:: ‘Na Rota da Poesia’
NA ESTRADA
Na estrada cigana galante
Anavalhada, livre e longa
De uma vida curta e pouca
Sou sereno, frio e vento
Sol a pino de cara ardente
Poeira lá do horizonte
E ando com tanta gente
De senso santo e louca
Que comove e engana
Na procura daquela fonte
Que mata sede do andante.
É uma via do mal e do bem
De sina divina e satânica
Em toda extensão da pista
Com aviso em cada esquina
Riscos da liberdade proibida
Esculpidos por um artista
Com entrada, meio e saída.
Gira e muda como enigma
O sentido finito da vida
Com face suave e tirânica
Sem decifrar o rosto do além.
MENTE BRASILEIRA
Letra de autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário
A mente moura ibérica, negra e índia,
Essa mistura mestiça brasileira mente,
Mente feio o eleitor na urna ao ir votar,
Depois o eleito só quer tirar seu proveito,
Promete pão e escola e dá circo e esmola;
Enganam o governo e o caro parlamentar,
E a avenida histérica se divide pra xingar.
Gente falsa compra sapato em Nova York;
Só quer falar I love “very good, nok, nok”;
Rouba meu cofre e sempre se diz inocente,
O demente mente que a ditadura não existiu,
Mente na TV que não tem feito preconceito,
Faz de conta que lê e só vê as redes sociais,
Avança os sinais e se diz humano solidário,
Apoia os fascistas e o corrupto salafrário.
Mente vil brasileira tão incoerente mente,
Onde o forró lambada virou coisa imoral,
A puta finge amor na cama que já gozou,
A igreja prega que a inquisição já passou,
O malandro se gaba de esperto inteligente;
Todos só querem em tudo levar vantagem;
O Nordeste não tem mais cabra da peste,
Como Suassuna com sua viagem armorial;
Mente brasileira de cultura ainda colonial.
NOS BARES DA VIDA
Poema de autoria do jornalista Jeremias Macário
A inspiração aflora e o casal ao lado só namora
O papo rola com a turma do jogar conversa fora
Uns caras da saideira falam de política e fofocas
O poeta rabisca no guardanapo seu fiapo da letra
Canta uma canção de amor a viola cigana menina
Moucos das redes sociais navegam em suas locas
Num bar de Minas bateu asas o Clube da Esquina.
Nos bares da vida sempre tem freguês
Uns vão comemorar feliz suas glórias
Outros vão até lá suas mágoas consolar
Se está numa boa se diverte nas histórias
Se bate a crise toma pra esquecer a danada
Escutar o cancioneiro falar da mulher amada
Mesmo sabendo que a conta chega todo mês
Nos bares da vida discutem escritores e cordelistas
Olhares indiscretos trocam bilhetes com o garçom
Em Munique sentou num bar o corvo cruel da morte
O comuna Marx brigou com o anarquista Proudhon
Nas tabernas, bárbaros juraram derrubar os romanos
Num bar de Gori, Stalin tirano tramou a queda do czar
Hemingway tomava a santa cana na Bodeguita cubana.
Saiu o manifesto Bola-Bola Cinema Novo no Alcazar
No Vermelhinho cruzaram militantes contra a ditadura
O surrealismo francês ternura nasceu no Cyrano de Paris
Artistas baianos curtiram noites no Anjo Azul e Tabaris
Nas etílicas tintas das matérias escolheram seus pincéis
Naquele bar atiraram pistoleiros e jagunços dos coronéis
Nos bares da vida, sempre existiu aquele histórico bar.
NO MEU EMBORNAL
Nasci no espinhaço do sertão,
No profundo agreste nordestino,
Com rapadura, farinha e carne seca,
Ouvindo o estrondo do trovão,
No sol escaldante de matar,
Que até inseto morre no ar,
E carrego no meu embornal,
A faca, a foice e o martelo,
E da minha primeira lição,
Estudei o latim no Seminário,
O grego, o francês e o português;
Labutei duro e fiz histórias no jornal.
As angústias e a vida em vendaval,
As coisas boas e ruis do passado,
Todas as alegrias e o choro calado,
Até o soro que tomei lá no hospital,
A solidão das vagas madrugadas,
Os acordes da mulher doce amada,
As cores do meu país maltratado,
Onde o roubo é tratado como normal,
Está tudo no meu velho embornal.
O conhecimento, as intrigas e brigas,
Os momentos de tantas fadigas,
As certezas e a vida de incertezas,
O sonho de ver irmão igual irmão,
Viver num país de igualdade social,
Sem o preconceito religioso racial,
O saber de saber que nada sei,
Que sou simples ser e não um ter,
Tudo está no meu surrado embornal.
Carrego tudo no meu embornal,
Muita coisa boa nesta sacola,
Coisas que não se aprendem na escola,
Como as noites etílicas sagradas,
Os segredos dos frios dos invernos,
E as floridas cores das primaveras,
Muita gente de caras mascaradas,
Nas eras das ditaduras severas,
Tudo está lá guardado no embornal.
