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:: ‘De Olho nas Lentes’

“RISCADOS ÁRIDOS DA INFÂNCIA”

Com fotografias do meu amigo fotógrafo, Evandro Teixeira, reconhecido internacionalmente pelas suas imagens da ditadura militar no Brasil e na América do Sul, de Canudos, dentre outras cenas inéditas, do artista plástico Silvio Jessé, que retrata a vida do sertão e dos sertanejos, foi lançado no início deste mês de janeiro, no Centro de Cultura Camilo de Jesus Lima, o livro “Riscados Áridos da Infância”, da professora Ester Maria Figueiredo, que tem como cenário a cidade de Canudos. Além do deputado federal Waldenor Pereira e do estadual José Raimundo Fontes, estiveram presentes escritores e intelectuais. O evento contou com uma apresentação musical do maestro João Omar. No final, Evandro Teixeira fez uma explanação de seus trabalhos, destacando as fotos emblemáticas da ditadura civil-militar de 1964 no Brasil, com destaque para a marcha dos 100 mil e dos principais personagens que participaram das manifestações contra o regime, cujo golpe está completando 60 anos e merece ser lembrado para que este episódio nunca mais se repita em nosso país. Na ocasião, Teixeira lançou seu livro de 100 estudantes e militantes que estiveram presentes nos protestos do “Abaixa a Ditadura. “Riscados Áridos da Infância” fala do cotidiano da nossa gente sertaneja, seus costumes e hábitos. É, na verdade, uma obra de memória, com a riqueza das pinturas de Silvio e fotos de Evandro.

MAIS UM POSTO SEM MÉDICO

As reclamações são constantes em Vitória da Conquista com relação a postos de saúde da família sem médico, o que demonstra a precariedade do setor em nossa cidade.  Estive ontem (dia 18/01/23) no Posto Nestor Guimarães, no Bairro Felícia, Guanabara ou Jurema, a depender da classificação de cada um, para solicitar uma indicação onde realizar um teste de covid. A recepcionista (parecia nova na função e era a única funcionária) foi logo me dizendo que não existia médico e que eu teria que entrar no site da Prefeitura Municipal (coisa complicada) para fazer a marcação. Ao meu lado tinha uma senhora idoso que pedia um exame, recomendado pelo seu médico anestesista, com a finalidade de proceder sua operação de catarata. A moça disse que ela teria que esperar três meses. Ora, como uma pessoa tem que aguardar três meses por um exame, para realizar uma cirurgia nas vistas quando se trata de um procedimento de urgência para a doença não piorar mais ainda? Me intrometi na conversa em defesa da senhora e lembrei que está completando agora dois anos que marquei um exame no mesmo posto para uma consulta com um otorrino e até o momento não me chamaram, isto quando tive covid em fevereiro de 2022. Como se não bastasse a cultura, a saúde em Conquista está abandonada e muitos chegam até a morrer antes do tempo por falta de atendimento. Como um médico sai de férias e outro não é colocado em seu lugar, como se fosse um empregado auxiliar de escritório onde a empresa pode até acumular a função com outra pessoa. Afinal de contas, estamos tratando de vidas humanas. Isso é um absurdo, para não se dizer uma vergonha. Quanto ao meu teste de covid, tive que fazer numa farmácia particular.

E OS REPAROS DO CRISTO?

