:: ‘De Olho nas Lentes’
MORADORES E OS ANIMAIS
Como criaturas, todos somos animais, inclusive na classificação social onde uns poucos vivem com dignidade e outros muitos na mais profunda desigualdade. Como os humanos moradores de rua, os cachorros, principalmente, vagam abandonados pelos seus donos nas ruas e praças das cidades, sujeitos à fome, ao calor e ao frio, dormindo debaixo de marquises e viadutos. No caso dos cachorros, existem aqueles bem tratados em mansões de ricos que levam uma vida melhor que milhões de seres humanos brasileiros. Como na imagem da foto, estes são os considerados miseráveis renegados. A mesma coisa acontece com os humanos que também são divididos por classes, e comem o que os outros dão. Quanto aos cachorros, nem existe essa capacidade de colaboração e solidariedade entre eles. Numa análise mais filosófica no campo da superioridade racional, o homem é ainda pior porque larga seu bicho na rua, com a mínima condição de sobrevivência. Nessa ótica de visão, somos mais estúpidos que os outros animais. São os paradoxos que se cruzam com as comparações da vida na terra.
“NOSSO TEMPLO”
Uma vez estávamos aqui numa discussão acalorada e aí levantou-se um amigo para apaziguar os ânimos e disse: Vamos baixar o tom gente, porque estamos num templo sagrado! Aquilo me marcou, não no sentido religioso das palavras, mas, essencialmente cultural porque em nosso espaço, onde realizamos nossos memoráveis saraus com artistas, professores, intelectuais, visitantes e outras categorias, grandes autores brasileiros e estrangeiros nos vigiam e nos inspiram, sem contar o artesanato, as esculturas, as pinturas, as fotografias, as coleções de facas e até os chapéus, dos quais tanto ciúmo. Aqui nos confraternizamos, debatemos temas importantes, declamamos, contamos causos e histórias da vida, trocamos ideias, tudo ao som do canto cancioneiro da viola violada do cantor compositor. Não vou aqui citar os nomes dos frequentadores, a maioria com mais de dez anos, porque poderia faltar alguém, mas a todos agradecemos a participação, e digo que nos enriquecemos com a permuta de conhecimentos e saber. Estamos retomando nossos saraus com mais força nesse templo sagrado com cerca de seis mil itens que só nos fazem engrandecer, ao ponto de ter gente que já sugeriu tombar, e outros perguntarem se era um espaço público. Esse templo é carinhosamente chamado de “Espaço Cultural A Estrada” que já se imortalizou nas mentes dos estradeiros. Aqui é onde se sacode a poeira da labuta do corpo e do espírito. No final de setembro, ou início de outubro, estaremos de voltar para nos reencontrarmos.
FLORES DOS CIPÓS
Dentro do próprio bioma da Mata Atlântica, ou da própria caatinga e até da ciliar, existe a chamada mata de cipó, uma espécie de vegetação que se entrelaça entre as árvores numa ramificação que se estende por toda floresta. Os cipós, os mais grossos, são até utilizados por micos e macacos como forma de ponte para se comunicarem e buscar comida em folhas e plantas frutíferas. Poucos sabem, no entanto, que os cipós brotam lindas flores como na imagem sobre o telhado do meu rancho. Como o mandacaru e o cacto, os cipós são resistentes e não precisam de chuvas para suas subsistências, certamente por causa de suas profundas raízes que se nutrem da água do subsolo, pois corto todos os anos e, em pouco tempo, lá estão eles, que são utilizados para fazer cestos, jarros, caçuás e muitas outras peças artesanais, inclusive esculturas. Flores dos cipós também fazem parte do meu quintal, ou da minha pequena floresta caseira, já que ainda não tive a benção de retornar ao campo, como pretendo ainda em vida.
