:: ‘De Olho nas Lentes’
O CANGAÇO E A SECA
A nossa literatura, os jornais impressos e as revistas estão repletos de narrativas sobre o cangaço e a seca. De certa forma, esses temas estão entrelaçados ou têm relações intimas com o nosso sofrido Nordeste, principalmente na época dos coronéis mandantes da terra e do povo pobre a partir dos governos da República até 1930 com o golpe de Getúlio Vargas. A impressão que temos é que a seca e a exploração dos poderosos, incluindo aí os políticos, pariram o cangaço, tão bem descritos por escritores nordestinos, como Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, com o livro “O Quinze”, José Lins do Rego e, mais recentemente, por Ariano Suassuna em o “Auto da Compadecida”. Esses assuntos estão também nas poesias e letras de João Cabral de Mello Neto, Manuel Bandeira até em nossos grandes compositores e músicos Zé Ramalho, Elba Ramalho, Geraldo Vandré e tantos outros, sem falar nos cordelistas, com destaque para Patativa do Assaré, com “Triste Partida”. Quando se fala de cangaço logo lembramos de Lampião e seu bando. O cangaço, no entanto, já é por assim dizer uma coisa superada, mas a seca continua a nos castigar e ser instrumento do voto. Ainda existe os coronéis da política com métodos mais sofisticados que aproveitam da pobreza nos tempos de eleições.
A DOR DA FINITUDE
ESQUECERAM DE CITAR O CEMITÉRIO DA BATALHA
Como costumo fazer todos os anos no Dia de Finados, ontem visitei o Cemitério da Paz, da Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista, que fica na saída para Anagé, ao lado do Museu de Kard, e fiquei a imaginar que até depois da morte existe a divisão de classe. Uns em luxuosos caixões e túmulos de granito e mármore e outros que só têm uma cruz fincada sobre a terra nua. A dor da finitude do ser humano é a mesma para com seu ente querido que partiu para outra dimensão, mas as pessoas entre os cemitérios dos ricos e as dos pobres são diferentes, desde seus comportamentos, seus rostos, trajes e apresentações em geral, talvez até em termos de sentimentos. Uns chegam andando ou em pequenos carros usados, muitos até de amigos. Os outros com seus possantes e roupas bem mais caras e chiques. Entre os cemitérios, tem-se a visão de uma triste desigualdade social no Brasil, só que ninguém escapa da morte. Escutei choros entalados e doídos em covas simples, inclusive de uma senhora enquanto rezava e acendia as velas para seu falecido. No que pese a homenagem aos mortos, cada povo e nação tem a sua cultura própria de prestar sua reverência, até com festas e alegria como acontece no caso dos mexicanos. Cada qual com seu ritual de passagem entre vida e morte. Cada um com sua prece e manifestação para lembrar o amigo ou parente que se foi, modo de expressar a dor da finitude. Conforme consta, existem em Conquista cinco cemitérios, sendo três mantidos pelo poder público (pobres) e dois particulares (ricos), mas a mídia esqueceu de citar o cemitério da Batalha, lá do outro lado da Serra do Periperi, onde estão sepultados nossos ancestrais, como D. Loura. Segundo narra a história, foi lá onde ocorreu a batalha entre os primeiros colonizadores portugueses e os índios que habitavam esta terra.
VIVA O NOSSO CORDEL!
