“O REI DA FLORESTA” (PELO PAÍS DA COSTA DO MARFIM

No livro reportagem do Prêmio Nobel de Literatura, nascido em Trinidad, o escritor V. S. Naipaul, de “A Máscara da África” faz sua viagem entre os anos 2008/09 pela Costa do Marfim e outros países. Em sua jornada, entrevistou e conversou com seus guias, estudiosos, babalaôs e até chefes de santuários sagrados.

No capítulo “O Rei da Floresta” ele descreve sobre Houphouet-Boigny, o imperturbável presidente da Costa do Marfim, amado pelos franceses e adorado pelo seu povo. Um homem que poderia ser chamado de rei.

Richmond é uma espécie de guia com quem ele conversa sobre os mistérios desse país africano que também cultua os espíritos ancestrais que vivem nas florestas e montanhas. Richmond conta uma história fantástica que ouviu de sua tia sobre como Houphouet se preparou para uma vida de poder.

Esse que se tornou rei consultou um grande xamã ou curandeiro sobre como ter o poder eterno. Seguindo seu conselho, Houphouet se fez cortar em pequenos pedaços, que foram cozidos junto com algumas ervas mágicas num caldeirão.

Dentro do caldeirão, num momento crucial, os pedaços de Houphouet se juntaram e se transformaram numa poderosa serpente que teve que ser derrubada no chão por um auxiliar de confiança. Depois de domada, a serpente se tornou novamente em Houphouet. Essa história tinha como testemunha a auxiliar confiável do próprio Houphouet.

Essa auxiliar era a tia de Richmond, cozinheira de Nkrumah, o primeiro presidente de Gana independente e um dos grandes homens da África moderna. Essa história foi narrada para milhares de pessoas no país em diferentes versões. Foi graças a esses relatos sobrenaturais que o mito do presidente foi mantido vivo entre seu povo.

A receita do curandeiro tinha funcionado. Por toda África havia mudanças sangrentas e, mesmo assim, Houphouet governou por toda vida, sempre descartando seus desafiadores. Morreu aos oitenta e oito anos, mas parecia ter mais que isso. Na África, a vida privada de um governante sempre foi um mistério.

O pátio real, rodeado por um alto muro de 15 quilômetros de comprimento, ficava no meio da cidade de Yamoussoukro, construída em torno do sítio da aldeia onde Houphouet nasceu. Atrás do muro havia um jovem bosque.

“Deus sabe que rituais secretos, que sacrifícios, executados por sabe lá que sacerdotes secretos, eram maquinados para manter a salvo o rei e seu reino numa época em que nada na África parecia sólido” – destaca o escritor.

Segundo Naipaul, bem longe do pátio havia poderosos emblemas das fés importadas, como uma mesquita ao estilo norte-africano que cruzou o Saara até aquele lugar longínquo das florestas úmidas africanas. O outro emblema era uma basílica que prestava homenagem a São Pedro.

A religião era um ponto de honra para Houphouet, de acordo com o autor do livro. Foi o que manteve o rei forte. Agradava a ele honrar aquelas duas fés internacionais, apesar de se entregar às vibrações africanas que deviam ser encenadas em rituais privados, com seus crocodilos sagrados, destinados somente ao rei.

Naipaul afirma que há vinte e sete anos quando estivera na Costa do Marfim, alguém da universidade lhe dissera que, quando um grande líder morria, seus servos e escravos tinham de tratar de fugir, pois podiam ser enterrados com seu amo.

No entanto, havia servos de tão grande lealdade que queriam morrer com seu líder. De uma fonte estrangeira soube que centenas tinham sido mortos no funeral de Houphouet, isto é, pessoas apanhadas do lado de fora, como vagabundos ou pedintes.