SÍMBOLO NORDESTINO
Ah, os cordeias que nos fazem entrar no túnel do tempo desde a época medieval, na voz dos anunciadores dos fatos que aconteciam nos reinos! Eram os repórteres das notícias. Da oralidade para a escrita, ganharam notoriedade. Da Península Ibérica, com os portugueses, vieram bater no Nordeste onde se deram bem e prosperaram em terra árida do agreste, com seus cantadores e repentistas de viola. Eles são símbolos da nossa cultura nordestina, e Ariano Suassuna é um dos grandes representantes desse gênero, tão espirituoso, criativo e mensageiro que, em cima das verdades, crenças e lendas, crescem em outras estórias e nos faz rir e também refletir. O meio acadêmico não tem dado o seu devido valor que merece, por ser uma cultura popular, embora rica em sua linguagem. Os cordéis me fazem lembrar Patativa, Cuíca de Santo Amaro, Bule-Bule, Apolônio Alves, Arievaldo Viana Lima, Antônio Brasileiro Borges, Cego Aderaldo, Elias de Carvalho, Firmino Teixeira, Leandro Gomes de Barros (o maior dos maiores 1865-1918) e tantos outros. Um dos cordéis mais famosos foi A Discussão do Carioca com o Pau-de-Arara, de Apolônio Alves dos Santos. Tem também Cordel, de Patativa do Assaré e Peleja do Cego Aderaldo com Zé Pretinho do Tucum, de Firmino Teixeira do Amaral. O cordel veio com os colonizadores, mais precisamente em Salvador. Estudos apontam 1893 como o marco desse gênero literário, quando o paraibano Leandro Gomes teria publicado seus primeiros versos. Erram folhetos amarrados em cordas, vendidos a baixo custo nas feiras e locais públicos. Eles estavam presentes na Feira Literária de Belo Campo, da qual participei e tive a honra de flagrar esses livrinhos tão mágicos. É uma foto que muito representa nossa literatura, a arte do jogo de palavras.
BELA, PORÉM ABANDONADA
Em minhas andanças como repórter jornalístico, até hoje me emociona e sempre paro para tirar uma foto quando vejo uma capelinha, pois, como já disse várias vezes, sou mais as capelas do que as catedrais, porque nelas (as capelas) está a simplicidade e a sinceridade da fé dos pobres sertanejos. Nas catedrais, os nobres exibem suas aparências e falsidades, como narram as histórias. Não há religiosidade tão fervorosa como nas capelinhas. Na semana passada, quando fui a Belo Campo participar da Feira Literária, antes de adentrar ao evento, me deparei com esta bela capelinha, porém abandonada, quando deveria estar bem conservada e limpa. Confesso que fiquei triste de ver seu estado. Imaginei quanto fieis e orações ela acolheu no silêncio dos pensamentos! Ela está situada na bela Praça da Prefeitura, que já deveria ter acionado seus prepostos e combinar com a Igreja para reformar esse belo monumento, de forma a combinar com o nome da cidade.
BURRO DE CARGA
Mesmo com toda tecnologia do século XXI, o desenvolvimento de locomoção rodoviário de veículos e outros meios como o ferroviário, fluvial e viário, o burro ainda continua sendo um servidor do homem mais pobre no transporte de objetos e mercadorias, inclusive de produtos alimentícios para as feiras, como na imagem flagrada pelo jornalista Jeremias Macário. Como se diz no popular: o chamado “burro de carga”, ou o jumento que estão exterminando para virar carne e couro de exportação para a China. Verdadeiramente, o homem é um ingrato, inclusive aqueles que têm um animal desse tipo e ainda maltratam, batendo e colocando peso excessivo em seu lombo. Por falta de educação e ignorância, esse homem bruto não reconhece o seu serviço, que lhe dá o sustento do ganha pão do dia a dia. Quando estão velhos e não servem mais para o uso do transporte, muitos abandonam esses animais nas estradas e nas ruas. Existem leis que punem os indivíduos que comentem crimes contra os animais, só que na prática não funcionam, sem falar no poder público que não fiscaliza os abusos cometidos pelos seus donos.
AINDA NA IDADE DO CARVÃO
A imagem das fotos em plena caatinga do nosso sertão nordestino representa o estrago que os fornos de carvão fizeram e ainda fazem contra a nossa exaurida natureza desse bioma raro no mundo. Quantos milhões de árvores foram queimados, para produzir carvão para alimentar as siderúrgicas? Com as denúncias e movimentos dos ambientalistas, houve uma certa contenção, mas continuam infringindo as leis, não importando o mal que fazem contra o meio ambiente! Este é um forno abandonado, mas ainda estamos na idade do carvão em pleno século XXI, com o uso desse fóssil no planeta terra, sem falar no petróleo, para produzir energia, quando existem outras tantas alternativas limpas. Quando flagrei este forno com minha máquina, veio-me à cabeça as lembranças das reportagens sobre as carvoarias da década de 90 na região sudoeste da Bahia. Eram matérias perigosas, assim chamadas porque as denúncias implicavam ameaças de vida dos donos dessa extração mineral através da lenha contra repórteres que registravam a existência clandestina desses fornos escondidos no matagal, bem como do transporte irregular, sem a devida licença ambiental. Por fim, os fornos de carvão sempre lembram a escravidão da mão-de-obra humana, inclusive de crianças doentes e lambuzadas pelo pó preto e respirando, diariamente, aquela fumaça, num trabalho infernal.
