:: ‘De Olho nas Lentes’
ARTISTAS DOS SEMÁFOROS
Em tempos bicudos de mais de dez milhões de desempregados no país, cada um se vira como pode, que os digam os sem ocupação trabalhista, que vivem na informalidade e sem emprego. Para seu sustento e das suas famílias, eles precisam fazer seus bicos nos semáforos, vendendo balas, livros, CDs, distribuindo folhetos de propaganda e outros produtos quando o sinal fecha. Eles têm que se “virar nos trinta” ou mais alguns segundos para conseguir uns trocados dos mais abnegados. Eles sabem muito bem na cabeça o tempo que têm para dar conta do recado, pois o tempo não para. É aquele negócio de correr contra o tempo, e ele não perdoa para quem fica parado. Cada segundo é tudo e é preciso ter arte para acompanhar o tic-tac, tic-tac do relógio.
Além desses vendedores, estão lá os artistas dos semáforos que merecem destaque e alguns segundos de atenção pelo que fazem, como este rapaz na foto flagrado pela lente da minha máquina no cruzamento entre a Avenida Luis Eduardo Magalhães com a Juracy Magalhães. Seu malabarismo de jogo de facões (três) para o alto é impressionante, e o mais difícil é pegar todos de volta pelos cabos na descida, sem se ferir. Pela sua agilidade e treino, ele conseguiu chamar a atenção de todos que passavam, não somente dos motoristas, motoqueiros e ciclistas, como dos pedestres. É um verdadeiro artista dos facões, coisa que somente se ver em circos. Pela sua plasticidade e habilidade, sua arte é poesia e coragem. Imagino que deve ter passado muito tempo de treinamento para apresentar suas exibições com destreza e maestria. É o Brasil da criatividade para ganhar um dinheiro, se bem que ainda tem gente indiferente que passa sem nem olhar para o trabalho desses verdadeiros artistas dos semáforos. Ele não brinca apenas com bolas no ar. O mais incrível é que não perde uma e nem deixa um facão cair no asfalto.
CASARÃO EM RUÍNAS
Bem na Praça Tancredo Neves (antiga Praça das Borboletas) onde já foi chamada de Rua Grande, mais um casarão se encontra em ruínas. Há meses a Prefeitura Municipal interditou com um tapume a passagem das pessoas pelo passeio. Fechou uma parte da rua e as vagas de veículos ao lado como forma de prevenção porque a casa pode desmoronar e causar um acidente grave. Nada foi feito até agora para restaurar ou recuperar o estabelecimento. Será que o poder público só está esperando que caia para retirar os entulhos e levantar mais um prédio no local pelo setor imobiliário especulador? Da Catedral até o final da Praça Barão Rio Branco poderia ser hoje o centro histórico de Vitória da Conquista, como existe em grandes cidades. Ao longo dos anos destruíram praticamente todo patrimônio arquitetônico da cidade e o pouco que ainda resta está caiando aos pedaços, como esta velha casa na Tancredo Neves. Para piorar a situação, os equipamentos culturais que deveriam estar abertos para as atividades artísticas, permanecem fechados, como o Teatro Carlos Jheová, o Cine Madrigal e Casa Glauber Rocha na espera de uma reforma. Cometeram e ainda cometem um tremendo crime de irresponsabilidade contra o patrimônio material de Conquista. Está havendo um verdadeiro apagão da história antiga da cidade. Aqui nada se preserva, muito pelo contrário.
