:: 17/jan/2025 . 23:51
AS ADAGAS AFIADAS DOS CONSPIRADORES NO SENADO MUTILARAM O DITADOR CÉSAR
Naquela manhã do dia 15 de março do ano de 44 a.C., o ditador Julius César levantou-se indisposto, talvez pelos maus presságios das profecias dos videntes, e atrasou-se para a reunião do alvorecer do Senado que ele mesmo havia convocado dias antes. A sessão, por ironia do destino, aconteceu na Casa do Senado de Pompeu, seu maior inimigo.
Os conspiradores já estavam a postos com seus planos e suas adagas afiadas escondidas nas togas para executar a morte do grande César que pavimentava sua trajetória para se tornar rei e acabar com a República logo após seu retorno da Guerra Parta nas terras onde hoje é o Irã. Roma estava dividida entre seus antigos apoiadores e adversários inimigos com os quais fora clemente na Guerra Civil de 49 a 45 a. C.
O historiador da obra “A Morte de César”, Barry Strausss descreve muito bem o cenário da Casa do Senado de Pompeu, de grandes colunatas e do assassinato mais famoso do Império Romano. Mesmo com os agouros, César, o grande guerreiro que saiu da Gália Italiana e cruzou o rio Rubicão para lutar contra Pompeu e invadir Roma, fazia suas próprias regras. Ele não ia à reunião, mas foi convencido pelo seu próprio amigo e algoz Decimus.
Para adentrar ao complexo onde abrigava o Teatro de Pompeu e o Templo de Vênus, passava-se pelo Pórtico de Pompeu. Na extremidade mais distante do recinto havia um tribunal para o presidente da sessão que geralmente era ocupado por um cônsul. No caso de César, essa função caberia ao dictator.
Havia lugares para trezentos senadores, mas nesse dia compareceram cerca de duzentos mais dez Tribunos do Povo, quórum suficiente para os assuntos relativos às consultas aos sacerdotes. Com suas indicações, César elevou o número de seiscentos para novecentos senadores.
Os principais conspiradores, Marcus Junius Brutus, Gaius Cassius e Decimus Junius Brutos, este último já indicado como governador da Gália Italiana, estavam tensos e preocupados com o general Marco Antônio, também ameaçado de morte, que poderia levar seus homens e reverter a situação. Dentre os senadores, muitos faziam parte da conspiração. Para tanto, os conspiradores designaram Trebonius para entreter Antônio e mantê-lo fora do Senado.
Na casa legislativa, César usava uma toga especial de general triunfante, tingida de vermelho-púrpura e bordada de fios de ouro. O Senado concedera o direito de usá-la, reconhecendo-o como deus e rei. Ali estavam Dolabella, futuro cônsul, e Cícero, o grande orador.
As fontes antigas são claras de que os conspiradores usavam adagas militares romanas, ou pugiones (do latim pugnus, punho) ocultas sob suas togas e outras nas capsae, recipientes onde eram transportados pergaminhos pelos escravos. O planejamento foi antecipado e Cassius foi um dos primeiros a chegar. O ataque teria de ser repentino e veloz antes que seus apoiadores acorressem em auxílio da vítima.
O primeiro golpe no peito coube a Publius Servilius Casca, um amigo de César. De acordo com os historiadores, foi uma exigência dos apoiadores de Pompeu participantes da conspiração. Nicolaus de Damasco, Apiano e Plutarco usam o termo ksiphos, que em grego se refere a uma adaga. Suetônio diz que César agarrou o braço de Casca e o golpeou com seu stylus, um instrumento com as dimensões de um lápis. Ele tentou levantar-se, mas não conseguiu porque teria sido atingido com o segundo golpe.
O historiador Apiano escreve que César, como um grande militar, reagiu com fúria e gritos. Plutarco afirma que ele gritou em latim “Ímpio Casca”, ou “amaldiçoado”. São várias as versões do assassinato, inclusive a de que Casca chamou seu irmão Gaius para ajudá-lo e este desferiu outro golpe nas costelas do ditador.
