:: 20/fev/2025 . 21:57
O ÚLTIMO FOLIÃO
(Chico Ribeiro Neto)
“Se aqueta, menino. Nada de pular Carnaval esse ano. Você só tem 13 anos! Para o ano, quem sabe!”
“Vai pra casa, meu tio! Você não tem mais idade pra tá aqui!”
O último folião pegou o trio de Luiz Caldas saindo da Vitória, em 1985, cantando “Nega do Cabelo Duro”, o maior sucesso do Carnaval. O bicho pegou e tinha uma grávida em nosso grupo, já com uns 7 a 8 meses. A multidão imprensou ela no portão de um prédio, implorei ao porteiro para abrir o portão e ele se negou. A grávida foi no embalo.
Paramos numa barraca do Campo Grande onde comemos um delicioso ensopado de carneiro com farinha e pimenta. Depois daí a grávida foi embora.
Desço a Ladeira de São Bento no bloco Camaleão. O povo vende saquinhos de água e cerveja pelas laterais do bloco, que ainda não tinha estrutura de bar nem sanitários.
Nas décadas de 70/80 (não sou bom em datas) não havia catador de latinhas. A Avenida Sete de Setembro ficava repleta de latas de cerveja que o povo ia chutando pros cantos e que só eram recolhidas pela Limpurb na manhã seguinte.
Não passava nenhum trio elétrico na Praça Castro Alves há mais de uma hora. Começamos a batucar com latinhas na mão e em pouco tempo se formou uma imensa roda. Baiano sabe como se alegrar.
Vou atrás da “Caetanave”, com Caetano Veloso cantando “Chuva, Suor e Cerveja”, onde arranjei uma namorada que tinha uma namorada. “Não se perca de mim…”
Dou uns quatro beijos numa linda morena no pastel chinês da Rua Carlos Gomes, mas ela escapole e vai embora com o trio. Vizinho ao pastel chinês havia uma loja de armas, a “Winchester”.
Tinha um cara que morava em Brasília e pedia aos amigos de Salvador que lhe enviassem a mortalha depois do Carnaval. Não rasgar nem fazer pano de chão, mandar pra ele, que deve ter feito uma boa coleção.
O Clube de Engenharia, na Rua Carlos Gomes, ponto de encontro da turma de esquerda.
Meu amigo Biúca, que mandou fazer uma batina legítima de franciscano, com capuz e tudo, e saiu pela rua distribuindo bênçãos e ganhando beijos.
O cara que saía todo fantasiado de latinhas de cerveja.
O cara que desfilava pela Avenida Sete segurando uma gaiola vazia e com um cartaz pendurado no peito: “Minha rolinha fugiu. Quem viu minha rola?”
O último folião dá uma “prise” na lança-perfume Metálico Rodouro e beija a última foliã. Ela está descalça, a maquiagem borrada, a mortalha cai de um ombro. Depois, ele sobe na estátua do poeta, na Praça Castro Alves, abre os braços para a Baía de Todos os Santos e canta: “Se a canoa não virar/ Olê, olê, olá/ Eu chego lá…” (“Marcha do Remador”, de Antônio Almeida e Oldemar Magalhães).
Em casa, um confete verde me espreita, espremido entre os tacos da sala.
(Veja crônicas anteriores em leiamaisba.com.br)
- 1