Em fevereiro próximo (de 13 a 18) comemora-se o centenário da Semana de Arte Moderna de 1922. Nosso blog (Encontro com os Livros) vai fazer uma série de artigos sobre o assunto (pesquisa de Jeremias Macário) em homenagem ao evento, que foi um divisor de águas entre o passado e o novo na história das artes, abrangendo todas as linguagens artísticas. Este é o nosso primeiro comentário que segue todas as sextas-feiras.

A Semana de Arte Moderna de 1922 – uns estudiosos do assunto registram o período de 11 a 18 de fevereiro e outros de 13 a 18 – está recheada de controvérsia, divergências, brigas e separações entre grupos idealizadores. Ela nasceu com ideias futuristas da Itália através de Marinetti (seguidor de Mussolini), com princípios libertários nacionalistas visando substituir os velhos estilos e gêneros do passado parnasiano pelo novo, conforme assinalam críticos literários, como Alfredo Bosi e José de Nicola.

No geral ela bebeu da vanguarda europeia antes e depois da I Guerra Mundial e se inspirou em movimentos expressionista, dadaísta e cubista, principalmente. Com os acontecimentos políticos após o evento houve uma divisão e alguns enveredaram para o nacionalismo ufanista da direita fascista integralista. A concepção futurista foi banida pelo próprio Oswald de Andrade, um dos pensadores do movimento.

Os três principais espetáculos da Semana, no Teatro Municipal de São Paulo (dias 13, 15 e 17 de fevereiro), que neste ano está comemorando seu centenário, juntamente com a fundação do Partido Comunista Brasileiro, a Revolta Militar do Forte de Copacabana (depois veio o tenentismo e a Coluna Prestes) e o bicentenário da Independência do Brasil, foram de muita confusão, algazarras, vaias, ofensas e críticas veladas aos escritores, poetas, pintores e aos artistas participantes.

Os mentores do movimento, Graça Aranha, membro da Academia Brasileira de Letras (Alfredo Bosi, em “História Concisa da Literatura Brasileira”) e Di Cavalcanti (“Literatura Brasileira, de José de Nicola) depois seguiram caminhos diferentes na política, com o racha no grupo. Por ironia, o encontro contou com forte patrocínio do setor financeiro paulista, apesar dos escritos literários (a maior expressão veio da literatura), focar seus alvos contra os hábitos e costumes sociais da burguesia rural e urbana.

RETROSPECTIVA

Para entendermos melhor o que foi a Semana de Arte Moderna de 1922, devemos fazer uma retrospectiva dos fatos desde a primeira década do século XX, a I Guerra Mundial (1914-1918) e as renovações de pensamentos ocorridas na Europa, especialmente na França, Alemanha e Itália. Esse turbilhão de ideias, como sempre acontece, chegou mais atrasado no Brasil de Oswald de Andrade, Di Cavalcanti, Anita Malfatti, Menotti del Picchia, Mário de Andrade e outros.

Em sua crítica, Bosi faz uma definição do modernismo como um clima estético e psicológico, citando Graça Aranha, o único intelectual da velha guarda que passa do pré-moderno e adere ao modernismo, mas que permanece com sua posição política de direita. Na realidade, esse movimento traz consigo um novo código diferente do parnasiano de Olavo Bilac e do simbolismo, como Manuel Bandeira e Ribeiro Couto.

O escritor Lima Barreto já introduzia em sua literatura traços modernos em seus romances, bem como Monteiro Lobato, um conservador crítico ferrenho da Semana, Guilherme de Almeida, Menotti e Oswald de Andrade. No entanto, nem tudo que foi modernista parecia moderno, conforme descrevem os literatos.

Lima Barreto e Graça de Aranha pertenciam a camadas sociais bem diferentes (o primeiro de origem pobre), mas tinham forte sentimento nacional ao ponto de palmilharem juntos a revolução literária dos anos 20 e 30. Em sua visão, Bosi pondera que, se por modernismo entende-se ruptura com os códigos literários do primeiro vintênio, a rigor não houve escritor pré-modernista.

