:: ‘De Olho nas Lentes’
“O ESTRANHO”
Não consegui um dedo de prosa com esse senhor solitário sentado numa cadeira com seu acampamento ao lado, ou uma espécie de barraca, na Avenida Bartolomeu de Gusmão, por isso que resolvi chamá-lo de “O Estranho”, como se fosse seu nome. Cheguei com minha máquina e tentei emplacar uma conversa para saber da sua graça, de onde vinha e o que fazia ali naquela tarde nublada costurando, se não me engano, uma camisa, calça ou calção. Mal me respondeu e não me deu nenhuma atenção. Quando se está com um problema ou aperreio na vida, cada ser humano age de uma forma diferente. Tem uns que vão logo se abrindo, contam sua história e pede uma ajuda para sobreviver. Outros são introspectivos, se fecham e não querem papo com ninguém. Tem suas próprias razões para assim se comportar. Na minha jornada jornalística de 50 anos como profissional tenho, em alguns momentos, feito o dublê de psicólogo. Na grande maioria das vezes consegui arrancar até um bom papo e fazer uma entrevista, mas não com “O Estranho”, por mais que tenha tentado, e olha que sou insistente. No entanto, senti que melhor seria dizer um “tá bem” e desejar-lhe sorte. “O Estranho” estava “enfezado” ou banzo e, com certeza, passando por uma situação difícil que a nossa sociedade nem quer saber. Seu gesto foi de protesto e de menosprezo com a minha aproximação. Achei mais sensato não o importunar, se ele deu a entender que o deixasse em paz com sua dor, sua mágoa e sofrimento. “ vida é como ela é” – lembrei de Nelson Rodrigues.
O VELHO E O RIO
Oh quantos ensinamentos! Um com sua idade avançada de humano ancião que aprendeu muitas coisas da vida e ainda procura se renovar até a sua finitude. O outro tem milênios de anos e também se renova continuamente, nunca sendo sempre o mesmo. Ambos com suas finitudes. O velho e o rio estão unidos e se respeitam através do prazer de um servir ao outro. Banhar-se no rio e ser banhado por ele, apesar do ser humano não ter tanta consciência disso, ao ponto de estar sempre agredindo com sua ação destruidora e egoísta de só querer receber sem dar em troca o que o seu irmão rio necessita para continuar vigoroso e novo. No entanto, o velho, com sua sabedoria de anos, ao se banhar deve agradecer suas águas que limpam, refrescam seu corpo e confortam sua alma. Deve também pedir perdão pelos males praticados em vida, e os dois, o velho e o rio, seguem sua jornada, cada um procurando ensinar que homem e natureza precisam estar unidos para que não haja retrocessos. Por coincidência, a imagem é um flagrante do encontro do velho ou do idoso, como queiram, com o “Velho Chico”, o nosso conhecido São Francisco, amigo dos nordestinos.
NO BANCO DA PRAÇA
Ali mesmo ele arriou o seu corpo, não se sabe se por cansaço, por fome ou por embriaguez. Quem passa vai seguindo sua vida cotidiana e nem está aí para o moço que dorme no banco da praça, que também é utilizado para um encontro, um bate-papo com um amigo ou até o namoro de um casal. O banco da praça é também um local onde muitos dão uma parada para refletir sobre os problemas e até apreciar o movimento dos carros, dos transeuntes ou observar o comportamento dos outros, como fazem os poetas e escritores quando querem escrever uma crônica da vida. É no banco da praça que artistas escultores se inspiram para construir estátuas de famosos, como Jorge Amado, João Ubaldo, Vinícius de Morais, na Bahia, e Carlos Drummond, no Rio de Janeiro. No entanto, o moço ali, numa praça de Juazeiro (Bahia), flagrado pelas lentes da minha máquina não passa de um simples desconhecido que pode ser até um andarilho qualquer ou mesmo um mendigo. Não deveria ter uma estátua em homenagem a esse anônimo para que as pessoas refletissem mais sobre o outro, o desamparado e abandonado pela sociedade, cada vez mais desumana e individualista que só pensa em si? Ronnie Von fêz “A Praça” (letra e música): A mesma praça/o mesmo banco/as mesmas flores, o mesmo jardim/tudo é igual, mas estou triste. No banco da praça também pode ser título de um belo poema com diversas conotações.
