:: 5/jan/2024 . 22:06
AINDA AS GALÉS E AS VESTIMENTAS DOS ESCRAVOS CRISTÃOS NA BERBÉRIA
Comentamos aqui nos outros capítulos do livro “Escravos Cristãos, Senhores muçulmanos”, do autor Robert Davis, que aqueles capturados pelos mouros da região da Berbéria (Túnis, Trípoli e Argel) nos navios e por via terrestre e que não possuíam talentos, nem sinais de riqueza e posição social ao serem colocados à venda, iam servir nas galés por meses em alto mar. Eram acorrentados, espancados e trabalhavam sob chuva e sol. Muitos não resistiam e morriam.
“É uma aflição sem tamanho ver os pobres escravos cristãos ou brancos, obrigados a remar sob constantes e violentas chicotadas e pauladas… De todas as agruras esses pobres cativos são forçados a obedecer, a pior, sem sobra de dúvidas, é aquela que sofrem nas galés dos turcos berberes” – lamentou o padre Pierre Dan. Geralmente eram camponeses, pescadores, soldados rasos e marujos comuns. Os nobres de estirpe ficavam longe das galés porque eram valiosas propriedades para o resgate.
Segundo Robert, por volta da metade do século XVI, tanto as potências cristãs quanto o Império Turco eram capazes de concentrar imensas frotas com centenas de galés e galeotas, cada uma composta de 150 a 300 remadores. Essa força de trabalho deve ter atingido seu ápice na época da Batalha de Lepanto, em 1571, quando por volta de 80 mil remadores foram mandados para o fronte uns contra os outros, sendo a maioria escravos. Não eram somente muçulmanos.
Nas galés da Espanha, França, Itália e Malta haviam milhares de mouros, turcos, prisioneiros católicos e protestantes condenados aos remos. Na segunda metade dos anos 1560, a escravidão das galés era mais uma instituição islâmica do que cristã. Os berberes eram melhores em capturar escravos. A maior demanda por escravos de galés ocorreu entre o fim das décadas de 1580 e 1640. Os reis de Argel, Túnis e Trípoli precisavam de 10 a 15 mil remadores.
VESTIMENTAS
No capítulo “Vida de Escravo”, o historiador da obra cita o testemunho do escravo William Okeley. Aliás, sua pesquisa está recheada de testemunhas. Robert destaca que Okeley e seus companheiros escravos compunham um quarto da população de Argel, uma cidade baseada na pirataria corsária e no mercado escravista. Em Túnis e Trípoli a proporção era menor, entre 10 a 20%.
No topo dos escravos estavam os turcos e renegados cristãos. De acordo com Robert Davis, esses homens reinavam sobre os nativos mouros e mouriscos, os quais, por sua vez, desfrutavam de status maior do que a sempre numerosa população judia nas capitais das regências. Os escravos ficavam nas camadas inferiores e os judeus ainda num patamar mais baixo.
Na Berbéria, os homens se diferenciavam nas roupas, cortes de cabelos e no direito de usar armas. Os turcos usam turbantes (um tipo de boné vermelho). Os mouros vestes mais sombrias, um longo albornoz com capuz, sendo de cor branca no caso dos mais abastados.
Os escravos cristãos não tinham nenhum traje distintivo e vestiam o que lhes eram fornecidos pelos seus senhores. No caso dos escravos domésticos, como na Europa, trajavam uniformes. Nas ruas usavam roupas condizentes com o nível social de seus proprietários. Portar o turbante era uma expressão de conversão ao islamismo e os escravos cristãos, na sua maioria, não aceitavam.
As garotas jovens récem-capturadas podiam ter a cabeça raspada, para torná-las turcas. As mulheres mais velhas podiam ser forçadas a vestir as roupas turcas devido ao hábito das regências. No entanto, o autor da obra conta um caso de uma mulher que não aceitou mudar sua fé. Por isso, sua dona mandou que ela levasse trezentas chibatadas. Ao continuar firma em seu propósito, a escrava foi despida e a vestira à moda turca.
