:: 11/out/2023 . 23:24
UMA GUERRA QUE VAI NOS ATINGIR
Carlos González – jornalista
Um povo oprimido há mais de meio século por homens e mulheres refugiados do regime nazista que, ao longo desses anos, aparelhou um dos mais bem respeitados exércitos do mundo, reage um dia violentamente, sem imaginar que a retaliação do inimigo será devastadora, apoiada por parceiros poderosos e pela imprensa internacional. Esse é o enredo da peça teatral encenada no teatro de guerra do Oriente Médio, que, provavelmente, não irá passar do primeiro ato, devido a desproporção de forças. Os mais antigos diriam que o Hamas mexeu numa casa de marimbondos.
No último sábado, 7, o mundo recebeu com perplexidade e pavor a notícia de que o grupo Hamas, uma espécie de braço armado da Autoridade Nacional Palestina, promovia um derramamento de sangue em solo israelense. A organização, de natureza religiosa, criada em 1987, tem como um dos seus lemas, reproduzido na sua Carta de Princípios, a frase: “Morrer pela causa de Alá é nossa maior esperança”.
Nos últimos dias o termo terrorismo vem sendo aplicado para caracterizar esse ataque suicida do Hamas, organização considerada pelos Estados Unidos e pela União Europeia como terrorista. No passado, Israel se valeu dos grupos terroristas Haganá e Gangue Stern nas ações belicosas contra os palestinos. Como podemos classificar a invasão dos Estados Unidos e do Reino Unido ao Iraque, sob a justificativa de que o país asiático armazenava armas nucleares, químicas e biológicas, que nunca foram encontradas? Os 148 mil soldados das forças de coalização destruíram em pouco mais de 20 dias a frágil defesa inimiga, perdendo pouco mais de 120 homens. No lado iraquiano morreram 24 mil militares e 7.500 civis, entre eles o presidente Saddam Hussein, condenado à forca.
Inicialmente, o objetivo do Hamas era uma reivindicação antiga do povo palestino, a criação de um Estado autônomo, com capital em Jerusalém, vivendo em paz com seus vizinhos israelenses. Esse clima de harmonia nunca existiu por conta da implantação de acampamentos judaicos na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, e dos frequentes conflitos entre os dois povos. Eram comuns imagens de jovens palestinos atirando pedras nos soldados israelenses, que respondiam com munição letal.
Nessa inimaginável escalada bélica, que a inteligência militar judaica não percebeu, o Hamas lançou milhares de foguetes, ao tempo que seus militantes, nos ataques por terra, cometiam atrocidades que chocaram o mundo. Entre esses atos, considerados como crimes de guerra, foram relatados mortes de bebês e crianças, ataque a um festival de música que deixou mais de 400 mortos, execuções, tortura e estupros.
Os mais de 100 israelenses feitos prisioneiros estão ameaçados de execução, caso Israel mantenha os ataques com mísseis a alvos palestinos. Os números de mortes dos dois lados são desencontrados, mas, segundo os correspondentes de guerra, 260 mil palestinos já deixaram suas casas em busca de um lugar seguro.
Os que ficaram em Gaza, incluindo 25 brasileiros, estão condenados à morte, como prevê o embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahim Alzeben, numa entrevista à “Folha”: “Nossos irmãos estão sendo submetidos a um ataque de “terra queimada”, referindo-se ao cerco por terra, mar e ar das forças armadas de Israel. “Ou se morre vítima dos bombardeios ou por falta de medicamentos, comidae água”, acrescentou.
O advogado e diplomata brasileiro Osvaldo Aranha tem o reconhecimento do povo judeu por ter se empenhado, como presidente da Assembleia Geral da ONU, pela criação do Estado de Israel na histórica sessão de 14 de maio de 1948, concedendo 53,5% do território sob domínio britânico aos refugiados da 2ª Guerra Mundial e 45,4% aos palestinos, que ocupavam a região. O nome do brasileiro batiza pelo menos ruas e praças de quatro cidades israelenses.
A recusa de não ter atendido uma antiga reivindicação palestina, o direito a um Estado – um processo que se arrasta até hoje -, a ONU estimulou o conflito entre os dois povos, que já completou sete décadas, com milhares de perdas de vida, principalmente entre os árabes, que se veem na condição de alvos de um apartheid. Apoiados por grandes grupos financeiros de origem judaica localizados no Ocidente, notadamente nos Estados Unidos, Israel, pelo seu poderia militar, é visto como uma ameaça aos países árabes que o cercam.
A negativa dos ricos judeus alemães de financiar os planos do regime nazista de Adolf Hitler foi um dos pilares do Holocausto. Entre 1933 e 1945, mais de 6 milhões de judeus foram assassinados nos campos de concentração nazista. Os que conseguiram sobreviver e não perderam seu patrimônio emigraram para o território palestino, onde aguardaram a decisão da Assembleia Geral da ONU.
Geograficamente, Israel está situado na Ásia, mas seu ciclo de vida como nação está direcionado para a Europa. O seu povo tem características que o aproximam do europeu; não são boas suas relações com as nações do Oriente Médio; organismos europeus aceitam a participação dos israelenses, inclusive a UEFA (a seleção judaica disputa as eliminatórias da Copa do Mundo e da Eurocopa contra as equipes europeias) .
A guerra no Oriente Médio ascendeu a polarização entre direita e esquerda no Brasil. Apesar do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter divulgado nota condenando o que chamou de ataque terrorista do Hamas, o seu antecessor não perdeu a oportunidade para propagar mais juma mentira, vinculando o PT ao grupo palestino. Depois que Jair Bolsonaro foi mergulhado nas águas do Rio Jordão, Jerusalém se transformou numa espécie de Meca para os evangélicos brasileiros.
Numa rápida iniciativa do governo brasileiro, aviões da FAB estão retirando os quase 1.700 brasileiros que residiam ou faziam turismo em Israel. A maioria deles, com dupla nacionalidade, eleitores de Bolsonaro, deixou o Brasil para estudar nas universidades locais, para trabalhar voluntariamente nos kibutz (agrupamentos que funcionam como cooperativas com caráter socialista) ou para servir ao exército. No período em que fui aluno do Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR), em Salvador, dois companheiros israelitas (nascidos fora de Israel, mas professam a religião judaica) do curso de Artilharia revelaram que gostariam de vestir o uniforme do exército de Israel.
Se a guerra Rússia – Ucrânia vem afetando há mais de um ano a vida do brasileiro, que a todo instante é penalizado com aumentos da gasolina e do gás de cozinha, com reflexos nos produtos de maior consumo, esse novo conflito que se desenrola no Oriente Médio irá trazer maiores sacrifícios ao nosso povo. Vamos acabar construindo o nosso próprio Muro das Lamentações.
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