:: 26/abr/2024 . 22:55
“A MÁSCARA DA ÁFRICA” IX
OS CURANDEIROS E MESTRES DAS FLORESTAS
O autor de “a Máscara da África”, V. S. Naipaul, em sua viagem pelo Gabão, entre 2008/09, quis saber sobre os pigmeus, o pequeno povo, mestres das florestas e descobridores da planta iboga, um alucinógeno usado nos rituais de iniciação. Eles não são muito respeitados pelas outras tribos.
Para entender mais sobre eles, Naipaul conversou com sua guia Claudine, uma apaixonada pelos pigmeus, que vivia na floresta bem perto deles. Disse que achava ser um horror eles serem considerados sub-humanos e incapacitados e ficarem confinados em reservas.
“Não temos nenhum respeito por eles, mas recorremos a eles em segredo para nos curarmos”. Disse: “Quanto mais perto ficamos dos pigmeus, mais entendemos que o mundo tem uma alma e uma vida. Tem energia. Os pigmeus são como nossas lembranças do passado. Eles detêm o conhecimento do mundo”.
De acordo com o escritor, os eventos da segunda metade do século XIX escancararam o continente. No entanto, os pigmeus continuaram apegados à floresta, preservando seu conhecimento onde residia sua civilização. Outras tribos perderam muito disso.
No entendimento de Claudine, no mundo místico você pode fazer um feitiço com a sobra de comida de alguém para ferir essa pessoa. E essa pessoa terá de ir correndo ao pigmeu para ter ajuda. Explicou que aqui existem dois tipos de curandeiro, um que lida apenas com a malária e a gripe e outro que trabalha com problemas maiores, como os feitiços. Para esse tipo, “tem que ser o curandeiro mestre”.
Claudine fala também da existência de duas tribos no sul do Gabão. Uma que lida com as cerimônias da iniciação e os pigmeus que cuidam das plantas, inclusive da iboga. “Por isso se podia dizer que as duas culturas, a dos bantos e a dos pigmeus, tinham se juntado”.
Quanto ao dom da adivinhação, a importância está na comunicação com o ancestral, depois de feita a iniciação. A pessoa só podia aprender sobre sua posição na sociedade através do ancestral. Para isso eram necessários o crânio e os ossos do ancestral, não podendo ser de um sacrifício ritual qualquer – ressalta.
“O crânio e os ossos para esse ritual precisavam vir de um ancião, que, perto de morrer, dava à pessoa permissão de guardar seus ossos como uma relíquia”.
Sobre a ingestão da iboga, Claudine afirma para Naipaul que “a planta é muito amarga. A boca e o corpo ficam dormentes, e toda sensação é realçada. No verdadeiro bwiti (ritual), o ancestral chega às três da manhã e fala uma língua antiga que ninguém entende. Somente os iniciados do terceiro nível conseguem entendê-lo”.
Outra coisa é que para ser um curandeiro é preciso ter um ancestral em algum ponto do passado que tenha sido curandeiro. Naipaul perguntou se os pigmeus são felizes. “São felizes e são gentis, mas são uma raça muito prevenida. Não confiam com facilidade. Ainda caçam à noite e agora têm armas no lugar de armadilhas”.
“Os pigmeus acreditam na natureza. Acreditam que procedem da terra e é por isso que não querem poluí-la com os mortos. Eles não enterram os mortos. Quando um mestre morre, eles o envolve numa esteira e coloca o morto sob uma grande árvore. Deixam ali para apodrecer e ninguém vai àquele lugar. Não vão caçar nem coletar alimento ali. Quando a decomposição está completa, colocam os ossos numa tumba e põem a área em quarentena”.
No cristianismo eles consideram difícil ver Jesus como todo poderoso. Para eles, o poder deve ser distribuído entre os chefes. A média de vida deles é de cinquenta anos porque a civilização introduziu neles várias doenças, como o HIV.
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