Além destes, Nicolaus menciona mais três que participaram do atentado, como Cassius que acertou César no rosto, Decimus e Minucius Basilus. Apiano fala que Brutus acertou o ditador em uma das coxas (Plutarco diz que foi na verilha) e Bucolianus nas costas. Segundo o autor do livro “A Morte de César”, Strauss, a exclamação “Et Tu, Brutos”! (Até Tu, Brutus!) citada por Shakespeare não consta de nenhuma das antigas fontes. Para ele, ela é uma invenção da Renascença.
Na versão de Suetônio e Dio, quando Brutus o golpeou, César teria dito, em grego, “kai su, teknon, que significa “tu também, filho”! No entanto, existem dúvidas quanto a isso. Dizem que no momento de desespero, César enrolou sua toga sobre a cabeça quando viu Brutus se aproximar dele com uma adaga.
Antes da sua morte, presumem que vinte ou mais assassinos golpearam o ditador, que meses antes havia sido considerado como deus e rei pelo próprio Senado. Ao todo, César recebeu vinte e três ferimentos. Para Nicolaus, foram trinta e cinco. Vinte conspiradores (estimam que haviam mais de sessenta) são conhecidos pelos seus nomes, dentre os quais Trebonius que não chegou a apunhalar César porque estava fora do recinto.
O conquistador do mundo fora assassinado em um raio de aproximadamente três quilômetros do local do seu nascimento. Florus, um autor do primeiro século d.C. descreveu que “assim, ele que enchera o mundo todo com o sangue de seus concidadãos, afinal encheu o Senado com seu próprio sangue”.
Na descrição do autor da obra, César foi um mestre como comandante, um político habilidoso, um orador elegante e um estilista literário lapidar. Foram inúmeras suas vitórias nos campos de batalha e exercia uma grande influência sobre os homens comuns e na vida das províncias.
Fez com que leis fossem aprovadas em favor das massas, mas depois controlou as eleições de modo a enfraquecer o autogoverno. Foi um populista que tempos depois perdeu a admiração e o apoio da plebe. Roma ficou dividida quando começou a agir com tirania. “Ele renomeou o centro de Roma com o nome de sua família, como se a cidade fosse propriedade sua”.
O tribuno Cícero ironiza o fato, dizendo que “naquele Senado, cuja maior parte dos membros havia sido escolhido por ele, na Casa do Senado de Pompeu, diante da estátua do próprio Pompeu, com tantos de seus centuriões assistindo, ali ele jazeria, assassinado pelos mais nobres cidadãos, e não apenas nenhum de seus amigos aproximou-se do seu corpo, mas nem mesmo seus escravos fizeram isso”.
Depois do ato consumado, houve um grande tumulto. Os conspiradores, liderados por Brutos, Cassius e Decimus rumaram para o Fórum Romano, na Colina Capitolina, onde se refugiaram e se entrincheiraram, alegando que haviam agido em nome da liberdade do povo. Enquanto isso, Marco Antônio negociava uma saída com o Senado, de modo a evitar um banho de sangue.
Antônio foi um político e militar hábil numa conciliação entre os veteranos apoiadores de César, que temiam perder suas terras e bens, e os conspiradores. Os atos de César, cremado quatro dias depois, foram mantidos, inclusive os inúmeros títulos concedidos pelo Senado, mas o pior estaria por vir quando os exércitos de Otávio, o herdeiro do ditador, começaram a se mobilizar a partir das províncias, numa disputa com Marco Antônio.
AS ENCHENTES E A REPETIÇÃO DE CENAS ONDE O POVO DERRAMA SUAS LÁGRIMAS
As pontes provisórias feitas de barro e paus são levadas pelas enchentes das chuvas, os morros se derretem e moradores são soterrados, as casas são invadidas pelas águas e lamas, o pessoal da defesa civil aparece para condenar habitações e barracos, os assistentes sociais surgem com planilhas nas mãos para cadastrar as vítimas, os desabrigados ocupam escolas interrompendo aulas, os prefeitos decretam calamidade pública e, por fim, a mídia entra para fazer sua média e pedir doações.
