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:: 19/jan/2024 . 22:16

AS PRÁTICAS HOMOSSEXUAIS NA BERBÉRIA E AS CRUELDADES NOS BANHOS PÚBLICOS

SOBRE AS TAVERNAS NOS BANHOS PÚBLICOS, MISSIONÁRIOS MANIFESTAVAM SUA REPULSA PELO QUE VIAM, CHAMANDO DE LUGARES ABOMINÁVEIS ONDE HOMENS COMETIAM CRIMES TERRÍVEIS. A MAIORIA DOS CRIMES FOI APRENDIDO COM OS TURCOS. UMA TENEBROSA LIBERTINAGEM RESULTADO DA EMBRIAGUEZ.

AS NARRATIVAS DO ESCRAVO JOÃO MASCARENHAS FORAM PUBLICADAS EM 1627 NA FORMA DE PANFLETO, EXEMPLO DE LITERATURE COLPORTAGE, DIFUNDIDA NO INÍCIO DA IDADE MODERNA. FOI ADQUIRIDFO POR PORTUGAL POR LIVREIROS INTINERANTES QUE COMERCIALIZAVAM COM O NOME DE LITERATURA DE CORDEL, POIS OS VOLUMES ERAM AMARRADOS UNS AOS OUTROS COM BARBANTES PARA SEREM VENDIDOS EM VÁRIOS LUGARES.

Os senhores proprietários, turcos, mouros, paxás e reis da Costa da Berbéria (Argel, Túnis e Trípoli) se aproveitavam dos escravos novos cristãos para práticas sexuais, na maioria das vezes forçados a isso, sem falar do homossexualismo existente nos banhos públicos superlotados, considerados por pesquisadores e testemunhos da época (séculos XVI a XVIII) como campos de concentração, semelhantes aos nazistas e aos gulag soviéticos.

Alguns chegaram a contestar as crueldades e torturas dos senhores, como as que existiram contra os escravos africanos trazidos para as Américas (12 milhões) em mais de três séculos, mas foram comprovadas por cativos cristãos brancos.

Diferente do que ocorreu com os mercados de gente na Costa Africana, cujas memórias dos locais foram preservadas, esses banhos públicos foram destruídos entre os séculos XVIII e XIX, principalmente com a invasão francesa a Argel em 1830. Essa escravidão na Berbéria era uma represália religiosa. Os muçulmanos também foram cativos dos cristãos, sobretudo na Espanha, Portugal e Itália durante as guerras dos dois impérios (cristãos e muçulmanos).

O historiador e pesquisador Robert Davis, que escreveu a obra “Escravos Cristãos, Senhores Muçulmanos”, se debruçou sobre esse tema pouco explorado e conta também as brigas internas que existiam entre católicos e não católicos. No livro, ele cita por diversas vezes testemunhas do escravo d´Aranda sobre uma intriga entre russos ortodoxos e espanhóis italianos.

“Um deles foi até o pequeno cômodo (banho público ou prisão) onde se encontravam os russos moscovitas saudando-os da seguinte forma: cães, hereges, selvagens, inimigos de Deus, o banho agora está trancado (era fechado ao entardecer), e o zelador (o feitor) mandou dizer que, se tiverem coragem de lutar, vocês deveriam sair dessa sua toca, aí veremos quem leva a melhor”.

Robert Davis ressalta que qualquer divisão secular, como língua ou política, servia de justificativa para gerar discórdia entre os escravos, tanto quanto as crenças religiosas, e há indicativos de que esses subgrupos, provenientes de culturas mais próximas, eram os que mais estavam propensos a trocar farpas entre si.

DIFICULDADES DE COMUNICAÇÃO

As brigas constantes, segundo ele, entre espanhóis, franceses, portugueses ou italianos são inícios de que esses escravos se entendiam o suficiente para trocar insultos. Entretanto, as dificuldades de comunicação entre escravos e seus senhores era uma fonte inesgotável de conflitos na Berbéria, como aconteceu com os africanos de primeira geração nas Américas.

