O FUTEBOL DE ONTEM NÃO É O DE HOJE
Carlos Gonzalez – jornalista
Vamos tentar analisar e comparar o futebol jogado na Europa Ocidental com o do Brasil: imaginemos que você tomou um gole de “Estrella Galicia” (cerveja fabricada na cidade espanhola de La Coruña), e, em seguida, prove uma das nossas “louras”. Seu paladar não vai se iludir. É indiscutível a melhor qualidade do produto importado. Assim é o nosso futebol, desde 1982, quando a seleção verde-amarela deixou os gringos de boca aberta nos gramados espanhóis.
A partir daí, “cartolas” europeus, árabes e japoneses usaram suas valiosas moedas para levar nossos craques, deixando aqui um produto de segunda qualidade para consumo interno. Adolescentes bons de bola passaram a ser observados pelos “espiões” dos grandes clubes do Velho Mundo. A Copinha, disputada nos meses de janeiro, em São Paulo, por centenas de jovens, menores de 18 anos, é uma das vitrinas do futebol nacional.
Felizmente, essa “fuga” não chegou ao patamar do que ocorre com as nações africanas. Na França, por exemplo, não só o futebol, mas outros esportes, formaram suas equipes nacionais naturalizando jovens do continente negro. Marcos Senna, Jorginho, Pepe, Tiago Alcântara e Diego Costa integram uma pequena lista de brasileiros que vestiram as camisas de seleções de nações europeias.
Um dos pioneiros desse êxodo de brasileiros para a Europa foi Evaristo de Macedo (atuou de 1957 a 1962 pelo Barcelona e de 1962 a1965 pelo Real Madrid). Técnico campeão brasileiro pelo Bahia em 1988, seu nome batiza o centro de treinamento do Tricolor em Dias d’Ávila. Ídolo onde passou como profissional, Evaristo rompeu uma espécie de norma na época: primeiro atleta a vestir as camisas dos dois maiores rivais do futebol da Espanha.
Quem viveu e frequentou os estádios – raramente uma competição esportiva era transmitida pela televisão, que dava seus primeiros passos – pode afirmar hoje que 60, 70 e 80 foram os “Anos Dourados” do futebol brasileiro. Maracanã e Morumbi recebiam nos domingos mais de 100 mil espectadores. Até mesmo na saudosa Fonte Nova, 110 mil pagantes assistiram Bahia 2 x Fluminense 1, em 12 de fevereiro de 1989, pelo Campeonato Brasileiro. Tempos que não voltam mais porque os estádios “encolheram”.
Santos, Real Madrid, Benfica e Milan eram os clubes mais lisonjeados do mundo; Botafogo x Santos era o maior clássico do futebol brasileiro – assisti a um deles no Rio, ao lado de mais de 100 mil torcedores. Imaginem, de um lado, pelo time paulista, Pelé, Zito, Coutinho, Mengálvio, Gilmar e Pepe; pelos cariocas, Garrincha, Nílton Santos, Amarildo, Didi e Zagallo. Os dois clubes, no final da década e 50 e começo de 60 formavam a base da Seleção Brasileira, campeã mundial em 58 e 62.
Quero dizer que o torcedor não sentia empolgação apenas com os shows montados por santistas e alvinegros. Recordo dos espetáculos encenados pela Academia do Palmeiras, de Ademir da Guia; pelo Cruzeiro, de Tostão e Dirceu Lopes; pelo Expresso da Vitória, do Vasco da Gama; pelo Bahia heptacampeão baiano (142 vitórias, 75 empates e 11 derrotas), de Douglas, Fito e Baiaco; a Máquina Tricolor do Fluminense, de Rivelino; o Rolo Compressor, do Internacional; e o Flamengo, de Zico e Júnior.
Vivíamos uma fase em que praticamente duas competições eram disputadas: os campeonatos Brasileiro e os estaduais. Os atletas tinham tempo para treinar, ter outra profissão e estudar. Atualmente, passam muitas horas nos aeroportos e a bordo de aviões, por causa dos torneios organizados pela Conmebol, CBF e federações estaduais. Atração o ano inteiro, os regionais duram somente três meses. Os jogadores dos clubes de divisões inferiores – a maioria – passam nove meses desempregados, viajam de ônibus, seus dirigentes reclamam da falta de ajuda do poder público municipal e do empresariado.
Temos um exemplo aqui na nossa casa. O Conquista está há cinco anos fora da Primeira Divisão do futebol do estado. As últimas gestões municipais têm ignorado o que o esporte pode representar para sua cidade, haja vista que uma secretaria tem que cuidar da cultura, do lazer, do turismo e do esporte. Mesmo que o titular do cargo tenha boa vontade para trabalhar, ele não irá se transformar num super-homem.
O empresariado justifica a recusa em colaborar sob o argumento de que, se o time fica muito tempo sem atuar. a marca do seu negócio não é vista pelo público, como não é mostrada pela televisão. Beneficiada com isenção fiscal concedida pelo município, uma grande loja instalada no comércio conquistense poderia aplicar em publicidade parte dos seus lucros, inserindo sua marca no uniforme do Conquista, como vem fazendo em clubes do interior do país, como o vôlei feminino de Brusque, em Santa Catarina.
Um dos maiores “adversários” do futebol brasileiro, responsável pelo decréscimo técnico das nossas equipes, sem distinção, é o chamado “time das despesas”. O boletim financeiro do jogo Jequié x Jacuipense, pela última rodada da fase de classificação do Campeonato Baiano, emitido pela FBF, mostra que 2.208 pessoas foram ao Estádio Waldomiro Borges, deixando nas bilheterias R$ 12.340. O visitante voltou à sua cidade de mãos vazias e o mandante, depois de somadas as despesas, teve um prejuízo de R$ 12.340.
Diante desse cenário, qualquer tipo de espetáculo para o público, seja teatro, música ou futebol, a tendência é deixar o palco. Há necessidade de se buscar novas fontes de renda, como vender suas revelações antes do término do contrato, aceitar propostas, até desvantajosas, de bilionários europeus e xeques árabes, submetendo-se ao capitalismo internacional selvagem, transformar-se em sociedade anônima com direito somente a 10% das ações; receber e agradecer o dinheiro dos sócios, dos patrocinadores, das casas de apostas e de sites de encontros amorosos, e o pago pelas TVS a título de direito de imagem.
No Brasil, o torcedor padrão é o que recebe um salário mínimo, – o “0 geraldino” -, aquele que está deixando de ir aos estádios – um público de 40 mil pessoas é manchete dos jornais – , porque não tem recursos para adquirir um ingresso, cujo preço está fora do seu orçamento. O show não conta mais com bons artistas. Termina presenciando agressões, sob a complacência dos árbitros, e, nas arquibancadas e imediações dos estádios, batalhas, até com uso de armas de fogo, de torcidas organizadas.