A BODADA ESTÁ SOLTA
Por entre caminhões no posto de combustível, nos restaurantes, ranchos ou cruzando a BR-407 no árido sertão dos cactos, umbuzeiros e mandacarus, de Senhor do Bonfim a Juazeiro, numa distância de 120 quilômetros, o que mais se ver é a bodada (bodes e cabras), passeando ou pastando. Na sequidão, esses animais raspam o bagaço, reviram lixos e correm pra lá e pra cá atrás do alimento. Nas chuvas aproveitam a fartura viçosa para encher suas barrigas. São dóceis e lá se vão os cabritinhos e a as cabritinhas atrás de seus pais. Sem cercas reforçadas, eles são criados soltos pelos seus donos e quase ninguém mais presta atenção em seus movimentos. São livres para andar à vontade. Vez por outra, lá estão os motoristas desviando deles. Junto com os jumentos que, infelizmente, estão em extinção, a bodada também é símbolo desse Nordeste rico e cultural, de um povo simples que não perde a fé e a esperança. Há séculos, o bode já faz parte desse cenário e sua carne é uma iguaria apreciada na forma de assado, frito ou cozido com uma boa quiabada, cebola, farofa, pimenta e tomate. Quem não gosta de um bode, do forró, do baião e do xote, só pode ser doente da cabeça ou do pé, como se canta com relação ao samba, também um ritmo que nasceu em nosso querido Nordeste de Ariano Suassuna, Graciliano Ramos, Jorge Amado, José Lins do Rego, Câmara Cascudo, José de Alencar, Ruy Barbosa, Vandré, Zé Ramalho, Chico César, Caetano, Gilberto Gil e tantos outros poetas, compositores, músicos e escritores de sangue bom. O bode também está em nossa literatura e nas canções quando se fala dessa terra de sertanejo forte e persistente. Deixem nossa bodada solta passear!
O JUMENTO E O HOTEL
Símbolo do Nordeste pela sua resistência e ajuda aos sertanejos, sempre que me deparo com um jumento, ou jegue, e estou com a máquina na mão, vem logo o dedo e faço o foco para clicar. Por acaso estava eu conversando com meu “Velho Chico” e lá estava o jeguinho bem em frente do Rio Mar Hotel, por sinal rio-mar ou Oporá, que em indígena é Rio São Francisco, nome dado pelo português Américo Vespúcio, em 1501. Mas, voltando à imagem do jumento com sua carrocinha, será que ele estava ali esperando um hóspede para dar uma volta para mostrar a cidade de Juazeiro? Com tantas matanças desse animal pelos matadouros para exportar sua carne e sua pele para a China, o jegue está cada vez mais escasso, tornando-se, infelizmente, uma espécie em extinção. Os que ainda sobrevivem, continuam sendo animais de carga e sustento para muitas famílias. Na verdade, sua presença ali constitui um contraste em meio à evolução da tecnologia e aos meios de transporte. Em seu lugar são as motos que fazem aquela barulheira e poluição nas cidades, inclusive no campo onde ninguém mais quer andar nesse equino. É mais uma homenagem que faço ao jumento e, quando o vejo, sempre me lembro dos tempos de menino quando labutava com meu pai como lavrador, principalmente com a cultura da mandioca. Era ele que fazia todo transporte das raízes e da farinha para as feiras.
