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:: 27/out/2023 . 23:32

“DENTRO DA BALEIA E OUTROS ENSAIOS” (Final)

REFLEXÕES SOBRE A LITERATURA NOS REGIMES TOTALITÁRIOS E NAS DEMOCRACIAS; A PROSA E O POEMA; OS CIENTISTAS; E OS MALÉFICIOS DA MECANIZAÇÃO NAS ARTES. “COMO ACONTECE COM CERTOS ANIMAIS SELVAGENS, A IMAGINAÇÃO NÃO SOBREVIVE EM CATIVEIRO”.

O escritor indiano-inglês, George Orwell, em sua obra “Dentro da Baleia e Outros ensaios” faz uma reflexão sobre a literatura nos regimes totalitários e nas democracias e como ela consegue sobreviver. Sobre o poema e a prosa, diz que o primeiro pode ser elaborado em conjunto, até na batida de um instrumento onde uma inspiração vai se juntar com a do outro, enquanto a segunda requer mais solidão e trabalho individual.

No capítulo “A Prevenção contra a Literatura”, ele começa citando “Pen Club” (clube internacional de escritores fundado em 1921) e a Areopagítica de John Milton, de 1644, um panfleto em defesa da liberdade de imprensa. Sobre o clube, descreve que, de um lado, estavam os apologistas do totalitarismo e do outro os inimigos do monopólio e da burocracia (a concentração da imprensa nas mãos de uns poucos ricos).

“A independência do escritor e do artista é devorada por forças econômicas vagas e, ao mesmo tempo, corroída por aqueles que deveriam ser seus defensores”… “A liberdade de pensamento e de imprensa são normalmente atacadas com argumentos que nem vale a pena mencionar”. É claro que ele fala da sua época dos anos 30/40, mas sua observação vale para nossos tempos atuais.

Em sua análise, afirma que os católicos e os comunistas são semelhantes na suposição de que um oponente não pode ser ao mesmo tempo honesto e inteligente. Cada um deles alega que a verdade já foi revelada e que o herético está secretamente ciente da “verdade” e resiste a ela meramente por razões egoístas.

Em sua crítica, a liberdade do intelecto significa liberdade para relatar o que se viu e sentiu, e não ser obrigado a fabricar fatos e sentimentos imaginários. “O argumento de que contar a verdade “seria inoportuno” ou “favoreceria o jogo” de alguém é considerada irrespondível, e poucas pessoas se incomodam com a perspectiva de as mentiras que elas toleram irem para os jornais e livros de história”.

Orwell destaca que a mentira organizada, praticada por estados totalitários, é algo inerente ao totalitarismo. Para ele, uma mentira grande não é pior do que uma pequena. “Uma sociedade totalitária que tivesse sucesso em se perpetuar estabeleceria provavelmente um sistema de pensamento esquizofrênico”… Segundo o escritor, existem pessoas que consideram um escândalo falsificar um texto científico, mas que nada seria errado falsificar um fato histórico.

Na literatura política, em sua avaliação, o totalitarismo exerce maior pressão sobre o intelecto. “Isso explica em parte o fato de em todos os países ser mais fácil para os cientistas do que para os escritores alinhar-se aos respectivos governos”.

Sobre a Inglaterra, onde os inimigos da verdade são os barões da imprensa e na Rússia soviética ser um território proibido na imprensa britânica, certos temas são excluídos do debate. “Todo escritor é um político, e cada livro é necessariamente um trabalho de reportagem honesta”. Muitos supõem que o escritor é uma pena de aluguel – assinala.

Em sua ótica, o jornalista não é livre e tem consciência da falta de liberdade quando é forçado a escrever mentiras ou a suprimir o que a ele parecem notícias importantes. “O escritor imaginativo não é livre quando precisa falsificar os sentimentos subjetivos que, de um ponto de vista, são fatos. Ele pode distorcer a realidade de forma a tornar mais claros seus objetivos, mas não pode adulterar seu cenário mental. Se ele for forçado a fazer isso, o único resultado será que suas faculdades criativas vão secar”.

Em sua opinião, literatura genuinamente apolítica é coisa que não existe, menos ainda em uma época como a nossa, quando medos, ódios e lealdades de um tipo claramente político estão próximos da superfície na consciência de todas as pessoas.

A PROSA E A POESIA

Em seu ensaio, ressalta que a literatura algumas vezes floresceu sob regimes despóticos, porém conforme foi assinalado com frequência, os despotismos do passado não eram totalitaristas. A prosa literária atingiu seu nível mais alto nos períodos de democracia e livre reflexão.  Essa prosa desapareceu durante a única era de fé que a Europa já teve. Ao longo da Idade Média, quase não existiu prosa literária imaginativa, e bem pouco texto histórico.

De acordo com ele, não está claro se os efeitos do totalitarismo sobre a poesia são necessariamente tão fatais quanto sobre a prosa. Há uma série de razões convergentes pelas quais é um pouco mais fácil para um poeta do que para um prosador sentir-se à vontade em uma sociedade autoritária. Burocratas e outros homens “práticos” desprezam os poetas por terem grande interesse no que ele está dizendo.