SERÁ QUE AINDA EXISTE RETORNO?
Depois das reuniões sobre o clima e a preservação do meio ambiente, os representantes de suas nações retornam para suas casas e mandam que as pessoas consumam mais e mais, para aumentar o Produto Interno Bruto (PIB) de suas economias. Enquanto isso, o aquecimento global está cada vez mais visível. O planeta só recebe lixo tóxico, como este jogado em plena caatinga, contaminando a natureza, toda fauna e a flora. Algumas Ongs, empresas e órgãos mostram práticas isoladas de sustentabilidade e ações para proteger a terra, mas será que ainda existe retorno e salvação? É muito pouco o que estão fazendo. Na minha visão, com a estupidez e a ignorância humana, o caminho é a destruição da terra dentro de mais alguns séculos, ou menos que isso. Os gazes venenosos a partir do uso dos fósseis (petróleo e o carvão, principalmente), as guerras destruidoras e o lixo estão por todas as partes que mostram essa triste realidade. Até o nosso lindo sertão nordestino está virando um deserto, e seu chão salinizando, tornando-se improdutivo. Será que ainda existe retorno?
O QUE DIZ A ESCULTURA?
Por si só, a natureza já é uma arte, e esta, esculpida por ela com uma ajuda repentina de uma escavadeira manejada pelo homem, que suspendeu os bagaços e garranchos da seca do sertão, faz o observador criar várias imagens e refletir sobre o seu escultor. É de um sertanejo nordestino a pedir socorro, ou de um conselheiro que cura nossas dores? É de um velho viajante do tempo? De um andarilho com seus mistérios da vida? De uma rezadeira que tira os males do corpo? De um índio em extinção, ou mesmo de um orixá caçador Oxóssi ou guerreiro Xangô? Pode ser um deus extraterrestre flagrado pelas lentes da minha máquina quando aterrissava de um disco voador em plena caatinga do sudoeste baiano? Faça, você mesmo, a sua interpretação. Procurei dar um nome, mas, no momento, minha cabeça não anda muito boa da imaginação. O que diz a escultura e como ela se chama? Você mesmo pode dar o seu nome, ou é melhor deixá-la no anonimato? Pode ser José, João, seu Silva, Severino. Não importa o nome.
O CABRITO PERDIDO A BERRAR
Estava eu a clicar imagens da caatinga do sertão norte da Bahia, no distrito de Carnaíba, em Juazeiro, quando me deparei com um cabritinho perdido e agoniado a berra, incansavelmente, à procura da sua mãe. Fiquei compadecido com aquela cena e falei com o dono do rebanho para conduzi-lo até o seu grupo e se juntar aos seus, no que ele respondeu que era assim mesmo, e que no final da tarde todos estariam juntos. Os bodes e as cabras vagam pela vegetação rasteira e seca se alimentando de alguma coisa e sempre terminam se encontrando num ponto para o pernoite. O cabrito berrava desassossegado com sinais de cansaço e estresse e me olhava com ar de desespero. Fiquei a imaginar uma criança a chorar perdida numa multidão das cidades grandes quando se perde de seus pais. No mesmo dia ela é dada como desaparecida e, na maioria das vezes, leva muito tempo para ser encontrada, ou nunca mais. A dor da perda e de se sentir só é a mesma, mas no campo os bichos conseguem pelo sentido da intuição e do faro a se achar. Ainda bem, pensei comigo, que ali não existia predadores perigosos como em outros biomas da nossa natureza. Sai por ali e acolá tirando outras fotos e não mais ouvi os berros sofridos do cabritinho. Certamente sua mãe veio ao seu socorro, ou ele mesmo conseguiu se juntar a ela.