Pouco prestigiado pelos acadêmicos das universidades que ainda criticam a sua forma de escrita poética, argumentando ser fora do padrão literário (tem cabimento!), o nosso querido cordel, vindo lá dos tempos medievais da Península Ibérica, se enraizou no Pouco Nordeste e tornou-se símbolo dos nossos nordestinos sertanejos, como se fosse nosso cartão postal. É uma pena que um Patativa do Assaré (Triste Partida), por exemplo, seja pouco estudado por esses acadêmicos que escrevem suas teses para eles mesmos, a maioria no intuito de obter títulos válidos no balcão das promoções salariais. No entanto, não quero falar nisso. Meu intuito é homenagear aqui os nossos grandes cordelistas nordestinos que fazem história contando suas estórias e causos de grandes personagens da vida, sobre a seca, Lampião, Antônio Conselheiro, os cangaceiros, a nossa terra árida, costumes, hábitos, o forró e até sobre famosos escritores. Com uma pegada nordestina (Casa de José de Alencar, Rachel de Queiroz, Graciliano Ramos, dentre outros), a II Feira Literária e Gastronômica de Belo Campo, também lembrou do nosso tão popular cordel, embora o evento tivesse dado pouco espaço para os escritores locais e da região, como de Vitória da Conquista. A crítica geral foi de que de literária só tinha o nome. Na verdade, o foco maior foi para o setor da educação, com apresentações de atividades escolares para a criançada e os jovens. Esperamos que a próxima feira abra mais estandes para os nossos escritores, inclusive com mesas temáticas sobre literatura, inclusive o estudo do cordel. Ainda bem que lembraram do nosso cordel através de uma tenda reservada exclusivamente para os autores desse gênero que tanto admiro e valorizo.
“VIDAS SECAS” E “SEU GRAÇA”
Na abertura da II Feira Literária e Gastronômica de Belo Campo- a II FLIBELÔ, aberta oficialmente ontem (dia 19/10) com lançamentos de livros, mesas temáticas, apresentação de trabalhos escolares e conferência sobre a cultura nordestina, lá estava um estande sobre a vida e a obra de Graciliano Ramos, “Seu Graça,” o alagoano que se notabilizou com sua linguagem dura, concreta e objetiva, como no livro “Vidas Secas”. É um escritor que muito admiro por retratar de forma simples a força do poder sobre o homem comum, além de ter sido um defensor do livre pensar e dos direitos humanos quando esteve preso na Ditadura Vargas, como em Memórias do Cárcere. Graciliano Ramos é um autor diferenciado pelo seu estilo realista de escrever. Seus personagens vivem e levam o leitor ao mundo da realidade. Eles não parecem ser imaginários, e o livro Vidas Secas é um deles, como São Bernardo e outros da sua lavra. Além de Graciliano Ramos, a Feira de Belo Campo, que segue até o próximo domingo (22/10), tem uma pegada sertaneja e conta também com a presença de muitos escritores de Vitória da Conquista que estão apresentando suas obras, contemplando diversos gêneros literários, como romances, poesia, história, ensaios, contos e livros infantis.
O CRISTO DA SERRA
Mais uma vez, volto a falar aqui sobre o monumento do Cristo de Mário Cravo, em Vitória da Conquista, ou simplesmente, o Cristo da Serra do Periperi, que nunca recebeu a devida atenção dos poderes públicos desde quando Ele foi erguido nos anos 80. Discutimos esta questão no Conselho Municipal de Cultura, do qual estive à frente até o início deste mês (final de mandato), onde uma conselheira chamou a atenção de que a estrutura interna da estátua se encontrava deteriorada, com risco de desaparecer. Em julho do ano passado, numa audiência do Conselho com a prefeita, tocamos nessa questão e a chefe do executivo garantiu não ser verdade o comentário. Logo depois ela anunciou uma “revitalização” do local, em conjunto com a Cúria da Igreja Católica. Estive lá e captei algumas fotos onde funcionários limpavam a área, sem contar a instalação de um mirante. Não constatei nada além disso em termos de uma obra maior, como área de estacionamento e outros equipamentos de proteção e urbanização. É sempre assim: Alguns prefeitos, quando pressionados, fazem uns serviços “meia boca” e chamam isso de revitalização e urbanização. Ali é um cartão postal e, como tal, era para todos os dias receber centenas de visitantes, o que não ocorre. Em minha opinião, aquela área carece de um grande projeto, inclusive um teleférico ligando o Cristo ao centro da cidade, dentre outras obras onde moradores e turistas de fora possam desfrutar com segurança daquela bela paisagem até num certo período da noite, como ponto turístico de atração.