LEMBRANÇAS DO CAMPO
Já comentei aqui sobre meu simples quintal ou minha aldeia onde pela manhã abro as portas e as janelas e me deparo com minhas flores que levam para bem longe meus pensamentos e perfumam minha alma. Elas desabrocham minhas lembranças e me fazem voltar às minhas raízes de menino no campo onde nasci e convivi até os meus tempos de moleque. Hoje ainda estou na cidade grande por circunstâncias que não dependem de mim e, para fugir dos cotidianos problemas, fico a olhar para elas (flores) até o clímax de uma hipnose. Chegam os pássaros que entoam seus cantos como numa prece de saudação de que a vida, apesar de tudo, deve seguir o seu rito natural para fechar o seu ciclo lá na frente. O beija-flor, em sintonia com a natureza, faz seu balé dançante no bater de suas asas, enquanto alegremente se alimenta do néctar da flor e depois mergulha no ar com seu fino bico para depois repetir seu ritual poético.
O LÁPIS E O CONSELHO
Quem nasceu primeiro, o lápis ou a pena do tinteiro? Talvez nem um e nem o outro. Na civilização mesopotâmica e egípcia, do vegetal se extraia a tinta e se utilizava algum instrumento rústico, que não eram chamados de lápis e pena para fazer anotações e escrever as histórias em tábuas de barro e papiros. Da evolução antiga para os tempos mais modernos, o lápis e a pena de tinta guardam lembranças na memória de muitas gerações que aprenderam a ler e a escrever com essas invenções. Hoje, embora se faça quase tudo através do teclado do computador (antes era a máquina datilográfica), é a caneta que ainda é empregada para assinar documentos, tratados, contratos, convenções e emitir sentenças de juízes, empresários e até por pessoas simples no ato de compra e venda de algum bem.
Mas, onde entra mesmo essa história de Conselho? É um grupo de gentes notáveis que usas de vários objetos para, deliberar, criticar, aprovar, fiscalizar, julgar e sentenciar um réu ou ente público e privado, sem que antes não tenha passado por uma peça documental assinada pela caneta, que veio do lápis feito da madeira com a introdução de um material da espécie do carvão. Essas duas figuras, tão importantes na história da humanidade (o Conselho pode ser também um Tribunal), estão em forma de esculturas no Museu de Kard, do grande artista conquistense Alan Kardec. Essas e outras artes estão lá neste museu a céu aberto que muito orgulha a nossa cidade, embora não tenha sido citado no folheto turístico de Vitória da Conquista, lançado recentemente pela Prefeitura Municipal através da Secretaria de Desenvolvimento Econômico. Uma pena que o museu não tenha sido incluído no roteiro do visitante, que o órgão pretende promover para atrair o turista da região e de outros estados.
LIVRARIAS E LANÇAMENTOS
Que bom que as vendas de livros em Vitória da Conquista estão registrando uma forte retomada depois do período da pandemia, conforme nos relata o empresário José Maria, da Livraria Nobel. De acordo com ele, o crescimento é tímido, mas constante. Isso já é uma boa notícia, mas o lamentável é que numa cidade do porte de Conquista, com cerca de 350 mil habitantes ou mais, só tenha três lojas, sendo duas nos shoppings e a outra na Avenida Otávio Santos, que é a Nobel, onde acontece a maioria dos lançamentos de obras dos autores locais, inclusive já fiz várias apresentações dos meus trabalhos naquele local de cultura e tenho outro marcado para o próximo dia 27/04 (quinta-feira) a partir das 19 horas. São textos poéticos intitulados “Na Espera da Graça”. Agradeço a José Maria e sua esposa Valmária que sempre têm recebido bem os escritores da nossa cidade. Acho muito importante prestigiar a nossa prata da casa que, sem dúvida, tem grandes talentos, mas carece de mais apoio de toda sociedade e de mais leitores. Da minha parte, dentro do possível, procuro valorizar a literatura regional que, de uma forma ou de outra, não importando o gênero, está enaltecendo a cultura conquistense e elevando o nome da cidade lá fora, inclusive em outros estados. A Livraria Nobel está de parabéns por receber nossos escritores de braços abertos.