Antes da Semana já havia exemplos de inconformismo cultural através da crítica literária às estruturas das velhas gerações nos primeiros vinte anos do século XX. Portanto, dentro desses códigos literários podem ser considerados de pré-modernistas Euclides da Cunha, João Ribeiro, Lima Barreto e Graça de Aranha.

Na verdade, como exemplifica Bosi, existia sim um espírito modernista no ar por meio de inovações artísticas que mais tarde iriam polarizar, a exemplo de Anita Malfatti, Victor Brecheret, Di Cavalcanti, Vila-Lobos, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Menotti del Picchia, Sérgio Milliet, Guilherme de Almeida, Manuel Bandeira, dentre outros.

Nos primeiros anos da I Guerra Mundial, os ventos desses ideais já sopravam. Na Europa, a literatura dava sinais de crise. Em Paris, Oswald conheceu o futurismo de Marinetti, em 1909. Este acabou aderindo ao fascismo de Mussolini. Em 1912 aconteceu o manifesto “Fundação no Figaro” e Paul Fort lançava seus versos livres.

No Brasil, Manuel Bandeira plantou as primeiras sementes do modernismo. Ronald de Carvalho ajudou, em 1915, fundar a revista de vanguarda portuguesa “Orpfeu” que propagou a poesia de Fernando de Pessoa e Sá Carneiro.

Também Tristão de Ataíde e Graça de Aranha conheceram as vanguardas europeias simbolizadas na poesia de Sérgio Milliet. Mesmo com críticas e polêmicas, o termo futurismo, visto como barbarismo, começa a circular nos jornais brasileiros por volta de 1914. Antes disso, em 1910, na Bahia, foi publicado um folheto sobre o manifesto de Marinetti, excluído durante a Semana de Arte Moderna. Outro fato que marcou essas mudanças foi o artigo de Ernesto Bertarelli sobre as lições do futurismo, no jornal “Estado de São Paulo”.

Essas inovações simbolistas de versos livres eram muito contestadas, mas começavam a aparecer até no meio sertanista de Cornélio Pires, Paulo Setúbal e Catulo da Paixão Cearense. Como diz Bosi, era um híbrido de culto ao popular e ao nacional.

As manifestações, surgidas na Europa através de uma série de exposições, terminaram desaguando no encontro da Semana de Arte Moderna, organizada por um grupo da burguesia culta paulista e carioca, que mudou o quadro literário, o carro-chefe do evento junto com as artes plásticas.

Antes da Semana, porém, o fato mais importante que movimentou a cultura paulista foi a exposição de Anita Malfatti, em 1917. Apesar de criticada, sua mostra de pinturas, com traços expressionista e cubista, serviu de guia para as novas tendências. O evento de São Paulo recebeu uma crítica virulenta de Monteiro Lobato (conservador), com o artigo “Paranoia ou Manifestação”?, publicado no jornal “Estado de São Paulo”.

Os trabalhos de Anita (estudou artes plásticas na Alemanha) tiveram o apoio de solidariedade de Oswald, Menotti del Picchia e Mário de Andrade contra as críticas de Lobato. Em sua bagagem da Europa, ela trazia novos elementos plásticos da Alemanha e dos Estados Unidos.

Em sua obra de “Literatura Brasileira”, Alfredo Bosi descreve que de 1917 a 1922, um grupo jovem e atuante no meio literário paulista bebeu das poéticas do pós-guerra, mas, mesmo assim, ainda mantinha o tradicionalismo provinciano brasileiro.

Ainda em 1917, Mário de Andrade estreou na literatura com “Há uma Gota de Sangue em Cada Poema” sobre a I Guerra. Na época, Bandeira considerou os versos ruins, dizendo que tinham resquícios condoreiros. Oswald lança “Os Condenados”, um romance ainda de estilo híbrido na análise de Bosi.

Menotti, um dos mais ativos da Semana, publica os livros de “Poemas do Vício e da Virtude” (1913), ainda parnasiano, Juca Mulato” (poemeto regionalista), “Moisés” (poema bíblico) e as “Máscaras” (1917), com vícios do decadentismo. As obras foram bem aceitas pelo público. Em 1922, ele escreve o romance “O Homem e a Morte” que narra as aventuras de um artista paulista com um estilo entre o romântico e o impressionista.