O clarear do verão seco e quente,
Batendo nos rostos de tanta gente,
Indo e vindo nas bancas de jornais,
De corpos sofridos e espíritos fatais,
Em linhas tortas arrombando portas,
Tudo está lá no meu velho embornal.
SAMOS O QUE SAMOS
Poema inédito e mais novo de autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário
Somos volúpias carnais infernais,
Ternos, tiranos irracionais radicais,
Hienas caçadoras carniceiras,
Águias de garras traiçoeiras,
Gaviões famintos nos galinheiros,
Gafanhotos destruindo plantações,
Mandacarus sobreviventes do sertão
Fogo e fumaça em erupção.
Somos água seca da cacimba,
O cangaço retorcido de aço,
O silêncio que vem lá de cima
Do universo sideral dos céus,
Gentes inocentes incoerentes,
Com a mente que sempre mente
Sentados nos bancos dos réus.
Somos feiticeiros de religiões,
Arrastando legiões carneiras;
Somos todos paus de atiradeiras,
Fingindo ser o que não somos
Nesta vereda de tantos ramos,
Em noites embriagadas de vinhos,
Tentado arrancar nossos espinhos.
Somos aves, passarinhos gigantes,
O céu e o inferno de Dantes,
O vento forte que vem do norte,
Madeira de ferro pra toda obra,
Que vive correndo atrás da hora,
Ora rir feliz e ora triste chora,
Sofrendo com o aqui e o agora.
GENTE QUE É GENTE
Poema do jornalista e escritor Jeremias Macário
Por esse lenho da Vera Cruz
Desceram os espíritos da nau
Atrás do venal cobiçado metal
Com doenças do corpo e da alma
Inocular o vírus predador do mal
Na gente virgem mata selvagem.
Armada de doutrina sagrada
Comeu nativo na cruz e na tara
Cuspiu gente que ainda faz gente
Do açoite do cipó, do reio e da vara
Do ouro, do mel da cana e da boiada.
Neste visceral árido caminho
Vaga a ampulheta da morte
De uma gente andante solitária
Que se humilha pra ser gente
E não é vista pela sua gente
Indiferente e inconsequente.
Depois de um sono de engano
Raios de luz batem na janela
Crianças choram de fome
E a paisagem do mar da favela
Na curva da esquina some.
Nas bocas fumacentas do crack
Nos escombros e nas ruínas
Trapos, farrapos amontoados
Mães, meninos e meninas
Das guerras tiranas assassinas
De uma gente que não vê sua gente.
Gente de fé e luta cangaceira
Da seca cinzenta e inclemente
De rostos marcados nas feiras
Carrega seu bocapio de poeiras
Cheio de esperança de ser gente.
Vejo os mortos vivos
Perambulando nesta estrada
Do pergaminho curto da vida
Como códigos de um ninho
Misterioso de uma gente crente
Que nem sabe se é mesmo gente.
A alma da terra dessa gente
Que não tem na capanga a moeda
Para dar ao barqueiro Caronte
Vaga pelas margens do rio
No viaduto e debaixo da ponte.
Atrás daquele monte de pedras
Pode existir uma doce fonte
Uma flor rara e solitária
Outro horizonte perdido
Outra gente que ama gente
E ensina como mudar a mente.
Gente que é gente do ter e do ser
Gente braçal e de todos os rincões
Gente do pensar mágico simpático
Das fábricas, campos construções
É preciso fazer a hora acontecer.
ENTRE UM E O OUTRO
Poema do jornalista Jeremias Macário
Brigam a ciência e o mistério,
pela verdade do peregrino,
mas poucos levam a sério.
Misturam religião e profano,
nas festas de todo o ano.
Uns vão e outros ficam,
na curva escura da vida.
Uns preferem a linha reta;
outros duvidam da seta.
A saudade aperta,
quando termina a festa,
e o encontro se desfaz,
no ar como o gás.
Entre a água e o fogo,
fico com o fogo.
Entre a terra e o ar,
fico com o ar para respirar.
Entre a pauta e o roteiro,
temo ficar com os dois,
e ser escolhido pra depois.
Entre a morte e a vida,
não tem mais saída.
Entre a treva e a luz,
fico com a que me conduz.
Entre a música e a literatura,
só se tiver conteúdo e cultura.
Entre o deletar e a tortura,
me leve para a sepultura.
Entre o amor e a dor,
nos dois eu sou.
Entre a capela e a catedral,
sou a mais simples pra rezar,
e chegar do outro lado de lá.
Entre o amigo só das festas,
fico com o das horas incertas.
Entre Raul, Chico e Gil,
melhor se for de vinil.
Entre Milton e Vandré,
fico também com Tom Zé.
Entre a religião e a filosofia,
prefiro a popular sabedoria.
Entre esse espaço de aço
e a sociedade alternativa,
fico com a criatura primitiva.
Entre a chuva e a maré,
prefiro ir seguindo a pé.
0 SISTEMA TECNOTÓXICO
Poema do jornalista Jeremias Macário
Neste mundo de tanta tecnologia
A sabedoria caiu no coito da orgia;
O homem ficou ainda mais idiota,
Que nem sabe mais abrir sua porta,
E como tropa segue cego sem rota.
