COMO SE FORMOU A PRIMEIRA CIDADE

COMO NASCEU O PRIMEIRO DEUS ÚNICO

COMO FOI INVENTADA A CULPA

Numa linguagem pedagógica e num tom simples metafórico de gozação que prende o leitor, sem aquele academicismo pesado, o jornalista e escritor de vários romances, David Coimbra começa esta obra falando do homem de neandertal que durante cerca de dois milhões de anos (outros apontam seis) viveu feliz em suas selvas, caçando, pescando e colhendo, sem pensar no futuro. Seu esquema era viver o dia de cada vez.

Costumamos afirmar que a gente era feliz e não sabia quando nos referimos há 50 ou 60 anos ainda meninos com aquelas brincadeiras tradicionais do nosso tempo onde crianças e jovens respeitavam os mais velhos e a humanidade era mais humana, sensível e solidária. Pois é, mas Coimbra nos faz entender que a felicidade total estava mesmo no neandertal solteiro de um metro e 65 centímetros, forte e cheio de músculos.

Tudo era inocência que nem se sabia que o homem era um reprodutor. O sexo era grupal, sem culpa, e a mulher ficava na caverna esperando o caçador. Quando engravidava, achava que era da lua cheia ou de um mosquito qualquer que lhe picava no rio. Veio, então, o sapiens sapiens, há 120 ou 130 mil anos, e começou a bagunçar tudo. Nessa passagem, a mulher domesticou o homem e criou a civilização a partir da agricultura. Ensinou também o sapiens a domesticar e a criar animais para o abate.

Segundo Coimbra, alguns cientistas desconfiam que haja traços de neandertal em certas pessoas do século XXI. Pode ter havido relação amorosa entre um neandertal e uma sapiens sapiens. Em sua visão, os neandertais eram mais masculinos do que nós. Saia em bandos de machos para caçar, pescar e colher, arrastar uma fêmea pelos cabelos, pegá-la no colo, jogá-la no solo e fazer dela mulher. Não arava a terra, não acumulava e nem constituía família. Não meditava sobre a existência e não se angustiava ao ponto de cair em depressão.

As sapiens queriam era criar seus filhos e, para isso, teve que domesticar os machos. Inventaram a agricultura, tornando impossível o deslocamento por serras, praias e florestas. De nômades a sedentários, fundaram a civilização, a política, a economia, a ganância, a angústia e o psicanalista para curar seus tormentos.

Hoje, o homem solteiro que bebe com os amigos, não reclama da solidão e cativa outras mulheres, é o fracasso das mulheres. Foi por isso que elas inventaram o amor romântico, “que deve seu prestígio à Idade Média quando o cristianismo temperou o sexo com a culpa e elevou o espírito em detrimento da carne”. Esse cristianismo tornou vulgar o prazer e sublime o sentimento. O amor romântico transformou-se na forma de dar sentido à vida humana neste Vale de Lágrimas.

O neandertal não precisava procurar o sentido da vida, porque o sentido da vida era viver. O escritor, com leveza sarcástica, escreve que o ócio feminino matou o neandertal. “Quem inventou o trabalho não tinha o que fazer”. Durante dois milhões de anos de alegria e vadiagem, o homem não trabalhou.

Tanto um como o outro (neandertal e sapiens) viviam para comer e se reproduzir. Freud dizia que tudo na vida é casa, comida e sexo. Lá atrás, o homem nem sabia que fazia filhos. Tudo piorou quando se passou a pensar no futuro há mais de 70 ou 100 mil anos, tempo que o neandertal e o sapiens partilhavam o planeta, caçando e coletando. A agricultura deve ter surgido há 10 mil anos e dela vêm a propriedade e a herança.

A mulher, nas baladas loucas da caverna, ao transar com um chefe do clã, de acordo com Coimbra, foi quem descobriu a reprodução através do sexo. Antes ela viu um casal de filhotes de animais, caso do lobo, ancestral de todos os cães do mundo, copulando e depois parindo. Ficava na caverna cuidando dos filhos e começou a plantar as primeiras sementes extraídas dos frutos que o homem trazia.

Como foi dito antes, da agricultura vieram a propriedade e a herança, mas como o macho poderia ter certeza que o filho era dele para ter o direito de ficar com seus bens?  Só a mulher tinha porque o filho saia da sua barriga.

Naquela época não havia laboratório para fazer o teste de DNA. A forma segura foi obrigar a fêmea a fazer sexo só com ele. Lá vem a monogamia, subproduto da herança. Os homens podiam ter várias mulheres, mas, com o tempo, elas não se submeteram a essa nova ordem. Os problemas estavam só começando.