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:: 28/dez/2020 . 23:02

“CIGANOS DO PASSADO/ESPÍRITOS DO PRESENTE”

Numa linguagem poética e sensível, sem entrar em detalhes sobre a história e as origens do seu povo, mas narrando hábitos e costumes, a cigana Ana da Cigana Natasha, em sua obra “Ciganos do Passado/Espíritos do Presente” entra no mundo dos espíritos de várias famílias que viveram entre os séculos XVI a XIX, contando como se vestiam, seus adereços e magias, bem como, as especialidades deles no retorno ao mundo de sua gente.

De origem russa, desde que veio morar no Brasil, Ana cuida dos espíritos ciganos como lhe foi ensinado pelos seus antepassados. Ela joga as cartas desenhadas com os antigos símbolos da família e os seixos rolados da Rússia, além de ministrar diversos cursos sobre temas ciganos. O livro é composto de histórias que ela escutou dos mais velhos, principalmente do seu kaku (ancião, sábio e mestre).

TRADIÇÕES E RELIGIOSIDADES

Mesmo mantendo suas tradições culturais, os ciganos têm suas religiosidades e são muitos ligados à natureza, com rituais de folhas parecidos com a umbanda. Sua maior protetora é Santa Sara, que não chegou a ser canonizada pela Igreja Católica. Ela era a 10ª filha de um casal de religião igual a dos israelitas. Ana conta que aos 14 anos teve uma visão e descobriu que teria que ajudar o seu povo que estava sendo perseguido.

Ainda pequena, sua família decidiu correr o mundo e foi nessas viagens que Sara conheceu os ciganos e “a vidência veio mais forte”. Decidiu, então, abandonar a família e acompanhar os ciganos, e sempre os ajudava a fugir das perseguições. No sul da França, em Camargue, tornou-se rainha da terra e passou a ser uma sacerdotisa.

No lugar em que ela viveu até a sua morte e sepultada, foi erguida a Igreja de Santa Sara em Santes Maries de La Mer. Todos os anos. No começo de maio, outros autores e pesquisadores falam nos dias 24 e 25 de março, acontece as comemorações e peregrinações em louvor à santa, com procissão e festa na paróquia. Aqui no Brasil, os ciganos são devotos de Nossa Senhora Aparecida.

RITUAL DO CASAMENTO

Sobre as tradições de seu povo, Ana fala dos rituais de casamento e da morte. Diz ela que entre os antigos, o pai escolhe o marido para a filha e a esposa cuida de arranjar uma noiva para o filho. No entanto, existem estudiosos que asseguram que em tribos mais modernas, os casais têm sua opção de aceitar ou não a decisão dos pais.

De acordo com Natasha, no dia do casamento, o acampamento é todo arrumado para a grande festa. As carroças formam um grande círculo e no meio uma fogueira sagrada é acesa. Num canto é armado uma tenda e, dentro dela, posta uma mesa coberta com uma toalha de linho branco bordado pelas mãos da mãe da noiva.

Na mesa são colocadas várias comidas, doces e o tradicional leitão assado com frutas por cima. Enquanto isso, dentro da carroça a noiva ainda se apronta. Os violinos começam a tocar as melodias ciganas. A cortina da carroça se abre e dentro dela sai a noiva, vestida com uma roupa rebordada com pedras coloridas. Na cabeça traz uma tiara de flores do campo; nas orelhas, argolas de ouro; no pescoço, muitos colares de pedras coloridas; nos pulsos, pulseiras de ouro; e, nos dedos, anéis de ouro com pedras preciosas.

Quando a lua cheia aparece no céu, os noivos são levados até a fogueira. A noiva pelas ciganas mais velhas, e o noivo pelos mais idosos. O mais velho de todos é convidado para proceder a cerimônia. Ele junta as mãos dos noivos e recita uma oração. A seguir, separa as mãos dos dois. Pega um punhal de ouro e começa a falar umas palavras mágicas.

Em seguida, faz-se um corte de dois centímetros no pulso do noivo e outro no da noiva e une os sangues. Volta, então, a fazer a oração da junção do sangue, amarrando no pulso de cada um deles um lenço vermelho, dizendo palavras de benção. Depois, o velho cigano pega um pão, que foi feito no dia anterior ao casamento pela mãe da noiva e o corta em duas partes iguais. Coloca cada pedaço do pão na mão de cada um. Junta as mãos e volta a dizer uma oração.

Depois disso, retira o pão das mãos e as amarras com um cipó do mato e diz: Está aqui a união do trigo que representa a mulher e o homem. Que a noiva tenha respeito ao seu marido, pois ele é seu dono até a morte. Daqui para frente és uma senhora e terás de dar obediência total ao seu marido e à família dele. Em continuidade à cerimônia, é trazida uma bandeja dourada, com uma taça grande de cristal, que o pai do noivo é obrigado a dar de presente ao casal para esse ritual do desapego.

A partir daí, a mulher é automaticamente propriedade da família do marido e irá morar junto com o grupo dele. O casal de noivos bebe o vinho da taça e o homem a quebra, jogando para trás deles. A festa do casamento continua com todos dançando, comendo e bebendo.

Em certo momento, a shuvani (mulher mais velho do grupo) ordena que os noivos vão para a sua carroça. Lá dentro, começa o primeiro ato sexual, após o qual será feita a prova da virgindade da noiva. Passadas algumas horas, a shuvani vai buscar o lençol onde os dois consumaram o ato. Forma-se um círculo em torno da fogueira, e a shuvani mostra a todos o lençol com o sangue da virgindade da noiva. A partir do dia do casamento, ela passa a usar um lenço sobre os cabelos, marca das mulheres casadas.

RITUAL DA MORTE E DOS ESPÍRITOS

Quanto a morte, quando a pessoa se encontra em estado grave, as tendas são armadas em círculo, em cujo centro faz-se uma fogueira. A música parece pedir a Deus uma cura. Numa tenda, um grupo de mulheres faz suas previsões. Depois da pessoa morta, começam a preparar as comidas preferidas do espírito que se foi. Tudo é feito com festa e alegria, com violinos a tocar.

As mulheres ou os homens lavam o corpo do falecido com água de uma fonte, misturada com flores, ouro, prata, moedas antigas e atuais. Assim é feito o ritual da purificação. Todos falam de coisas bonitas para que o espírito retorne à terra em forma de luz.

O corpo é sempre sepultado debaixo de uma árvore frondosa. Sobre a terra é derramado vinho tinto para que o espírito siga sua viagem satisfeito. Pesquisadores ressaltam que muitas tribos costumam queimar os pertences do morto. Natasha conta que o ritual do banquete ao homenageado é repetido até que se completem sete anos da sua desencarnação.

O livro de Ana também traz receitas culinárias que ela transcreve de seus antepassados, na maioria doces, bolos e outras comidas com nomes ciganos, como Papo-de-Anjo Cigano, Mãe-Benta Cigana, Bolo do Sol, Bolachinhas Ciganas, Salada Cigana, Mojito Cigano, dentre outros. No mais, ela narra sobre espíritos de diversas famílias ciganas que viveram no passado.





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