Ainda jovem plantei árvore, livro e fiz filho,
E dai Raul, continuo um cara insatisfeito,
Um andarilho sem sentido e sem conceito,
Nesse sistema que nos empurra pro poço;
Sou como um cão faminto roendo um osso.
A máquina roubou o seu lugar;
Planta na terra mais agrotóxico;
Colhe veneno alimento de matar;
Tudo fresco e vistoso por fora,
Que se come até a casca na hora.
O homem corre dia e noite, noite e dia;
Respira no ar as partículas de dióxido,
E lá vai o elemento andante tecnotóxico
No sistema tóxico de tanto pó e negócio,
Que suga sua alma e cada gota de energia.
Sou um invento contente tecnotóxico;
O sistema que manda fazer isso e aquilo;
Beber ácido e comer a comida a quilo;
Ser um ativo neste mundo competitivo;
Fumar tóxico e engolir fumaça de monóxido.
Sou do sistema um átomo e fio de conectar;
Sempre carrego na cabeça a senha do celular;
Excremento que por ai vagueia sem um tema,
Pronto pra aprender o teorema do esquema,
E repetir na entrevista tudo que me perguntar.
Não tenho nome, sou número tecnotóxico,
Moço engravatado e um liso comportado,
Se quiser um emprego de gari ou deputado,
Sigo a linha padrão de um bom capitalista
E nada de artista, ativista ou comunista.
Minha artéria venenosa de competição
No sistema bruto sem caráter e sem lição,
Nem vejo miséria nesse mundo tecnológico;
Como na fila o hamburguer cheio de tóxico,
E nem quero saber dessa coisa de ser lógico.
NÃO QUERO MAIS ESTA LIÇÃO
Poema de autoria de Jeremias Macário
Meu poema não fala de libido e amor,
Lembra de um gado em disparada,
Como no verso galopeiro de Vandré;
Ele é mais de dor ferida que de flor;
É cálice amargo, vida de caça fuzilada,
Como na angústia do Drumond de José.
Não quero esta assassina lição,
De esquecer a milenar sabedoria;
Não quero soldado para abater,
Fazendeiro com guia pra matar,
Brasileiro comer pedra pra viver,
No país de um futuro sem razão.
Quando a mente vira aço se cala,
E o artista se quebra em pedaços;
Não protesta contra esta estupidez,
Em nossos peitos o cara mira a bala;
Voltam-se aos tempos dos cangaços;
E o povo freguês nunca tem sua vez.
A mídia quer mesmo é bajulação,
Como o profeta Raul Seixas anuncia;
Fazer sua média atrás do capital vil,
E os canalhas encurtam nossa educação;
Querem um povo de cangalhas e servil;
Negam a ditadura e cospem democracia.
Como no rasgo da viola do vate,
Não quero aprender esta lição
Dos inimigos da nossa cultura;
Sou menino e visto o rosa;
Sou a menina desse céu azul;
Quero o saber da Sociologia,
De toda parte, do norte ao sul,
O livre pensar da nossa filosofia,
E gritar bem alto a minha prosa;
Marchar firme contra esta loucura
Da apologia a essa arte do descarte.
FREGUÊS DE TODO MÊS
Poema de autoria do jornalista Jeremias Macário
Para poucos o colosso, para muitos o osso;
O cristianismo pegou dos celtas e romanos
O solstício, e veio o capital inventou Noel
E os profanos de Cristo lotearam todo o céu.
Você corre e corre atrás do metal vil,
E nem dá conta que não passa de freguês;
Se esbalda no bar no final de semana;
Em casa ouve um som do antigo vinil
Que fala de liberdade e se acha bacana,
E a conta chega todo o final do mês.
Olhe meu camarada para seu espelho;
Você corre, corre e todo fim de mês
Entra na maldita lista de besta freguês;
Faz conta, conta e só bate no vermelho
Você corre e voa como cavalo alado;
Discute, briga e solta seu baseado;
Busca como um louco pela verdade,
E pensa no filósofo da antiga idade,
De que a vida lida é um bem incerto,
E que a morte conserta um mal certo.
O brutal sistema sempre nos frita,
Nos faz de brita todo regime maldito,
Seja no verão, primavera ou inverno,
E cada um tem seu deus e seu inferno.
Esmagado como cana que vira bagaço,
Você abre o site burocrata do formulário;
Faz o passo a passo pra abrir os cadeados,
E segue o rigor dos minutos e do horário,
E ele pede sempre mais e mais dados,
E testa seus nervos esticados de aço,
E no final ainda lhe chama de fracasso.
Lembre-se que você tem as fronteiras,
De norte a sul tem arames e muralhas;
Do outro lado vivem os frios canalhas;
E nem adianta pedir para abrir passagem
Nessas tormentas fileiras de vaga viagem.
Olhe meu camarada para seu espelho;
Você corre, corre e todo fim de mês
Entra na maldita lista de besta freguês;
Faz conta, conta e só bate no vermelho.