Quando estava na presidência do Conselho Municipal de Cultura de Vitória da Conquista (2021/23) surgiu uma denúncia, no início de 2022, de arquitetos e até de pessoas ligadas ao artista Mário Cravo, criador da obra, de que a escultura do Cristo da Serra do Periperi estava necessitando de reparos na parte interna e externa, inclusive de que se esses serviços não fossem feitos, a imagem poderia ficar irrecuperável.  No meado do ano levamos esse alerta para a prefeita Sheila Lemos, numa audiência que tivemos com ela na prefeitura. Prontamente ela respondeu que aquelas informações não tinham fundamento e que havia sido feita uma vistoria e nada foi constatado em termos de estragos em seu material na parte interna. Não foram apresentados laudos comprovando que o monumento não estava correndo risco de perda. No entanto, olhando com mais cuidado, qualquer leigo visitante vai perceber sujeiras na parte externa do Cristo, tanto em sua imagem como na cruz. Se não me engano, o monumento está completando 44 anos e, durante este período, não tem recebido a devida manutenção por parte dos governantes. Alguns deles fizeram uns “puxadinhos” em torno do Cristo, como está sendo realizado agora e sempre dão o nome de revitalização. A verdade é que Ele e sua área nunca receberam grandes obras que atraíssem mais visitas dos moradores e gente de fora. Continua abandonado e quando alguém chega ali é recepcionado por uma cachorrada. Algo tem que ser feito para mudar esse vergonhoso quadro. Já que o poder público não tem dado a devida importância, por que não passar a administração do Cristo para o setor privado ou uma instituição como a Igreja Católica, para explorar o ponto e torná-lo turístico, num cartão postal da cidade, como acontece em outros lugares?

DE TODOS OS PONTOS

Esta imagem é um flagrante do alto da Serra do Periperi, exatamente do Cristo do artista Mário Cravo, mas Vitória da Conquista talvez seja a única cidade da Bahia e do Brasil que pode ser vista de quem está chegando à cidade de todos os pontos cardeais: Do norte, sul, leste e oeste. Para quem ainda não percebeu, sua posição geográfica é privilegiada, situada por assim dizer dentro de uma bacia, a que eu a chamo de parabólica. Logo que aqui cheguei, entre março e abril de 1991, beirando os 33 anos, em pouco tempo notei esse aspecto que deixa qualquer um encantado. Por assim dizer, ainda era uma cidade pequena de pouco mais de 250 mil habitantes, passando a cerca de 400 mil neste período. Foi um crescimento espantoso e um dos maiores do Norte e Nordeste, mas sua infraestrutura em termos de demanda da população ainda deixa a desejar, principalmente na questão de mobilidade urbana (transportes públicos) e água. Por ser uma capital do sudoeste baiano que abrange mais de 80 municípios, outro problema que tende a ser agravar é o trânsito se não forem feitas algumas intervenções além do ônibus. Há mais de 30 anos não havia engarrafamentos, o que já ocorre no centro da cidade e nas principais avenidas. As eleições municipais estão batendo em nossa porta e vamos esperar as propostas dos candidatos sobre esses problemas quer são os principais de seus moradores, muitos dos quais vindos de outros lugares à procura de uma vida melhor.

SÓ DE LUZES

Como nos anos passados, com shows e apresentações de artistas, ternos de reis, quadrilhas e shows musicais no Espaço Glauber Rocha, no Bairro Brasil, inclusive de renome nacional, neste ano, praticamente só tivemos um Natal de Luzes em Vitória da Conquista, na tradicional Praça Tancredo Neves, antiga Praça das Borboletas. No mais foram propagandas do poder executivo nos telões e apresentações desorganizadas de artistas locais no pequeno palco da Praça da Bandeira, no centro comercial. No ano passado ainda ocorreram alguns eventos artísticos no Memorial Casa Régis Pacheco porque o Conselho Municipal de Cultura liberou do seu Fundo 160 mil reais para realização de editais contemplando diversas linguagens. Neste ano de 2023 foi um total fracasso em termos de atividades culturais para o povo, conforme ressaltaram diversos artistas conquistenses. Houve até uma reclamação dos moradores em relação ao “apagão” das luzes na Tancredo Neves, por volta das 23 horas, quando as pessoas estavam se divertindo no local com suas famílias e crianças. De acordo com artistas, o Natal deste ano foi um dos piores de todos os tempos. Tudo isso é um sinal de que a nossa cultura foi abandonada em Conquista, o que é uma vergonha para uma cidade de quase 400 mil habitantes e a terceira maior da Bahia. Cadê a reforma dos equipamentos culturais? Foi só um Natal de luzes e uns pingadinhos de pisca-piscas em alguns bairros, como na Lagoa das Bateias.

