:: 27/jan/2024 . 18:52
UM PAPO COM O “VELHO CHICO”
– Olá, meu “Velho Chico”!
Vim de longe daquelas terras de Vitória da Conquista que muitos, sem noção, as chamam de “Suíça Baiana”, para lhe pedir a benção. Uma pena que só lhe conheci depois de adulto. Quando era criança, nem ouvia falar sobre a existência do Senhor. Aliás, alguma coisa na escola, mas sem muito destaque.
– Sei, meu filho, e Deus lhe abençoe!
– Como está de saúde?
– Um pouco melhor que há uns oito ou dez anos quando estive na UTI, naquela braba sequidão.
– Ah, lembro da ocasião e fiquei muito triste, mas antes disso teve aquele frei da Barra que fez uma greve de fome em protesto contra sua transposição, ainda no segundo mandato do Governo Lula. Faz tempo e, como sempre, o brasileiro esquece desses episódios.
– Pois é, meu filho! Minhas águas minguaram nas margens, só arreião e apareceram ilhotas por todo canto. O mar tentou me engolir lá foz de Sergipe e, por pouco, não virei um riacho salgado. Fui até entubado e os homens de lá de cima prometeram me revitalizar.
– E de lá para cá não fizeram nada?
– Só promessas e sofri com o assoreamento e erosão dos terrenos. Desmataram minha vegetação ciliar. Fiquei muito tempo descoberto no árido sertão. Até minha nascente quase morre. Atingiram até meus afluentes com tanta irrigação para plantar grãos e frutas para os mais ricos capitalistas exportarem. Eles só pensam em cifrões.
– E depois disso tudo?
– São Pedro resolveu me socorrer. Sempre estou dependendo dele. Sai das últimas e renasci. Nem os movimentos sociais tocaram mais na questão.
– E se vier outra estiagem prolongada daquela?
– Ah, meu filho, nem sei o que será de mim. Pode até ser o fim, porque se for depender deles, já era.
– Por falar nisso, qual era mesmo seu nome antes daquele português navegar em seu mundaréu de água?
– Ah, os meus irmãos indígenas me chamavam de Opará, o que significa rio-mar, por ser grande e caudaloso, meio de comunicação e de fuga, uma rede que interligada diversos povos da região.
– E quem lhe deu o nome de São Francisco?
– Foi um tal de Américo Vespúcio, em 1501, quatro de outubro, dia de São Francisco. Essa mania dos cristãos de denominar tudo com o nome de santo. Sou mesmo Opará.
– Tá certo, mas mudando de assunto, e seus ribeirinhos?
– Agora estão melhor, com mais peixes na rede e irrigando suas plantações, mas sempre tiram dos pobres e dão para os ricos. Não ando nada contente com isso.
– Estou sentindo um mal cheiro aqui nas margens. O que é isso?
– São os esgotos, meu filho, que jogam dentro de mim, sem falar no lixo e outras sujeiras. Eu padeço durante mais de 500 anos. Despois vêm as muriçocas, insetos, ratos e cobras. Reclamam e ainda me xingam.
– O que dizer que esqueceram do senhor?
– Eles lá de cima não passam de politiqueiros de baixo nível. Se apropriam de mim para arrumar votos dos eleitores incultos. Essa tal de transposição só atendeu os mesmos. Os pobres continuam mendigando as migalhas ou farelos que caem da mesa desses burgueses.
– Dizem que o senhor é esquerdista comunista. O que falar sobre isso?
– Sem comentários, meu filho. Não dá para dialogar com essa gente imbecil. Prefiro ficar calado, com meus caninos, cavernas, navegantes, carranqueiros e barraqueiros. Veja ali o Nego D´Água e Iansã.
– E sobre esse tal de aquecimento global?
– Já está acontecendo, meu filho! O futuro de tragédias e catástrofes já existe, mas ainda não caiu a ficha deles. Ficam aí transando com El Nino e mudanças climáticas. Se reúnem e depois tudo fica no mesmo.
– É meu “Velho”, o papo está bom, mas já estou indo pegar estrada para outras bandas.
– É, meu filho, vá em paz e que Deus ou São Francisco lhe acompanhe.
– A benção, mas prefiro Opará, como na língua indígena Tupi-Guarani. Até a próxima, meu “Velho” mestre.
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