Estas cenas, como filmes velhos arranhados, são repetidas praticamente todos os anos, e o povo derrama suas lágrimas pelas perdas de seus entes queridos e bens materiais. Os governantes apenas dão umas cestas básicas e pagam alguns aluguéis temporários de moradia. Quando bate a estiagem, todos retornam aos mesmos lugares para reconstruir suas vidas e esquecem que podem viver o mesmo drama quando a próxima enchente vier.
Este roteiro de repetição é uma prova irracional e cruel de quanto os nossos governos municipal, estadual e federal são sádicos e cínicos, até corruptos, porque quase nada fazem em termos de saneamento e obras de contenção para que as cheias de riachos e rios não provoquem as mesmas tragédias e desastres, evitando, inclusive, gastos maiores. Os desabrigados sempre são levados para as escolas, cujas aulas são interrompidas em prejuízo dos alunos. Sempre prevalecem o emocional e a irracionalidade.
Um exemplo mais próximo de nós, destas cenas repetidas, aconteceu nesta semana em Itambé quando uma pesada chuva de menos de uma hora desabou sobre a cidade. Os rios Verruga e Pardo transbordaram e inundaram as mesmas ruas e bairros onde há uns dois anos, se não me engano, foram alvos das mesmas enchentes. Os próprios moradores testemunharam seus sofrimentos contínuos.
Apenas citei Itambé aqui bem perto de Vitória da Conquista como exemplo, mas as cenas trágicas que estamos acompanhando nos noticiários são repetições que ocorrem há anos em toda Bahia e em todo Brasil, como no Rio Grande do Sul, que recebeu milhões ou bilhões de reais em doações dos brasileiros e o quadro permaneceu o mesmo. Esses governos não têm o mínimo de vergonha na cara!
A impressão que se tem, e isso é um fato, é que todos gestores públicos são incompetentes, ou adotam de forma premeditada esse procedimento de repetição das cenas de calamidade porque gastando mais, existem mais chances de desvios de recursos. Os decretos de calamidade pública abrem mais espaço para os atos de corrupção. É uma malvadeza com o ser humano que vota nesses mesmos algozes.
Outra explicação seria a intenção de aproveitar mais tempo de exposição na mídia colocando seus prepostos em campo para dizer que estão “resolvendo” os problemas da população. Assim, nessas ocasiões, eles aparecem nas portas dos pobres atingidos dando entrevistas com falsas promessas de obras, e que estão ali para se solidarizar com a miséria.
O mais lógico não seria em definitivo investir mais verbas de uma só vez, no sentido de realizar obras estruturantes de contenção de encostas, abertura de canais para escoar as águas ou construir habitações populares relocando moradores das áreas de risco? A política é a de remediar, de tapar os buracos com borras de café, ao invés de gastar mais e solucionar a situação. Parece que eles se sentem bem com as catástrofes humanas!
MACHADO, UM ADULTO TRAVESSO
(Chico Ribeiro Neto)
Você já foi abordado à saída de um restaurante por um garçom que lhe pediu para abrir a pasta? E, inteiramente surpreso, descobrir que havia dois pares de talheres dentro dela? Um vexame certamente inesquecível.
Essa é uma das travessuras do jornalista Raimundo Machado, que do alto de sua barba ruiva e dos muitos quilos – reduzidos agora quase à metade graças a um violento regime – se embola de rir ao ver sua situação de pasmo diante do garçom. E ele ainda arremata para o garçom: “O senhor desculpe, é que esse rapaz é viciado em fazer isso. É até uma boa pessoa, mas não se sabe que diabo de força estranha o leva a fazer isso”.
Ele aproveita qualquer vacilo seu no restaurante, principalmente uma ida ao sanitário. É o melhor momento, e, se a pasta for grande, ele coloca, além dos talheres, saleiro e paliteiro, talvez até o cardápio. Quando você se prepara pra sair, ele diz baixinho pro garçom: “Aquele cara ali é meu amigo, mas colocou uns talheres na pasta e eu não posso admitir uma coisa dessa”.