O LIXO E O LUXO DO NATAL

Muitos devem perguntar o que tem a ver o lixo com o Natal, sem falar das festas de final de ano. Ah, tem muita coisa! Primeiro, como resultado do consumismo extravagante, acontece o aumento elevado do lixo que é jogado no planeta, principalmente de forma desordenada que entope rios e esgotos, causando enchentes que invadem as casas dos mais pobres que recebem todos entulhos. Segundo, de positivo só para o catador que ganha mais uns trocados para comprar algum alimento e dar um drible na fome. Terceiro são as discrepâncias das cenas entre o lixo e o luxo, especialmente entre os mais abastados, os mais inconsequentes que nem estão aí para o meio ambiente. São tão insensatos e irracionais que nem percebem que estão contribuindo para a autodestruição da humanidade. São os maiores hipócritas que pregam preservação, respeito à natureza para o bem das novas gerações e fazem tudo diferente. Desse tema do lixo e o luxo do Natal pode brotar uma poesia, uma crônica ou um conto malditos, mas ninguém importa para isso. Mesmo sem boas condições financeiras e induzido pela mídia burguesa, nosso povo enlouquece nessa época e só quer saber de comprar e compra sapatos, roupas, bens móveis, brinquedos, celulares, fantasias (sem necessidades) e se empanturrar nas comidas e bebidas. Depois é só curtir as ressacas do outro dia. Para tirar o peso da consciência das mazelas praticadas durante o ano, na véspera muitos costumam fazer algumas doações ou dar uns quilos de mantimentos. Essa gente idolatra mesmo é o Papai Noel e não o Cristo como abre a boca e fala.

O GAVIÃO E O AGRESTE

Tanto o Gavião como o Carcará são típicos do sertão nordestino. São pássaros predadores que me fazem lembrar do agreste seco, voando alto e baixo na caça de uma presa, como pintinhos seguindo suas mães em quintais e terreiros na zona rural.  Como repórter-jornalista, em matérias sobre seca na região sudoeste, por exemplo, com meu companheiro fotógrafo Zé Silva, flagrava muito a presença do gavião na paisagem cinzenta cortando o céu azul da sequidão, ou em altas árvores na espreita de um animal menor rastejante no chão árido, como um calango qualquer. Por falar em agreste, nessa onda calorenta, provocada há anos pela ação destruidora do homem ao meio ambiente, o nosso Nordeste, inclusive Vitória da Conquista, é o que mais sofre com o aquecimento global, atingindo em cheio os pobres do campo. Somente na Bahia são 90 municípios que decretaram situação de emergência por causa da seca. O gado e outros animais menores já estão morrendo de fome e sede, sem falar no ser humano que também é alvo da falta de água e alimentos para sua sobrevivência. A esta altura, sem chuvas há meses, as plantações foram perdidas e não existe mais água nas cacimbas, nos tanques e nos pequenos açudes. Até o gavião sofre com esse tempo castigante dos tradicionais carros-pipas eleitoreiros que nunca atendem a demanda do sertanejo. Há séculos que o quadro continua o mesmo de penúria.