AS FLORES E AS FRUTAS
Nada mais aprazível do que você adentrar no jardim da Praça Tancredo Neves, em Vitória da Conquista, e se deparar com as flores que acalentam sua alma, como estas clicadas pelas minhas lentes. Elas são como bálsamos para suas feridas abertas pelos problemas e desafios do seu dia. Exalam perfumes da natureza fresca e têm o poder de contrastar com essa selva de pedra agitada do corre-corre. Ainda bem que temos plantas, árvores e flores nas cidades, mas muitos passam avexados em nem param um pouco para se desafogar e sentir o alívio que elas propiciam ao seu espírito. É bom ter momentos de reflexão e conversar com as flores.
Outro colorido que também faz bem à alma e ao corpo são as frutas, de preferência as espalhadas nas bancas e barracas das feiras, uma das tradições mais antigas da humanidade onde cada agricultor, depois da sua colheita, levava seus produtos para comerciar, não por dinheiro em espécie, mas na base do chamado escambo. Tanto as flores como as frutas são saudáveis à saúde do corpo e do espírito. O homem moderno dos grandes centros costuma consumir porcarias enlatadas industrializadas e pouca importância dá às frutas naturais, se bem que elas hoje estão tão caras que somente os de maior poder aquisitivo têm acesso. A maioria das nossas frutas são originárias da agricultura familiar que coloca o alimento na mesa do brasileiro, bem diferente dos plantadores de soja e pecuaristas que visam tão somente o mercado externo por causa dos lucros. Uma mesa deveria ser composta de flores e frutas.
“O OLHO DA RUA”
Bem em frente das flores, das palmeiras e das árvores da Praça Tancredo Neves, em Vitória da Conquista, na Casa Régis Pacheco, uma expografia conta as personagens, histórias, profissões e culturas da região e dos bairros da cidade. Trata-se de um trabalho de fotografias dos estudantes do curso de Jornalismo da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia-Uesb, intitulado de “O Olho da Rua”, que foi aberto no último dia 30 de março e vai até 30 de abril, e pode ser visitado por fotógrafos, estudantes, professores e interessados em apreciar a boa arte.
Ainda bem que essa iniciativa está saindo do âmbito de uma universidade para se integrar à comunidade, e não fica fechada dentro da própria instituição, longe do alcance de centenas de pessoas, como, na maioria das vezes, acontecem com outras atividades acadêmicas. É como se estivesse saindo das quatro paredes para ganhar a rua.
A coordenação do programa é da professora Adriana Camargo que afirma que o projeto é um espaço que se coloca aberto à experimentação da imagem, do som e das artes integradas… Acima de tudo, a exposição mostra as diversidades dos bairros de Conquista e é uma viagem à realidade da vida onde os estudantes do curso colocaram suas imaginações para trabalhar. É um grande aprendizado teórico que sai das salas de aulas para o campo da prática. Isso é o que nós chamamos de fotojornalismo onde cada estudante desenvolve sua criatividade para mostrar o que aprendeu. “O Olho da Rua” é uma exposição que merece ser visitada por todos.
NO TÚNEL DA FLORESTA
Existem alguns locais em Vitória da Conquista que são poucos conhecidos, comentados e transitados que na entrada dão uma sensação de paz, nem que seja por alguns momentos. Minhas lentes flagraram e assim eu me sinto quando venho do Bairro Recreio ou do “Conquistinha” cortando pelo Horto Florestal para sair na Avenida Luis Eduardo Magalhães. Quando estou por aquelas bandas faço questão de passar por lá e fico encantado com as árvores e as flores quando penetro no túnel dessa floresta. É como se você, por uns instantes, deixasse para trás essa loucura do trânsito da cidade e penetrasse na alma da natureza. É uma passagem que pouca gente usa e outros até desconhecem o local. São árvores frondosas – algumas com um tapete de flores – que lhe cobrem como se fosse um manto protetor. Para mim é um dos locais mais prazerosos de Conquista e dá vontade de ficar ali pensando na vida e jogando os problemas para bem longe. Chamo de túnel florestal, mas pode ser túnel da paz espiritual, da tranquilidade, do sonho e até do amor. Sempre passo devagar por essa pequena selva florestal e peço para que ela não se acabe, mas logo entro na agitação da avenida ou do centro da selva de pedra. Melhor talvez seria passar andando para curtir melhor a sua poesia.
