(Chico Ribeiro Neto)

Você já foi abordado à saída de um restaurante por um garçom que lhe pediu para abrir a pasta? E, inteiramente surpreso, descobrir que havia dois pares de talheres dentro dela? Um vexame certamente inesquecível.

Essa é uma das travessuras do jornalista Raimundo Machado, que do alto de sua barba ruiva e dos muitos quilos – reduzidos agora quase à metade graças a um violento regime – se embola de rir ao ver sua situação de pasmo diante do garçom. E ele ainda arremata para o garçom: “O senhor desculpe, é que esse rapaz é viciado em fazer isso. É até uma boa pessoa, mas não se sabe que diabo de força estranha o leva a fazer isso”.

Ele aproveita qualquer vacilo seu no restaurante, principalmente uma ida ao sanitário. É o melhor momento, e, se a pasta for grande, ele coloca, além dos talheres, saleiro e paliteiro, talvez até o cardápio. Quando você se prepara pra sair, ele diz baixinho pro garçom: “Aquele cara ali é meu amigo, mas colocou uns talheres na pasta e eu não posso admitir uma coisa dessa”.

Parece que Machado faz esse tipo de brincadeira pra se vingar do jornalista Otacílio Fonseca que, certa vez, na churrascaria “O-Tchê”, disse-lhe que colecionava cardápios e já que ele estava de paletó por que não colocar debaixo da roupa um daqueles da churrascaria, feito em legítimo couro cru? “Você põe o cardápio debaixo do paletó e me espera do outro lado da rua, enquanto pago a conta”, disse Otacílio. Lá está Machado, todo fagueiro, paletó abotoado, já do outro lado da rua, quando vê um garçom acenando:

– É comigo?

– É, sim senhor, e pode ir logo tirando o cardápio daí do paletó. (Otacílio tinha dado o serviço).

Já que falei no regime de Machado, ele e o filho Márcio, que também estava bem gordinho, entraram juntos na rigorosa dieta. Acostumados a uma dobradinha ou um prato fundo cheio de miraguaia no bar de Grande, os dois passaram a enfrentar diariamente, e só uma vez, uma folha de agrião no prato. “Coma, filho”, dizia Machado. “Não, pai, vá você primeiro”.

Resolveu fazer “cooper” e foi no Iguatemi comprar logo uma roupa de malha e um tênis alemão que Eliezer Varjão lhe recomendou, daqueles que têm até cronômetro adaptado ao tornozelo. Andou com rapidez durante quase uma hora, sentiu-se outro e aí deu uma paradinha pra respirar no Largo de Amaralina; comeu um abará e tomou duas cervejas.

Depois de dois dias seguidos fazendo a cobertura da visita de Collor e Maluf a Salvador, em campanha presidencial, sentiu-se estafado e chegou até a procurar um curso de yoga, mas aquele negócio de colocar o pé direito no joelho esquerdo quase acaba entortando tudo. Só pagou o dinheiro da matrícula e até o quimono novo, comprado em “O Gordinho Elegante”, ficou lá na academia.

Um adulto travesso, Machado é quase impossível de se ver mal humorado. Os contínuos da Redação de A Tarde pensam duas vezes antes de darem qualquer resposta a ele. Sabem que na pergunta está sempre embutida uma brincadeira e ninguém quer cair no esparro.

O paletó e a gravata do competente repórter político não dão para esconder o gozador e bom contador de piadas, principalmente em mesa de bar, arrodeado agora de curtas doses de erva-doce, já que a cerveja encontra-se banida provisoriamente. O detalhe: ele pode varar a noite, mas nunca tira o paletó nem a gravata. Ficam ali arrumadinhos, como se ainda estivessem no aeroporto esperando Maluf.

Uma semelhança com o radialista França Teixeira, principalmente por causa da barba ruiva, já lhe rendeu algumas cervejas; uma vez estava num bar com dois amigos e lá do balcão um ilustre desconhecido gritou: “Ô França, pode deixar que já tá tudo pago”.

Com Machado ao lado, num bar, é bom ficar sempre atento. Senão, ele pode dar seu telefone à mulher mais feia do recinto (acompanhado de um meloso recado) ou fazê-lo sair com talheres na pasta ou um paliteiro no bolso do paletó.

(Crônica publicada no jornal A Tarde, edição de 6/9/1989)

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