Segundo Robert, quando os corsários berberes estavam prestes a capturar um navio, era comum os passageiros trocarem suas vestes por outras que ajudassem a esconder suas origens de modo a confundir os captores quanto ao valor potencial do resgate. Outros mantinham as mesmas vestimentas por orgulho de seu posto, como os membros da Igreja, nobres e comandantes militares. Eles iam para alojamentos dos consulados com conforto.
Diz o autor que esses escravos de alto escalão eram deixados ociosos no cativeiro, certamente por terem pago uma taxa, um suborno por fora. Ficavam livres para se locomover na cidade, apenas com uma tornozeleira de ferro. As mulheres da elite recebiam mais ou menos o mesmo tratamento, mas mantidas dentro de casa, longe das vistas do público. Alguns usavam suas roupas europeias.
Muitos eram levados para os chamados banhos públicos (badistão) ou prisões, onde se transformavam em figuras imundas com trapos e desmazelados. Os turcos e mouros chamavam esses récem-chegados de selvagens. Quando eram vendidos recebiam um traje distintivo de escravos.
Um pesquisador observou que, na década de 1620, os chefes dos banhos forneciam aos escravos nada além de um albornoz com capuz, um par de calças de lona por ano. Meio século mais tarde, o frei Francisco San Lorenzo referiu-se a roupas semelhantes, como uma camisa e um par de calças de tecido cru. Os que não conseguiam conservar seus sapatos ficam descalços.
“Pelo visto, nenhum escravo teve direito a receber uma muda de roupas até os anos 1720”. Um estudioso no assunto descreveu que, quando um escravo é levado para Argel, recebe uma camisa grosseira, um carpete de tecido rústico, um pequeno cafetã, um gorro vermelho e um cobertor de lá.
“Tudo leva a crer, na melhor das hipóteses, que nos anos 1790, as roupas destinadas aos escravos na Berbéria ficam aquém até mesmo da indumentária dada pelos senhores no sul dos Estados Unidos, como dois trajes completos de algodão para a primavera e verão e dois de lá para o inverno, quatro pares de sapatos e três chapéus”.
“A disparidade entre a vestimenta dos escravos negros no início do século XIX no sul dos Estados Unidos e dos cativos no Magreb ainda é surpreendente”. O pesquisador Eugene Genovese, com base num tal de senhor Robert Collins, ressaltou que “no sul dos EUA, até a trouxa mais generosa restringia os escravos a lavar e trocar de roupas no máximo uma vez por semana. Isso era inimaginável no caso dos escravos da Berbéria, confinados nos banhos públicos”.
Collins afirmou que no geral era necessário pagar a água e poucos tinham condições para isso. Só o necessário para beber. Por isso, a maioria dos membros da classe de cativos atraia todos os olhares para aquele espetáculo lamentável de cabelos e barbas cortados com uma adega. “Seus rostos eram machucados e cobertos de lama e poeira. Eles perambulavam pela cidade com aparência de mendigos, com as roupas todas cobertas de vermes”.
Os escravos de Túnis e Trípoli costumavam mancar em razão das correntes e grilhões pesando cerca de 10 a 15 quilos, ou com um gambetto, como os italianos chamavam (grilheta de ferro). Dizem que os escravos das galés eram marcados com uma cruz na sola dos pés.
As condições de vida variavam tanto quanto a quantidade de roupas, dependendo se estivessem hospedados nas casas de seus senhores ou fossem cativos públicos, isto é, dos governantes, designados ao trabalho braçal nas galés, nas pedreiras ou arredores das cidades. Quem se dava melhor eram aqueles cujos senhores os alugavam para os missionários cristãos e cônsules na cidade. Esses tinham uma vida praticamente idêntica aos serviçais da Europa
- 1