O ATORMENTADO CORAÇÃO DE PEDRA
Mesmo diante das dificuldades e intempéries da vida, sempre nos encorajam para termos esperança e fé, mas, a realidade é que elas estão se esvaindo e definhando para milhares e milhões de pessoas, massacradas por esse bruto sistema. Sei que muita gente prefere a outra linguagem do otimismo, porém não devemos nos iludir.
Habitamos um mundo hoje tão desumano e cruel que o ser se tornou um atormentado coração de pedra. Isso me faz lembrar de um indivíduo que levou um balaço nesse órgão vital do nosso organismo e sobreviveu. Depois desse acontecido, passaram a chamá-lo de “coração de pedra”, mesmo sendo uma pessoa bondosa e crente.
No sentido figurado, temos aquele coração de pedra do ser insensível ao sofrimento do seu “semelhante”, do tipo do personagem humorístico de Chico Anísio no papel do deputado que num certo momento do diálogo abre a boca e diz: “Quero mais é que o pobre se exploda”. Não precisa necessariamente ser pobre de dinheiro.
O corrupto, o egoísta que só pensa em si, o golpista, o falso amigo, o mau caráter, o antiético, o imoral, aquele que já trata a coisa anormal como normal, o incomum como comum, o ilegal como legal, todos eles têm corações de pedras, mas não vivem atormentados e até dormem o sono dos anjos, sem mais remorsos na consciência. Aliás, nem possuem mais isso.
Do outro lado, existe o atormentado coração de pedra. Diria que é aquele resistente e forte que, mesmo desaprovando e contestando as injustiças sociais, continua travando essa luta contra todas as adversidades. É como um sobrevivente em alto mar depois do seu barco ter sido afundado pelas ondas agitadas ou arrebentado nos rochedos.
Este elemento até gostaria que seu espírito tivesse desprendido do seu corpo porque não suporta mais assistir tantas imbecilidades, futilidades e idiotices. Seu esclarecimento e visão das coisas erradas o atormenta e o faz cada vez mais sofrer, mas seu coração é de pedra.
O descrente de que a humanidade vai melhorar, de que ainda se possa deter o aquecimento global depois do rombo que fizeram no planeta, de que as fronteiras dos países ricos serão abertas pelos poderosos, de forma que passem os desvalidos e refugiados famintos, de que a justiça e a igualdade virão para todos, é um atormentado coração de pedra.
Esse termo coração de pedra não é usual, assim repreendeu um amigo meu que não concorda com esse meu pensamento, de acordo com ele, pessimista. “Esse negócio de atormentado coração de pedra é coisa da sua cabeça de queixoso lamentador” – respondeu-me em tom ríspido.
Ele ainda acredita no amor ao próximo, no mar de rosas, que o ser humano vai se regenerar, de que a vida ainda é bela e que precisamos sempre confiar nos outros porque bons tempos virão de respeito mútuo onde haverá um humanismo pleno na face da terra.
No final da conversa, não muito amistosa, me chamou de atormentado coração de pedra, não daquele moço que literalmente foi vítima de uma bala no peito e não morreu. Morte é outro assunto um tanto pesado e mórbido que a grande maioria evita comentar.
Encerramos por aqui esse papo cruento que tivemos numa mesa de bar e passamos para as amenidades corriqueiras do dia a dia, como futebol e fofocas sobre a vida dos outros. Nada como uma gelada para se esquecer das desgraças, da violência e dos tormentos humanos, como a depressão.
Afinal de contas, estamos próximos do Natal e vêm aí as campanhas dos presentes e das doações das cestas básicas. As lojas já estão se enfeitando para o “Natal sem Fome”. As praças começam a ser iluminadas e as residências a montarem suas árvores. Todos serão felizes para sempre e nada de coração de pedra. Feliz Natal antecipado.