MEMORIAL CÂMARA
O Estado ainda continua ligado à religião e dizem que é laico
Os poucos pontos culturais existentes em Vitória da Conquista (museus, bibliotecas, arquivos), infelizmente, são raramente visitados. Falta de tempo, desinteresse total pela cultura, pelas nossas origens e as redes sociais da internet formam um conjunto de fatores para esta negativa explicação. Os jovens e estudantes de hoje não fazem mais pesquisas como antigamente. Do alto do comodismo e da preguiça, as pessoas preferem ficar sentadas nos sofás perguntando ao Google e recebem respostas limitadas, evasivas e, muitas vezes, truncadas e duvidosas. Um ponto desses a que me refiro que quase ninguém vai lá é o Memorial da Câmara Municipal de Vereadores de Vitória da Conquista, segundo informou a própria atendente. O local fica aberto todas semanas, de segunda a sexta-feira, mas dificilmente aparece um conquistense, ou grupo escolar, para conhecer o acervo e realizar uma pesquisa. Um povo sem história é um povo sem memória e, consequentemente, nem está aí para seus direitos e deveres. É um povo ignorante e submisso aos poderes. É o declínio da nossa civilização em geral, e isso ocorre não somente em Conquista. É uma pena porque esse triste retrato representa uma decadência do interesse pelo conhecimento e pelo saber. O Memorial da Câmara tem um conjunto de material, inclusive digitalizado e visual sobre a história do Arraial da Conquista, sua formação, jornais que circularam na cidade em épocas passadas, os principais fatos que marcaram a vida do município, os intendentes, vereadores e outros valiosos itens com conteúdos preciosos, não somente para estudantes, mas também para professores, intelectuais e pesquisadores.
PRIMAVERA OU VERÃO?
Com o aquecimento global que muitos ainda não se atentaram para o problema, ou como no popular, a ficha ainda não caiu, e ficam colocando a culpa no El Nino, o malvado menino, as estações estão misturadas no planeta com tragédias e catástrofes. Nem sabemos mais o que é primavera e verão. O calor fora do comum é o termômetro. Primavera ou verão? O cenário está aí, só não ver quem não quer e passa o tempo no consumismo e na ganância do ganhar dinheiro, jogando milhões ou bilhões de toneladas de lixo no velho planeta cansado de guerra. Os desmatamentos e as queimadas são provas de que a humanidade está caminhando para sua autodestruição. Ainda temos algumas reservas de florestas e, nas cidades, árvores nos jardins para nos refrescar e respirar um pouco de ar “puro”, como no jardim da Praça Tancredo Neves, em Vitória da Conquista, que a nossa máquina flagrou. No entanto, muitos passam despercebidos na correia da vida. Outros até entram e curtem este pequeno pedaço da natureza na selva de pedra, mas não param para refletir no que está acontecendo e continuam a destruir nosso meio-ambiente em seus atos politicamente incorretos. A verdade é que as estações não são mais as mesmas, a não ser nas datas em que nelas estão pontuadas pela ciência e os serviços de meteorologia. As mudanças climáticas estão ditando o ritmo dessas misturas malucas. Primavera ou verão? As flores podem nos responder a pergunta.
NAS PORTAS DO INFERNO
O Secretário Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), em seu pronunciamento, foi incisivo em suas palavras (realista) quando declarou que a humanidade abriu as portas do inferno. Ele estava se referindo ao aquecimento global advindo dos estragos contra o meio ambiente, seguidos das catástrofes e tragédias no planeta, e não estava exagerando. Concordo de que já estamos nas portas do inferno, e mais ainda, de que não existe mais retorno porque a ordem é cada vez mais consumir. O capital não para com os desmatamentos para expansão do agronegócio (plantar grãos e pastagens para bois) e, cada vez mais, joga CO2 e metano no ar. Os rios estão poluídos de substâncias tóxicas, e o que é reciclado e recuperado com plantios de árvores significam o mínimo em relação à destruição da terra. Milhões de toneladas de lixo são jogados todos os dias nos mares e no planeta a fora. A nossa terra treme e geme em todas as partes, até aqui no sudeste, as tempestades são avassaladoras, o calor ultrapassa os 40 graus, o deserto vira lama na África e já temos ciclones até no Brasil, coisa imaginária em tempos passados. Aqui mesmo em nossa casa, digo nossa região de Vitória da Conquista, nossos campos de florestas foram desmatados para se plantar café, eucalipto e criar gado. Fiquei a observar isso mais de perto nesta semana quando fui visitar uma fazenda entre Conquista e Barra do Choça. Por essas e outros é que sempre digo que a conta, entre o que é depredado e recuperado, nunca bate e não existe mais retorno para reduzir as temperaturas a níveis toleráveis.