“RISCADOS ÁRIDOS DA INFÂNCIA”
Com fotografias do meu amigo fotógrafo, Evandro Teixeira, reconhecido internacionalmente pelas suas imagens da ditadura militar no Brasil e na América do Sul, de Canudos, dentre outras cenas inéditas, do artista plástico Silvio Jessé, que retrata a vida do sertão e dos sertanejos, foi lançado no início deste mês de janeiro, no Centro de Cultura Camilo de Jesus Lima, o livro “Riscados Áridos da Infância”, da professora Ester Maria Figueiredo, que tem como cenário a cidade de Canudos. Além do deputado federal Waldenor Pereira e do estadual José Raimundo Fontes, estiveram presentes escritores e intelectuais. O evento contou com uma apresentação musical do maestro João Omar. No final, Evandro Teixeira fez uma explanação de seus trabalhos, destacando as fotos emblemáticas da ditadura civil-militar de 1964 no Brasil, com destaque para a marcha dos 100 mil e dos principais personagens que participaram das manifestações contra o regime, cujo golpe está completando 60 anos e merece ser lembrado para que este episódio nunca mais se repita em nosso país. Na ocasião, Teixeira lançou seu livro de 100 estudantes e militantes que estiveram presentes nos protestos do “Abaixa a Ditadura. “Riscados Áridos da Infância” fala do cotidiano da nossa gente sertaneja, seus costumes e hábitos. É, na verdade, uma obra de memória, com a riqueza das pinturas de Silvio e fotos de Evandro.
MAIS UM POSTO SEM MÉDICO
As reclamações são constantes em Vitória da Conquista com relação a postos de saúde da família sem médico, o que demonstra a precariedade do setor em nossa cidade. Estive ontem (dia 18/01/23) no Posto Nestor Guimarães, no Bairro Felícia, Guanabara ou Jurema, a depender da classificação de cada um, para solicitar uma indicação onde realizar um teste de covid. A recepcionista (parecia nova na função e era a única funcionária) foi logo me dizendo que não existia médico e que eu teria que entrar no site da Prefeitura Municipal (coisa complicada) para fazer a marcação. Ao meu lado tinha uma senhora idoso que pedia um exame, recomendado pelo seu médico anestesista, com a finalidade de proceder sua operação de catarata. A moça disse que ela teria que esperar três meses. Ora, como uma pessoa tem que aguardar três meses por um exame, para realizar uma cirurgia nas vistas quando se trata de um procedimento de urgência para a doença não piorar mais ainda? Me intrometi na conversa em defesa da senhora e lembrei que está completando agora dois anos que marquei um exame no mesmo posto para uma consulta com um otorrino e até o momento não me chamaram, isto quando tive covid em fevereiro de 2022. Como se não bastasse a cultura, a saúde em Conquista está abandonada e muitos chegam até a morrer antes do tempo por falta de atendimento. Como um médico sai de férias e outro não é colocado em seu lugar, como se fosse um empregado auxiliar de escritório onde a empresa pode até acumular a função com outra pessoa. Afinal de contas, estamos tratando de vidas humanas. Isso é um absurdo, para não se dizer uma vergonha. Quanto ao meu teste de covid, tive que fazer numa farmácia particular.
E OS REPAROS DO CRISTO?
