:: 18/out/2023 . 21:59
RESGATE DE BRASILEIROS NA ÁSIA
Carlos González – jornalista
O jornalista e escritor Elio Gaspari comparou em sua coluna no jornal “A Folha de S. Paulo” o comportamento dos governos de Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva em duas crises humanitárias, com motivações diferentes, mas com finalidade única: o resgate de brasileiros, moradores ou a passeio, em países distantes. Em 1920, as 34 pessoas que se encontravam na China, berço do coronavírus, clamaram por ajuda; nos últimos dias, milhares de nossos compatriotas foram retirados de Israel assim que irrompeu o conflito que mancha de sangue as terras por onde Jesus Cristo percorreu.
Gaspari lembra que, num primeiro momento, Bolsonaro, obstinado pela cloroquina e outros medicamentos ineficazes na cura da Covid 19, descartou a ida de uma aeronave da FAB a China para trazer brasileiros ameaçados por uma “gripezinha”. “É preciso antes resolver os entraves diplomáticos, jurídicos e financeiros”, questionou o presidente ao comentar a carta aberta escrita pelos 34 brasileiros que estavam confinados na província chinesa de Wuhan
Diante dos argumentos apresentados por Luiz Henrique Mandetta, então ministro da Saúde, o presidente negacionista concordou em montar, numa encenação teatral, a operação “Regresso à Pátria Amada Brasil”. Quatro aviões e 120 militares, além de funcionários do Itamaraty e uma equipe de filmagem, foram enviados à China. “Um exagero”, comentou Mandetta. A montagem da peça custou R$ 4,6 milhões aos cofres públicos.
Dos quatro médicos que ocuparam a pasta da Saúde, Mandetta foi o único que não dizia “amém” aos “conselhos” do chefe. Pagou caro pelo seu profissionalismo, exonerado após passar 15 meses no cargo. Pelo menos, não testemunhou a revogação de 23 decretos relacionados com a pandemia que matou 660 mil brasileiros, o segundo maior número de vítimas do vírus no mundo.
Não poderíamos deixar de registrar uma outra – foram várias – omissão de Bolsonaro, relacionada com a covid-19: em janeiro de 2021, o sistema de saúde do Amazonas entrou em colapso com a falta de oxigênio nos hospitais, insumo necessário para os pacientes internados em UTIs. Mais de 50 contaminados pelo vírus morreram por asfixia e mais de 500 tiveram que ser transferidos para hospitais em 15 estados. O socorro veio da Venezuela, o vizinho “comunista” que na época não mantinha relações com o governo do acusado de genocida.
Longe das cenas de pânico observadas em Manaus e no interior do estado, Bolsonaro provocou revolta, mostrando em público como se morre com falta de ar. Sobre a crise sanitária no Norte do País, afirmou que “não é competência e nem atribuição” do governo federal levar oxigênio para o Amazonas, e que enviou recursos financeiros para o Estado enfrentar a pandemia.
O presidente aproveitou para elogiar o trabalho do seu ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello, que dias antes tinha enviado para o Amazonas 120 mil unidades de hidroxicloquina. A omissão de Pazuello foi alvo de pedido de investigação da Polícia Federal.
Uma nova conjuntura
Na sua “viagem” pelo continente asiático, Gaspari chegou à Terra Santa, onde a maioria dos brasileiros que lá estavam – três deles foram assassinados pelo grupo terrorista Hamas – temiam permanecer na região em conflito desde o último dia 7.
Sem lances teatrais, a FAB e o Itamaraty organizaram em poucas horas os procedimentos de resgate. Vários voos vêm sendo realizados, inclusive com utilização do avião da Presidência da República, entre o Brasil e Israel. Até o momento, 1.100 brasileiros e 24 animais de estimação desembarcaram no Rio e São Paulo. Os governos da Argentina, Paraguai, Chile e Uruguai têm aproveitado esses voos para repatriar seus cidadãos.
A maioria dos repatriados, moradores de Tel Aviv e de outras cidades israelenses, votou em Bolsonaro – 53,4% contra 46% para Lula – no segundo turno das eleições passadas. Em Ramallah, capital da Autoridade Palestina, foi o contrário – 90,5% contra 9,5%.
Em qualquer lugar do mundo o judeu tem duas pátrias, sendo que uma delas é Israel. Ao atingir a maioridade ele tem o direito de ir viver em Israel para servir ao exército (obrigação de todos os homens e mulheres aos 18 anos), estudar ou morar num kibutz, optando por um trabalho que normalmente rejeitaria em seu país. O judaísmo, com relação ao casamento, chega a ser inflexível quando se trata da união conjugal entre um judeu e uma não-judia. Quem violar esse mandamento é considerado morto.
A missão desempenhada pelas administrações Bolsonaro e Lula na questão dos regates de brasileiros na China e em Israel não convenceu alguns raros oposicionistas de que há diferenças entre o Brasil de ontem e o de hoje. Liderados por Eduardo Bolsonaro (PL-SP), meia-dúzia de saudosos do bolsonarismo insiste em associar Lula ao Hamas. Nos últimos dias, o gabinete do ódio usou as redes sociais para divulgar fake news (publicações já desacreditadas pelo povo), transformando o velho e cansado presidente num terrorista.
O bolsonarismo nasceu na sombra do nazismo e do fascismo – Silvinei Vasques, ex-diretor da PRF, colecionava fotos dos ditadores Adolf Hitler e Benito Mussolini -, ideologias que tentaram exterminar com o povo judeu. O antissemitismo era uma das bandeiras da extrema direita brasileira. Tudo indica que, depois que o pastor Everaldo Pereira (preso em agosto de 2020, acusado de corrupção e lavagem de dinheiro) deu três “caldos” em Bolsonaro no Rio Jordão, a direita brasileira passou a fazer peregrinações a Jerusalém, colocando o Muro das Lamentações como prioridade no roteiro de viagem.
UM RACISMO VELADO
“Estamos preparando nossa ficha técnica e precisamos de uma jornalista, residente em Conquista, mulher preta, e com experiências em redes sociais para compor nossa equipe como assessora de imprensa”.
Confesso que fiquei chocado e estarrecido com este anúncio de emprego que saiu em um grupo do Zap, até imaginei se tratar de uma provocação de alguém ou de uma fake news. Não aparece a procedência do anunciante, nem o nome da empresa contratante.
Em minha opinião, não resta dúvida de que se trata de um racismo velado, principalmente nos tempos atuais onde buscamos tolerância e igualdade de cor, sem discriminação e preconceito, seja do lado que for. Não se deve medir o mérito das pessoas pela cor da pele. Não há nada que justifique.
Entendo até que tipo de anúncio como este merece todo repúdio, sem muitos comentários. Lembrei do discurso de Martin Lutter King que pregou, em seu sonho, uma união de todos, sem ódio e distinção de cor.
Fico aqui a imaginar o que diriam os movimentos negros, as entidades que lutam pela igualdade, as organizações de direitos humanos como OAB e os próprios órgãos do governo federal, se veiculasse um anúncio ao contrário, isto é, ao invés de “mulher preta”, uma mulher branca.
Esta espécie de anúncio não combina com o slogan do Governo do PT de “União e Construção”. Considero uma provocação e uma forma de criar mais ainda um clima de animosidade em nossa sociedade, além de ser um “prato feito” para os extremistas e fascistas.
Mesmo os excluídos há séculos neste país, inclusive com mais de 300 anos de escravidão, não podem agir com radicalismo dessa maneira, porque em nada estão construindo para a união. Portanto, considero o anúncio um absurdo, isso se não se tratar apenas de uma pegadinha, ou uma fake news plantada por alguém.
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