A SERRA E O CRISTO
De braços abertos para a cidade como que abençoando a todos os 370 mil habitantes, sem nenhuma distinção, no emaranhado de fios e torres de televisão e operadoras nessa selva de pedras, lá está o Cristo de Mário Cravo, ou o Cristo da Serra do Periperi, desde os anos 80 do século passado. Não fosse o descuido dos nossos governantes durante esses mais de 40 anos, bem que poderia ser hoje o ponto mais frequentado pelos nossos moradores e visitantes de fora, mas, infelizmente, ainda existe aquele estigma de que o local é perigoso e não se deve ir lá em determinadas horas. Outra recomendação é que sua visita seja em grupos de pessoas. O único período em que o monumento recebe mais gente é durante a Semana Santa, especialmente na Sexta-Feira da Paixão. As promessas de urbanização e segurança para o acesso são longas e se arrastam por muito tempo. Uma pena para um local que já é visto, cá debaixo, como o cartão postal da cidade, só que não é de fato. Como jornalista-repórter, quando aqui cheguei em 1991, lembro que já fiz diversas matérias denunciando seu abandono e “brigando” para que ele fosse totalmente revitalizado, como o Cristo Redentor da Cidade Maravilhosa do Rio de Janeiro. O sentimento que tenho, todas as vezes que o visito, é que esse Cristo da Serra do Periperi foi relegado à solidão pelos próprios conquistenses que deveriam cuidar melhor dele. Para seu embelezamento, já houve até proposta de projeto de se construir um teleférico de ligação entre o Cristo ao centro da cidade, mas tudo não passou de meras intenções. Na verdade, não passamos de uns ingratos.
OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO
Quem aqui não se lembra, entre os mais velhos, que quando se terminava o curso médio (clássico ou científico naquela época) e o indivíduo precisava trabalhar, tinha logo que fazer um curso de datilografia para ingressar no mercado, principalmente num banco ou escritório de uma empresa? Pois é, mas hoje você tem que ser muito bom em informática. Era a era do rádio e início da televisão, sem contar o jornal impresso, muito mais antigo. Quem não se recorda do mimeografo, que servia até para imprimir às escondidas folhetos subversivos de protestos contra o governo? A máquina fotográfica era analógica com rolos de filmes e hoje tudo é digital. O gravador para o jornalista fazer uma entrevista mais parecia com um tijolo de alvenaria. As gravações atuais são através de um celular ou um micro aparelho cheio de memórias e chips. Os telefones eram fixos e complicados para uma conversa mais longa. O repórter quando ia a uma cidade para uma cobertura jornalística não dispunha dos recursos que existem hoje, mas fazia um bom trabalho, talvez melhor que nesses tempos do avanço tecnológico, na tela virtual. Lembro bem de um dia que fui obrigado a passar uma matéria de Bom Jesus da Lapa através do telefone público, cheio de moedas na mão, na maior agonia. Quando não havia laboratório fotográfico na cidade pequena ou estava fechado em final de semana, era um “terror” para enviar o filme. Tudo era muito mais complicado para qualquer veículo de comunicação e para o profissional, mas o cara tinha que se “virar nos trinta”.
O avanço tecnológico facilitou em muito a evolução dos meios de comunicação de massa. Com esse progresso, as notícias e os fatos são divulgados de forma instantâneos, mas nada substitui o conteúdo e a qualidade se não houver uma boa formação profissional da escola. Mesmo com toda essa evolução, não houve, em termos proporcionais, uma melhoria do material que hoje é oferecido ao público ou à sociedade. A culpa disso tudo está no ensino que sofreu uma queda na aprendizagem. Fala-se muito em mudanças tecnológicas nos meios de comunicação, no sentido do visual, na parte gráfica, no áudio e outros itens, mas a qualidade do trabalho ainda deixa muito a desejar.