(Chico Ribeiro Neto)

Acordei e vi que tinha um passarinho na estante. Pequeno e marronzinho, parecia um pardal. Me aproximei dele e, antes de tocá-lo, ele fugiu. Mas deixou uma lembrança: um cocozinho.

Antes de voar, despertou a atenção de quem estava na estante. Manuel Bandeira olhou embevecido para o passarinho, Pablo Neruda piscou o olho e Vinicius de Moraes fez um poema de amor.

No canto da estante Rubem Braga pensava em nova crônica, parecida com “O Conde e o Passarinho”, onde descreve o Conde Matarazzo passeando pelo parque e de repente aparece um passarinho que leva sua medalhinha de ouro que exibia na lapela: “Bicou a fitinha, puxou, saiu voando com a fitinha e com a medalha.”

Os serenos olhos de Cecília Meireles também viram o passarinho e lembraram o início do poema “Pássaro”:

“Aquilo que ontem cantava

Já não canta.

Morreu de uma flor na boca:

não do espinho na garganta.”

De lá do alto da estante, sentado no seu livro “Cantigas para um passarinho à toa”, Manoel de Barros lembrou: “Achava que os passarinhos são pessoas mais importantes do que aviões. Porque os passarinhos vêm dos inícios do mundo. E os aviões são acessórios.”

Cansado de cagar lá de cima das árvores e dos fios, o que suja a cabeça de muita gente (alguns até acham que é sorte), o passarinho resolveu “se descarregar” na minha estante.

Ele não deixou nenhuma mensagem além do cocozinho. Olhei pela janela e sorri para o mundo. Acho que foi uma mensagem feliz.

(Veja crônicas anteriores em leiamaisba.com.br)