HOMENAGEM AOS PRESOS POLÍTICOS

No próximo ano, em 1º de abril (Dia da Mentira), o golpe civil-militar de 1964 dos generais que implantaram mais uma ditadura no Brasil estará completando 60 anos, data esta que deve ser lembrada, repudiada e contestada por todos cidadãos brasileiros. Devemos sim, prestar homenagens aos presos políticos que na luta heroica contra um regime de opressão foram torturados, mortos e desaparecidos. Em Itapetinga, na Praça da Concha Acústica, ao lado da Biblioteca Municipal, foi erguido um monumento em homenagem a esses personagens que tombaram em favor da democracia. Em Vitória da Conquista, na Praça Tancredo Neves, também existe um monumento semelhante do grande escultor Romeu Ferreira com os nomes dos baianos que foram vítimas desse terror. Infelizmente, essas esculturas passam despercebidas do nosso público porque poucos conhecem essa história, principalmente nossos jovens. É preciso que no próximo ano ocorram debates, seminários, discussões diversas nas instituições e em todos os cantos do país para se dizer com viva voz que ditadura nunca mais. No governo passado, os extremistas imbecis foram para as ruas e avenidas pedir uma intervenção militar e tivemos o 8 de janeiro, em Brasília, quando uma turba ensandecida invadiu os três poderes com a intenção de instalar em nosso país um regime de opressão.  Conquista, por exemplo, foi uma das cidades baianas que mais sofreu a mão pesada dos militares no dia 6 de maio de 1964, quando o eleito pelo povo, Pedral Sampaio, teve seu mandato cassado. Tudo isso e mais está retratado no livro “Uma Conquista Cassada”, do jornalista e escritor Jeremias Macário.

DIA DAS LIVRARIAS

Com tantas feiras literárias acontecendo pela Bahia, inclusive agora a de Itapetinga, nesta semana, dia 30 de novembro homenageia as livrarias. Pelo menos esses eventos incentivam a leitura, principalmente nos mais jovens, apesar de muitos estabelecimentos de grande porte e tradição no Brasil terem fechado suas portas nos últimos anos. “A leitura é uma fonte inesgotável de prazer, mas por incrível que pareça, quase ninguém sente esta sede” – lamentou o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade.  Nos anos 50, 60 e até os 70, estudantes, professores e intelectuais devoravam livros e discutiam autores até em mesas de bares e restaurantes. Havia até torcidas como no futebol. A ditadura civil-militar mutilou o conhecimento e o saber com a censura. O ensino foi se deteriorando mesmo com a redemocratização do país e os governantes deixaram de priorizar a educação. Veio a internet e a situação piorou ainda mais com as redes sociais onde assassinam o português com fofocas, besteiras e fake news. O livro foi sendo deixado de lado e as livrarias se escasseando. Temos um país gigante de poucos leitores. É lamentável. Não se tem muito a comemorar neste Dia das Livrarias, 30 de novembro.

LIVROS, ÁRVORES E SOMBRAS

Dizem que para você ser realizado na vida tem que ter um filho, plantar uma árvore e escrever um livro. Não é propriamente uma máxima e nem é só isso que devemos fazer nessa curta travessia da ponte para o outro lado, mas vale pela força das palavras que nos deixam mais fortes para as lutas diárias. Lembrei desse pensamento ao flagrar com minhas lentes a exposição de vários livros debaixo de uma árvore no Centro de Cultura Camilo de Jesus Lima durante a I Fliconquista – Feira Literária de Vitória da Conquista. É como se fosse uma prosa debaixo de uma sombra. Não deixa de ser poético e significativo. Os dois representam a vida. Livro e árvore são fontes de alimento para o espírito e, infelizmente, são tão maltratados e vilipendiados nos tempos modernos e desumanos onde se idolatra o capital, ao invés de se valorizar e cuidar bem do meio ambiente e do livro. Lemos pouco para expandir nossos conhecimentos e saber, e derrubamos e incendiamos nossas árvores que nos dão oxigênio para respirarmos. No campo (não se faz muito isso nas cidades) como é bom prosear debaixo de uma árvore frondosa numa sombra fresca em sol escaldante. O livro também é uma sombra fresca onde você bate um bom papo com o autor e viaja dentro da sua imaginação, seja qual for o gênero. Livro e árvore são símbolos da vida que devem ser preservados e admirados com todo carinho e zelo. Ambos são puras poesias e brotam flores perfumadas e dão frutos existenciais. São eternos e imortais. Eles merecem louvor porque emitem amor e paz quando estamos triste, deprimidos, desanimados, sem fé e esperança diante de tantas intempéries do mundo atual.





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