:: 12/jan/2024 . 23:38
SITUAÇÕES SEMELHANTES ENTRE A ESCRAVIDÃO NEGRA E A DOS CRISTÃOS BRANCOS
Nas duas escravidões, a africana entre os séculos XVI e XIX e a dos cristãos ou brancos na região da Berbéria (Argel, Túnis e Trípoli) nos séculos XVI ao XVIII, existiram algumas semelhanças, conforme atesta o livro “Escravos Cristãos, Senhores Muçulmanos” do historiador e pesquisador Robert Davis.
Não se pode quantificar os cenários de degradação e sofrimento dessas escravidões que esses cativos passaram, uns nas Américas pelos países europeus, de ordem comercial, e os outros na Berbéria, praticada pelos mouros, turcos e muçulmanos, de cunho mais religioso, como represália. No entanto, ocorreram métodos parecidos na forma de tratamentos.
Assim como várias etnias africanas trazidas da África para as Américas não se entendiam e até brigavam entre si, também os cristãos andavam às turras quando se tratava de católicos romanos, ortodoxos e correntes protestantes. No cativeiro, as intrigas eram muitas, mas aconteciam momentos de se unir nas resistências.
As senzalas negreiras eram locais degradantes, abafados e superlotados, propícios às promiscuidades, e sempre fechados ao anoitecer depois de um dia cansativo de trabalho. Na Berbéria, esses “aposentos” lotados eram denominados de banhos públicos ou prisões, com praticamente as mesmas regras impostas pelos feitores, capatazes ou responsáveis por guardar os escravos. As portas eram trancadas no final do dia para não haver fugas.
Robert Davis faz esses relatos baseados em testemunhos (D´Aranda, João Mascarenhas, Pierre Dan e padres) que foram vítimas dessa escravidão, além de pesquisadores no assunto. Ele fala dos escravos dos banhos públicos, aqueles desafortunados que eram comprados pelos governantes e depois remetidos à vida nos dormitórios/prisões, os quais os cativos chamavam de bains, baños ou bagni.
Segundo Davis, há indícios que essas mansões sombrias de horror começaram em Constantinopla onde antigas casas de banhos se tornaram em confinamentos de escravos em 1500. Na Berbéria, elas foram construídas para abrigar cativos dos governantes e particulares.
De acordo com as pesquisas, o primeiro banho público, o Bagno Beyliç, surgiu em Argel, em 1553, durante o período de Barbarosa, com capacidade para dois mil cativos. Esses prédios se multiplicaram com o tempo, passando a seis em Argel, nove em Túnis e um em Trípoli. Nos anos de 1660, Argel já possuía oito, quinze em Túnis e cinco em Trípoli.
O interessante é que os nomes desses banhos públicos eram sempre de santos, como St. Roche, Lorenzo, São Miguel, Santo Antônio, Santa Luzia, São Sebastião, São Leonardo, Trindade, Santa Catarina, São Francisco, Santa Cruz e tantos outros.
Em Argel, por exemplo, o banho público St. Roche, pertencia ao senhor Ali Pegelin, o mais poderoso e rico de toda região. “É tentador pensar que esse sistema alternativo de nomenclaturas agia como forma de resistência planejada por parte dos escravos e dos abolicionistas cristãos, contra o domínio e autoridade islâmica vigente…”
Muitos desses nomes eram deturpados e escritos de maneira incorreta. O do Paxá era chamado de Banho do Estado, ou do rei. Os trinitários e mercedários, responsáveis pelas capelas (as fazendas dos senhores das Américas também tinham suas capelas) disputavam entre si e com os missionários da Congregação de Propaganda Fide.
De acordo com o autor da obra, esses tipos de desavenças entre os ocupantes dos banhos, principalmente quando envolviam os papassi ou sacerdotes, eram motivos de graça para os turcos. Os senhores gostavam de incitar as discórdias entre seus escravos, com intuito de enfraquecer a resistência.
“O principal ponto de tensão, ao menos nos séculos XVI e XVII, era a religião, “embora isso possa ser apenas parte do exagero entre padres e missionários católicos que representavam a menor fonte de estudos”. Em Argel e Túnis, os católicos eram maioria nos banhos escravos, ao passo que as cidades marroquinas teriam mais britânicos e holandeses. Trípoli era povoada por cativos gregos, segundo alguns relatos.
Outra coisa abordada pelo historiador diz respeito aos dialetos africanos, enquanto na Berbéria se usava a língua franca (substantivos e verbos) como meio de comunicação entre os senhores proprietários e os cativos, para emitir ordens.
Além das capelas, os banhos também contavam com as tabernas onde os bêbados perturbavam os atos religiosos com palavrões e xingamentos. Como esses dormitórios/prisões, somente para homens, eram superlotados (todos dormiam amontoados) havia muita promiscuidade.
Outro traço era o homossexualismo praticado entre escravos que, por outro lado, sofriam assédio sexual por parte dos seus proprietários, reis, paxás e governantes, tendo como maiores alvos escravos novos e os jovens garotos de nove a 15 anos. Eles eram bem tratados nos palácios e induzidos a se converter ao islamismo. Na verdade, não havia uma repressão velada quanto ao ajuntamento homossexual.
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