“TULIPAS RARAS”
Em conversas informais sobre como anda a cultura em nosso pobre rico país, com destaque para a literatura, ouvi de um dos presentes na Livraria Nobel, antes da apresentação da obra “Tulipas Raras”, da escritora e diretora da Casa da Cultura, Poliana Policarpo, que lançar livro no Brasil é somente para os “loucos”. Que seja no sentido figurado ou uma metáfora irônica, me considero um deles, mas um “louco” que faz parte dessa resistência e que deixa, pelo menos, seu traço e sua marca nessa vida tão passageira onde poucos dão sentido a ela. Quem nada faz para contribuir, seja no que for, simplesmente passa sem ser visto e nega sua própria existência. Dizem por aí que para você ser realizado é preciso ter um filho, plantar uma árvore e lançar um livro, mas é muito mais que isso. Tem que ter perseverança, persistência, consciência e, acima de tudo, cultivar aquilo que fez e faz.
Aqui não estou falando apenas de ter a coragem de escrever e lançar um livro, como fez Poliana na noite de ontem, dia 23 de março. “Tulipa Raras”, como diz a própria autora são histórias extraordinárias sobre coragem, força, fé, esperança e transformação. “A Capacidade feminina de converter a dor em superações”. Enfrentar essa rejeição pela cultura; viajar por esse mundo da literatura, que já foi tão enaltecida e nobre; imaginar, sonhar, contar suas vidas para uma só pessoa ou poucos, é coisa somente para “loucos”, Poliana, loucos por essa arte que nos faz crescer e nos amadurecer espiritualmente como ser humano. É um comentário que mostra como ainda estamos longe da civilização, embora digamos que somos civilizados porque sabemos manusear bem um celular, muitas vezes para odiar, xingar e soltar notícias falsas. Achamos que dominamos a tecnologia. Às vezes, somos espertos em ganhar dinheiro, mas incapazes de ler, apreciar e prestigiar uma obra literária.
TUDO COMEÇOU COM O “VINHO VINIL”
São mais de dez anos de história que nasceu do encontro de amigos que tiveram a ideia de criar o grupo do “Vinho Vinil”. Como a própria denominação já diz tudo, o objetivo era unir as duas coisas, mas com o propósito principal de valorizar o vinil. Não se podia ouvir músicas de outra mídia, tocar viola e nem tomar outra bebida que não fosse o vinho. Não demorou muito e outras pessoas foram chegando. Em pouco tempo, o “Vinho Vinil” se transformou num sarau, com cantorias variadas, declamação de poemas, contação de causos e a concessão de se tomar outras bebidas, mas o vinho permaneceu como carro-chefe. O “Vinho Vinil” tomou outras proporções e formatos se tornando em “Sarau a Estrada”, com um tema em sua abertura, como no último do dia 11 de março (sábado) que foi “Uma Nação em Correrias”, que discorreu sobre a vida e a história do povo cigano. Foi uma noite em que baixou o espírito cigano, com muita alegria e as mulheres todas fantasiadas, de acordo com a temática. Durante esses anos já falamos sobre diversos assuntos, mas existe um princípio que não pode ser quebrado: Não discutir política partidária para não ocorrer atritos. Dito tudo isso, a cereja do bolo é que esse sarau hoje tem sua própria personalidade, história e identidade. Nesses mais de dez anos aconteceram muitas coisas interessantes e curiosas que merecem uma crônica bem contada. A parte triste é que três participantes mais frequentadores já partiram para o além. A história desse sarau e mais detalhes, prometo registrar depois através de um artigo ou uma crônica com fatos interessantes. No mais, por enquanto, o nosso papo vai ficando por aqui.