Parece que Machado faz esse tipo de brincadeira pra se vingar do jornalista Otacílio Fonseca que, certa vez, na churrascaria “O-Tchê”, disse-lhe que colecionava cardápios e já que ele estava de paletó por que não colocar debaixo da roupa um daqueles da churrascaria, feito em legítimo couro cru? “Você põe o cardápio debaixo do paletó e me espera do outro lado da rua, enquanto pago a conta”, disse Otacílio. Lá está Machado, todo fagueiro, paletó abotoado, já do outro lado da rua, quando vê um garçom acenando:
– É comigo?
– É, sim senhor, e pode ir logo tirando o cardápio daí do paletó. (Otacílio tinha dado o serviço).
Já que falei no regime de Machado, ele e o filho Márcio, que também estava bem gordinho, entraram juntos na rigorosa dieta. Acostumados a uma dobradinha ou um prato fundo cheio de miraguaia no bar de Grande, os dois passaram a enfrentar diariamente, e só uma vez, uma folha de agrião no prato. “Coma, filho”, dizia Machado. “Não, pai, vá você primeiro”.
Resolveu fazer “cooper” e foi no Iguatemi comprar logo uma roupa de malha e um tênis alemão que Eliezer Varjão lhe recomendou, daqueles que têm até cronômetro adaptado ao tornozelo. Andou com rapidez durante quase uma hora, sentiu-se outro e aí deu uma paradinha pra respirar no Largo de Amaralina; comeu um abará e tomou duas cervejas.
Depois de dois dias seguidos fazendo a cobertura da visita de Collor e Maluf a Salvador, em campanha presidencial, sentiu-se estafado e chegou até a procurar um curso de yoga, mas aquele negócio de colocar o pé direito no joelho esquerdo quase acaba entortando tudo. Só pagou o dinheiro da matrícula e até o quimono novo, comprado em “O Gordinho Elegante”, ficou lá na academia.
Um adulto travesso, Machado é quase impossível de se ver mal humorado. Os contínuos da Redação de A Tarde pensam duas vezes antes de darem qualquer resposta a ele. Sabem que na pergunta está sempre embutida uma brincadeira e ninguém quer cair no esparro.
O paletó e a gravata do competente repórter político não dão para esconder o gozador e bom contador de piadas, principalmente em mesa de bar, arrodeado agora de curtas doses de erva-doce, já que a cerveja encontra-se banida provisoriamente. O detalhe: ele pode varar a noite, mas nunca tira o paletó nem a gravata. Ficam ali arrumadinhos, como se ainda estivessem no aeroporto esperando Maluf.
Uma semelhança com o radialista França Teixeira, principalmente por causa da barba ruiva, já lhe rendeu algumas cervejas; uma vez estava num bar com dois amigos e lá do balcão um ilustre desconhecido gritou: “Ô França, pode deixar que já tá tudo pago”.
Com Machado ao lado, num bar, é bom ficar sempre atento. Senão, ele pode dar seu telefone à mulher mais feia do recinto (acompanhado de um meloso recado) ou fazê-lo sair com talheres na pasta ou um paliteiro no bolso do paletó.
(Crônica publicada no jornal A Tarde, edição de 6/9/1989)
(Veja crônicas anteriores em leiamaisba.com.br)
FLOR DE PRIMAVERA
Autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário, em homenagem à sua neta Cecília.
Flor de primavera,
Perfume abrindo o sol de verão,
Nascestes na virtual era,
Oh, menina soberana,
Cecília é teu nome visão,
Da terra Brasil primaveril,
De origem romana,
Latina Americana.
Flor de primavera,
Teu meigo sereno olhar,
Vai além do horizonte do mar,
Coisa mais linda de se ver,
Como florada de Ipê!
Seja bem-vinda, Cecília,
Aos braços mágicos da vida,
Essa misteriosa passageira,
Peregrina deusa romeira,
De encontros e desencontros,
Amores e dissabores,
Mas dizem que ela é bela,
Como as tintas da aquarela,
Encanto flor de primavera.
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