Quando estava na presidência do Conselho Municipal de Cultura de Vitória da Conquista (2021/23) surgiu uma denúncia, no início de 2022, de arquitetos e até de pessoas ligadas ao artista Mário Cravo, criador da obra, de que a escultura do Cristo da Serra do Periperi estava necessitando de reparos na parte interna e externa, inclusive de que se esses serviços não fossem feitos, a imagem poderia ficar irrecuperável. No meado do ano levamos esse alerta para a prefeita Sheila Lemos, numa audiência que tivemos com ela na prefeitura. Prontamente ela respondeu que aquelas informações não tinham fundamento e que havia sido feita uma vistoria e nada foi constatado em termos de estragos em seu material na parte interna. Não foram apresentados laudos comprovando que o monumento não estava correndo risco de perda. No entanto, olhando com mais cuidado, qualquer leigo visitante vai perceber sujeiras na parte externa do Cristo, tanto em sua imagem como na cruz. Se não me engano, o monumento está completando 44 anos e, durante este período, não tem recebido a devida manutenção por parte dos governantes. Alguns deles fizeram uns “puxadinhos” em torno do Cristo, como está sendo realizado agora e sempre dão o nome de revitalização. A verdade é que Ele e sua área nunca receberam grandes obras que atraíssem mais visitas dos moradores e gente de fora. Continua abandonado e quando alguém chega ali é recepcionado por uma cachorrada. Algo tem que ser feito para mudar esse vergonhoso quadro. Já que o poder público não tem dado a devida importância, por que não passar a administração do Cristo para o setor privado ou uma instituição como a Igreja Católica, para explorar o ponto e torná-lo turístico, num cartão postal da cidade, como acontece em outros lugares?
DE TODOS OS PONTOS
Esta imagem é um flagrante do alto da Serra do Periperi, exatamente do Cristo do artista Mário Cravo, mas Vitória da Conquista talvez seja a única cidade da Bahia e do Brasil que pode ser vista de quem está chegando à cidade de todos os pontos cardeais: Do norte, sul, leste e oeste. Para quem ainda não percebeu, sua posição geográfica é privilegiada, situada por assim dizer dentro de uma bacia, a que eu a chamo de parabólica. Logo que aqui cheguei, entre março e abril de 1991, beirando os 33 anos, em pouco tempo notei esse aspecto que deixa qualquer um encantado. Por assim dizer, ainda era uma cidade pequena de pouco mais de 250 mil habitantes, passando a cerca de 400 mil neste período. Foi um crescimento espantoso e um dos maiores do Norte e Nordeste, mas sua infraestrutura em termos de demanda da população ainda deixa a desejar, principalmente na questão de mobilidade urbana (transportes públicos) e água. Por ser uma capital do sudoeste baiano que abrange mais de 80 municípios, outro problema que tende a ser agravar é o trânsito se não forem feitas algumas intervenções além do ônibus. Há mais de 30 anos não havia engarrafamentos, o que já ocorre no centro da cidade e nas principais avenidas. As eleições municipais estão batendo em nossa porta e vamos esperar as propostas dos candidatos sobre esses problemas quer são os principais de seus moradores, muitos dos quais vindos de outros lugares à procura de uma vida melhor.
SÓ DE LUZES
Como nos anos passados, com shows e apresentações de artistas, ternos de reis, quadrilhas e shows musicais no Espaço Glauber Rocha, no Bairro Brasil, inclusive de renome nacional, neste ano, praticamente só tivemos um Natal de Luzes em Vitória da Conquista, na tradicional Praça Tancredo Neves, antiga Praça das Borboletas. No mais foram propagandas do poder executivo nos telões e apresentações desorganizadas de artistas locais no pequeno palco da Praça da Bandeira, no centro comercial. No ano passado ainda ocorreram alguns eventos artísticos no Memorial Casa Régis Pacheco porque o Conselho Municipal de Cultura liberou do seu Fundo 160 mil reais para realização de editais contemplando diversas linguagens. Neste ano de 2023 foi um total fracasso em termos de atividades culturais para o povo, conforme ressaltaram diversos artistas conquistenses. Houve até uma reclamação dos moradores em relação ao “apagão” das luzes na Tancredo Neves, por volta das 23 horas, quando as pessoas estavam se divertindo no local com suas famílias e crianças. De acordo com artistas, o Natal deste ano foi um dos piores de todos os tempos. Tudo isso é um sinal de que a nossa cultura foi abandonada em Conquista, o que é uma vergonha para uma cidade de quase 400 mil habitantes e a terceira maior da Bahia. Cadê a reforma dos equipamentos culturais? Foi só um Natal de luzes e uns pingadinhos de pisca-piscas em alguns bairros, como na Lagoa das Bateias.