:: 19/set/2024 . 22:49
INSTANTE DE PASSARINHO
(Chico Ribeiro Neto)
Acordei e vi que tinha um passarinho na estante. Pequeno e marronzinho, parecia um pardal. Me aproximei dele e, antes de tocá-lo, ele fugiu. Mas deixou uma lembrança: um cocozinho.
Antes de voar, despertou a atenção de quem estava na estante. Manuel Bandeira olhou embevecido para o passarinho, Pablo Neruda piscou o olho e Vinicius de Moraes fez um poema de amor.
No canto da estante Rubem Braga pensava em nova crônica, parecida com “O Conde e o Passarinho”, onde descreve o Conde Matarazzo passeando pelo parque e de repente aparece um passarinho que leva sua medalhinha de ouro que exibia na lapela: “Bicou a fitinha, puxou, saiu voando com a fitinha e com a medalha.”
Os serenos olhos de Cecília Meireles também viram o passarinho e lembraram o início do poema “Pássaro”:
“Aquilo que ontem cantava
Já não canta.
Morreu de uma flor na boca:
não do espinho na garganta.”
De lá do alto da estante, sentado no seu livro “Cantigas para um passarinho à toa”, Manoel de Barros lembrou: “Achava que os passarinhos são pessoas mais importantes do que aviões. Porque os passarinhos vêm dos inícios do mundo. E os aviões são acessórios.”
Cansado de cagar lá de cima das árvores e dos fios, o que suja a cabeça de muita gente (alguns até acham que é sorte), o passarinho resolveu “se descarregar” na minha estante.
Ele não deixou nenhuma mensagem além do cocozinho. Olhei pela janela e sorri para o mundo. Acho que foi uma mensagem feliz.
(Veja crônicas anteriores em leiamaisba.com.br)
ASSIM…
Da poetisa Yna Beta – Rio de Janeiro, selecionada pela X coletânea Viagem pela Escrita – homenagem à poetisa Hilma Ranauro.
Da varanda aprecio as montanhas
Tão lindas e tão distantes
Mas, ao mesmo tempo, tão perto.
Assim… é você no meu coração!
A chuva que cai deixa
Um cheiro de terra molhada
Aroma de saudade de um tempo ido
Que não volta mais
Assim… passo meus dias
De pandemia que não tem fim,
E esperança num futuro incerto.
Cuidando dos meus amores
Numa alegria nostálgica
Assim… continuo com meus sussurros…
20/01/23
Hilma é professora de língua portuguesa, poetisa e contista. Publicou dois livros de poemas “Descompasso” (1985) que recebeu menção honrosa no Prêmio Guararapes, da União Brasileira de Escritores, e “Um murro no espelho baço” (1992).
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