“A ideia contida em um poema é sempre simples. Um poema é uma combinação de sons e associações, como uma pintura é um combinado de pinceladas. Para fragmentos curtos, na verdade, como no refrão de uma música, a poesia pode até mesmo abrir mão totalmente do significado. É relativamente fácil para um poeta manter-se distante de temas perigosos e evitar expressar heresias e, mesmos quando expressam, elas podem passar despercebidas”.

Na poesia existe, segundo o ensaísta, o tipo de colaboração, o contrário da prosa que é feita mais na solidão. “A poesia pode sobreviver até mesmo sob regime mais inquisitorial. Mesmo em uma sociedade em que a liberdade e a individualidade foram extintas, ainda haveria necessidade de músicas patriotas e baladas heroicas que comemorassem conquistas e bajulação”.

A história das sociedades totalitárias sugere que a perda de liberdade é inimiga de todas as formas de literatura – segundo sentencia Orwell, ao apontar que a literatura alemã quase desapareceu durante o governo de Hitler, e a situação não foi diferente na Itália, bem como na Rússia desde que se deteriorou nos primeiros dias da Revolução em 1917, embora alguns poemas pareçam ser melhores do que na prosa.

Sobre a Europa Ocidental e a América, destaca que parcelas da literatura passaram pelo Partido Comunista ou foram simpatizantes, mas esse movimento para a esquerda produziu poucos livros dignos de se ler. “O catolicismo ortodoxo parece ter um efeito esmagador sobre certos gêneros, como o romance. Ninguém jamais escreveu um bom livro em louvor à Inquisição”.

Em sua crítica, a poesia pode sobreviver em regimes totalitários, mas o escritor da prosa não teria escolha entre o silêncio e a morte. “A destruição da liberdade mutila o jornalista, o escritor, o historiador, o romancista, o crítico e o poeta, nessa ordem”.

A MECANIZAÇÃO NAS ARTES

George Orwell chegou a prever a mecanização das artes como um todo onde haveria uma queda de produção, autenticidade e conteúdo. “É provável que romances e contos sejam substituídos por filmes e programas de rádio. Um processo de mecanização já pode ser visto em funcionamento no cinema e no rádio em níveis mais baixos de jornalismo”.

Os filmes da Disney são produzidos por um processo fabril de forma mecânica, em parte por grupos de artistas que precisam sujeitar seu estilo individual. Peças de rádio são escritas por redatores exaustos. O que eles escrevem é um material bruto, fatiado e formatado por produtores censores, bem como livros encomendados por departamentos do governo – ressalta o autor.

Nessa mecanização ele cita contos, seriados e poemas para revistas mais baratas. Declara que em jornais abundam anúncios de escolas de literatura, todas oferecendo enredos prontos por poucos xilins por hora. Outras fornecem frases de abertura e de encerramento de cada capítulo. Algumas, pacotes de cartões, com anotações sobre personagens e situações…

A imaginação, conforme diz, seria eliminada do processo de escrita. De forma indireta ele chegou a prever a criação da inteligência artificial quando afirmou que a imaginação seria eliminada do processo de escrita. Os livros seriam planejados por burocratas e depois passariam por tantas mãos que terminariam não sendo mais um produto individual do que um carro da Ford ao fim da linha de montagem. Para o autor, algo assim seria uma porcaria.

“Para exercer seu direito à liberdade de expressão, você precisa lutar contra a pressão econômica e contra parcelas poderosas da opinião pública, mas não, ainda contra a polícia secreta. O grande público não se importa com a questão, de uma forma ou de outra. Eles são ao mesmo tempo lúcidos demais e estúpidos demais para desenvolverem o ponto de vista totalitário”.

OS CIENTISTAS PRIVILEGIADOS

Segundo Orwell, a Rússia é um pais grande em desenvolvimento que tem uma necessidade aguda de cientistas e, por isso, trata eles com generosidade. Desde que não se metam com psicologia, eles são privilegiados. Por sua vez, os escritores são perseguidos e deles é extirpada a liberdade de expressão. O cientista deve dizer: Os escritores são perseguidos. “E daí, eu não sou escritor”. O Estado totalitário tolera o cientista porque precisa dele, a exemplo da Alemanha nazista onde eles não ofereceram resistência a Hitler- enfatiza Orwell.

O cientista pode até gozar de certo grau de liberdade, mas Orwell adverte que se ele quer salvaguardar a integridade da ciência, é seu dever ser solidário para com os colegas literários e não considerar com indiferença que escritores sejam silenciados ou levados ao suicídio, e os jornais falsificados.

Por fim, ele ressalta que a literatura está condenada se a liberdade de pensamento perecer. Em seu ponto de vista, uma mente vendida é uma mente estragada, tornando impossível a criação literária. “No momento, sabemos apenas que a imaginação, como certos animais selvagens, não sobrevive em cativeiro”.

 

 

 





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