dos piratas.

A carga principal seria o tabaco, completada com açúcar e aguardente. O tráfico seria feito à razão de cinco a seis rolos de tabaco, e não doze, quinze ou vinte, como acontecia de se fazer, por força da concorrência. A companhia seria obrigada a trazer todos os anos pelo menos quatro mil escravos à Bahia. Os cativos seriam vendidos por 130 mil reis os da primeira escolha, e por um preço menos elevado os de segunda e terceira escolhas.

Outra questão abordada por Verger foi quanto a criação da Companhia das Vinhas do Alto Douro, em 1757, da qual Joaquim Ignácio da Cruz era o administrador. Isso ocorreu durante o vice-reinado do conde dos Arcos. Fazia parte dessa sociedade o futuro marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Mello.

Na mesma época, na cidade do Porto, os atos e críticas dirigidos contra um organismo administrativo sob a proteção do rei de Portugal, na época D. José, eram considerados crimes de lesa-majestade, conforme a doutrina do futuro marquês de Pombal.

Alguns meses após a sua constituição, a Companhia das Vinhas (um monopólio) tornou-se tão impopular que todos os habitantes do Porto se levantaram contra ela, e os taverneiros lesados provocaram um tumulto, em fevereiro de 1757. Gritavam: Viva o povo! Morra a Companhia! Eles levaram o “juiz do povo” ao chanceler, rogando que a empresa fosse abolida, com ordens para que cada um pudesse vender e comprar o vinho livremente.

Os revoltosos invadiram a casa da companhia, quebraram móveis e rasgaram os documentos. O castigo exigido pelo governo foi o mais severo e foi conduzido pelo desembargador João Pacheco Pereira de Vasconcelos e o escrivão José Mascarenhas.

A manifestação foi considerada como crime de lesa-majestade. No total, 478 pessoas foram condenadas (424 homens e 54 mulheres), sendo 21 homens e cinco mulheres condenadas à pena capital. Outros tantos foram mandados para o exílio em diversas galés da África, além de outras penas, como proibição de permanecer no Porto, confiscos e penas pecuniárias.

“FLUXO E REFLUXO” XXIII

“INCENTIVO OFICIAL DAS AUTORIDADES BRITÂNICAS AOS IMIGRANTES “BRASILEIROS”

De acordo com a obra “Fluxo e Refluxo”, de Pierre Verger, os imigrantes de Serra Leoa formavam em Lagos uma classe média de comerciantes e de funcionários subalternos na administração britânica.

A formação que recebiam em seu pais, a adoção da língua inglesa, o protestantismo que exibiam e a sua condição de cidadãos britânicos os tornavam mais próximos dos funcionários e comerciantes ingleses vindos da metrópole do os imigrantes brasileiros, separados dos britânicos pelos seus hábitos do Brasil, pela religião católica e pela própria condição de estrangeiros.

Os “brasileiros” simplesmente eram vistos como parentes pobres ao lado dos habitantes de Serra Leoa. A administração britânica adotava um certo preconceito com relação ao Brasil e aos brasileiros. No entanto, africanos emancipados que voltavam para Lagos eram bem-vindos, e o cônsul Benjamin Campbell procurava estimular os navios da Bahia a irem para Lagos e não para Uidá.

A mesma linha de conduta foi também seguida pelos governadores de Lagos até fins do século XIX, mas eles consideravam “iorubás repatriados” e não “imigrantes brasileiros”.

Em 1871, o governador de Lagos, John Hawley Glover, dizia que a terra estava destinada a ser povoada e cultivada pelos escravos emancipados de volta do Brasil e pelos imigrantes do interior. Em 1872 ele escrevia sobre as constantes chegadas de imigrantes brasileiros. John recomendava que esses brasileiros, para ele semicivilizados, fossem acolhidos por serem bons agricultores.

Em mensagem entre autoridades brasileiras, o governador afirmava que o repatriamento de seus artesãos e agricultores qualificados é particularmente desejável e deveria receber incentivo geral. Em 1887, o inglês parlamentar Cornelius Alfred Moloney foi um dos maiores incentivadores para a ida de brasileiros para Lagos. Na época ele sugeriu uma linha direta de navios a vapor saindo da Bahia para Lagos, ao invés da viagem ser feita por veleiros.

Sobre os “brasileiros”, Cornelius dizia que eram os nascidos na região iorubá que foram capturados e enviados para o Brasil como escravos; ou os seus descendentes; ou, em certos casos, alguns que, tendo sido levados também como escravos para o Brasil de outros pontos da África, fixaram-se em Lagos.

Segundo Cornelius, os brasileiros começaram a ser estabelecer em Lagos por volta de 1847, desde que passou a haver certa segurança, em consequência do incentivo e das garantias dadas aos negros do Brasil por uma visita do chefe tapa, conhecido como Osodi, sob a autoridade de Kosoko, então rei de Lagos.

Em 1871 havia 1237 repatriados do Brasil. Dez anos depois esse número passou para 2.732. A mão-de-obra do Brasil naquela época era constituída sobretudo de ex-escravos e seus descendentes e de negros escravos. Só na Bahia, segundo relatório consular de 1884, existiam 108 mil escravos de todo Império do Brasil, a maioria nas culturas de cacau, café, arroz, índigo, tabaco e algodão. Todos esses produtos podiam ser aclimatados em Lagos.

Foram criadas linhas de navios a vapor da Bahia para Lagos em comum acordo com os governos e companhias particulares, mas não deram bons resultados, sem bem que muitos continuaram a fazer esse caminho de volta através de veleiros. O sr. Conerlius acreditava que o retorno dos trabalhadores africanos do Brasil proporcionaria a criação de novas culturas em Lagos.

Os “brasileiros” e os cubanos formavam um grupo homogêneo e compunham uma sociedade em que as preocupações mundanas não estavam ausentes. A abolição da escravidão, em 1888, foi bastante festejada nas colônias em Lagos, conforme descreviam os jornais locais africanos.





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