Para desenrolar esse entrave, havia uma língua franca (pidgin), modelo para todas as outras línguas francas ao redor do mundo. A predominância era dos espanhóis do Mediterrâneo, parte da Berbéria e do italiano no leste. Essa língua (uma versão do europeu românico) tinha suas raízes nos idiomas dos marinheiros e mercadores e preencheu suas lacunas com uma série de palavras locais (árabe, turco e grego). Servia para dar ordens aos escravos.

Nas galés, no entanto, os escravos eram proibidos de falar uns com os outros em qualquer outra língua que não fosse a franca, para que seus capatazes pudessem compreender o que discutiam ou tramavam. Não era um idioma muito fácil de ser entendido, principalmente em situações tensas.

Às vezes o senhor usava termos em espanhol e o italiano para humilhar o escravo com a palavra cão (perro cane ou cani perru). Alguns termos evoluíram, como do italiano mangiar no sentido de comer, ser consumido. Outras palavras eram derivadas do árabe ou do turco.

Quanto aos banhos públicos, o pesquisador da obra, diz ser difícil quantificar a população escrava, mesmo porque alguns zeladores alugavam suas dependências a proprietários individuais de cativos, as quais serviam para armazenar a mercadoria humana quando não queriam manter esses escravos dentro de casa. Eles eram obrigados depois a reembolsar seus senhores pelos custos desses alojamentos, com a venda de água ou até roubando.

Com o declínio das galés corsárias (final do século XVIII), a relação entre escravos públicos de banhos e os privados sofreu uma queda. Em 1696, padre Lorance, vigário de Argel, observou que o número de escravos particulares excedia em muito ao de públicos confinados nos banhos.

ABANDONADOS

Os banhos privados começaram a ser abandonados a partir de 1700, inclusive o maior deles do poderoso Ali Pegelin, que por volta de 1640 mantinha cerca de 800 homens dentro de seu estabelecimento. Durante o forte declínio da escravidão na Berbéria, entre 1690 e 170, a maioria dos escravos deve ter vivido com mais conforto, nas casas de seus senhores. Porém, no transcorrer do século XVIII, o número de escravos particulares caiu e o do Estado permaneceu estável.

TORTURAS E TORMENTOS

A respeito das crueldades e torturas, alguns eram céticos. No entanto, o padre Pierre Dan conta todas as penúrias impostas aos escravos cristãos, e ele fez um catálogo dos tormentos que lhes foram infligidos pelos muçulmanos. Os editores intercalaram prosa com um conjunto de ilustrações horrendas. Muitos foram esmagados vivos, outros empalados, queimados e crucificados.

O escravo John Foss, por exemplo, dedicou um capítulo inteiro ao assunto, denominando-o de “As punições mais comuns para cativos cristãos pelas mais diferentes ofensas”. Robert destaca que tais castigos cruéis, sem motivos aparentes, tinham razão de ser, pois costumavam garantir a disciplina entre os escravos.

As surras tinham o condão de encourager les autres, como alerta aos outros para que mantivessem bom comportamento. O Estado e o Ali Pegelin chegavam a matar alguns deles. Esses tipos de violências eram também difundidos entre proprietários e feitores de escravos nas Américas. Como declarou um fazendeiro no sul dos Estados Unidos: “O medo da punição é o princípio a que deveríamos e temos de recorrer, se quisermos manter os cativos atordoados e obedientes”.

O pesquisador Stephen Clissold concluiu que os escravos da Berbéria descreviam uma vida nos banhos como uma mistura entre um campo de concentração nazista, uma prisão inglesa e um campo de trabalhos forçados soviéticos, os gulag. Os cativos eram largados à própria sorte pelos paxás. Eram vítimas de surras aleatórias, alimentação e acomodações miseráveis, roupas degradantes, além do celibato forçado.

Os públicos eram condenados pelo resto de suas vidas, não por um processo judicial, mas em razão de seu status. Quem pertencia ao Estado não era ninguém. Não contava com um senhor privado para libertá-lo ou pagar seu resgate.  O escravo João Mascarenhas dizia que estes homens nunca vão embora, já que não serão libertados.

 

 





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