(Chico Ribeiro Neto)

Não é fácil, não, cidadão, ter que saltar do caminhão, abrir o coração e aguentar a corrupção.

Não é mole, não, resistir ao desespero, a esse seu tempero e a tanto esmero.

Estender a mão, morar em pensão, conviver com a solidão e ver assombração.

É difícil, irmão, passar no vestibular, esse cara devagar e não chorar no luar.

Mudar de moradia, sofrer de azia e essa vida vazia.

Não é fácil, não, espinho no pé, cair o picolé e a cara de Seu Zé.

Filho doente, cerveja quente e a cara da gente.

Pular daquele rochedo, engolir calado e sentir que tem medo.

Ter que dizer Não, ver uma agressão e o resultado da eleição.

Não é mole, não, irmão, sentir saudade, ver tanta maldade e violência na cidade.

A viagem de volta, segurar a revolta e abrir a comporta.

Pedir guarida, a viagem de ida e essa vida.

Café frio, olhar absorto e passarinho morto.

Lidar com o “cidadão de bem”, com o desdém e ter que dizer Amém.

É difícil, irmão  engolir o óbvio, dispensar o necessário e entender o vário.

Televisão quebrada, entupiram a privada e o silêncio da madrugada.

Não é fácil, não, já dizia minha tia, engolir problema é soprar poesia.

Joelho inchado, o vizinho do lado, carro quebrado e IPVA vencido.

Não é mole, não, dor de barriga no meio da rua,  aposta ganha não foi a sua e a verdade nua e crua.

Peido no Elevador Lacerda lotado, sanitário de barzinho e ver destruído um ninho.

Não é fácil, não, irmão: acreditar que Maria vai voltar, que aquela coisa vai mudar, que esse mundo tem jeito, que vai imperar o respeito, que vamos melhorar cantando Belchior e que iremos desta para melhor.

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