:: mar/2025
A ANISTIA E OS ANISTIADOS
Esses do fundo musical emotivo sentimentalista, “oh, meu amado”, das mãos acorrentadas, usando a imagem do Cristo Redentor, com bandeiras verde-amarelo antipatriotas esfumaçadas, pedindo anistia para aqueles que tentaram um golpe de Estado em oito de janeiro de 2023, são os mesmos que apoiam a anistia geral e irrestrita de 1979, imposta pelos generais do regime da ditadura de 1964, que beneficiou os torturadores que mataram e desapareceram com corpos de presos políticos.
Nesta plateia atual temos gerações diferentes, inclusive jovens manipulados por falta de educação e cultura. Essas pessoas acreditam em seus chefes que negam que houve tortura e uma ditadura no Brasil naquela época. São os mesmo que foram para as ruas com cartazes e faixas defendendo uma intervenção militar no país, ou seja, uma nova ditadura para amordaçar a liberdade de expressão.
Será que essa turma é uma reencarnação do passado de trevas? Lá atrás foram a Igreja Católica, a classe média burguesa e os generais que criaram um golpe contra um governo constitucionalmente eleito pelo voto popular, com o argumento de que os comunistas iriam tomar o poder nos tempos de uma “Guerra Fria” entre Estados Unidos e a Rússia.
Atualmente temos um outro cenário um pouco diferente encabeçado por extremistas fascistas, mas também com o envolvimento de alguns generais que mancharam suas fardas, muitas delas de pijama. A derrapada na casca de banana aconteceu porque eles não encontraram respaldo total das forças armadas.
Numa coisa existe uma certa semelhança: Esse bando de hoje, como o da década de 1960, continua chamando o outro lado de comunistas subversivos de esquerda. O atual se apega no princípio de que a eleição foi fraudada. Todos cometeram um atentado e um assassinato contra a democracia.
O grito de anistia de hoje vai para aqueles que tramaram um golpe e não deu resultado. Os anistiados de ontem foram para os torturadores. Esses beneficiários deixaram muitas feridas abertas no país. Como não houve cicatrização, abriu-se espaços para que um grupo agressivo criasse uma baderna e desordem visando a intervenção dos militares para um novo golpe contra a democracia.
Lamentavelmente, tivemos 10 anos de governos de esquerda que quase nada fizeram para punir os torturadores, como ocorreu em governos dos nossos países vizinhos da América do Sul, a exemplo do Uruguai, Argentina e Chile.
Essa bravata de anistia, com imagens apelativas para comover os brasileiros, é justamente porque a anistia de 1979 deixou feridas abertas. Centenas de familiares ainda choram a perda de seus entes queridos, muitos dos quais tiveram seus corpos esquartejados, prensados em usinas de açúcar e outros jogados em rios e no mar.
O que o Estado tem que fazer para reparar essas dores é não anistiar os presos que invadiram os três poderes em oito de janeiro de 2023, com intuito claro de dar um golpe no governo eleito pelo povo. A outra atitude é revogar a anistia de 1979 e prender os vivos que cometeram bárbaras torturas durante a ditadura civil-militar de 1964.
Não é possível que o país repita a mesma história do passado. Caso isso aconteça, a democracia, ainda frágil e relativa que temos, sempre será ameaçada porque a impunidade vai abrir caminhos para novos golpistas.
O Supremo Tribunal Federal tem uma grande parcela de culpa nesse processo porque carimbou a anistia do passado. Não deixa de ser verdade quando se diz que o brasileiro não tem memória porque sempre está se passando uma borracha em nossa história de sangue, ou negando ela, por ignorância do nosso povo e pelas ideias extremistas, odiosas e intolerantes.
“VOZES QUE ECOAM NA JOIA DO SERTÃO BAIANO”
Organização Chirles Oliveira e Ybeane Moreira – Editora Versejar
Trata-se de uma antologia de textos poéticos escritos por várias mãos conquistenses ou filhos adotivos que estão aí na trincheira da resistência da nossa cultura, tão vilipendiada nos últimos anos por esta administração pública que vem menosprezando nossa arte e nossos artistas. É maios um trabalho da iniciativa de pessoas abnegadas, sem nenhum apoio do poder executivo. Portanto, merece toda nossa consideração. Repudiamos, por exemplo, o fechamento há anos dos nossos equipamentos culturais, como Teatro Carlos Jheovah, Cine Madrigal e Casa Glauber Rocha.
Dentre tantos poetas participantes desta antologia, destacamos aqui um dos poemas de Linauro Neto, intitulado “Conquistas”:
Conquista dividida
Entre
Minas e Bahia
Caatinga e mata
Café e catadores
Biscoitos e fome
Friozinho e hipotermia
Lado e outro da Rio-Bahia
Dentro e fora do anel viário
Um bairro rico e muitos pobres
Condomínios fechados e guetos
Bandeiras e Povos Tradicionais
AS CADERNETAS DE MERCADINHOS
Nem a revolução tecnológica, a internet, o celular, os cartões de crédito, o pix e até a inteligência artificial conseguiram apagar certos hábitos antigos das pessoas, como, por exemplo, as cadernetas dos mercadinhos, armazéns e pequenos negócios familiares.
Dia desses estava observando a caixa de um mercadinho do meu bairro anotando numa caderneta as compras feitas por uma senhora onde ela também tem a sua e assina a outra que fica no estabelecimento para ser conferida no início de cada mês, ou na data combinada por ambas as partes.
Numa época onde o dinheiro em espécie está desaparecendo e quase não existe mais o cheque, esta é uma das tradições, talvez milenar, que nunca se acaba. É uma forma de fiado e confiança no cliente onde dono e consumidor são beneficiados na transação comercial.
Quando aquela mulher estava conferindo as compras na caderneta, veio-me a recordação dos tempos de menino quando meu pai mandava eu e minha irmã comprar sal, açúcar, café, feijão, arroz e outros ingredientes numa vendinha próxima da nossa casa.
Ele nos entregava as mercadorias e anotava tudo no lápis naquela velha e surrada caderneta. A honestidade falava mais alto. Não havia risco do bodegueiro ou quitandeiro fazer alguma alteração no sentido de ganhar mais dinheiro.
No final do mês, ou num dia acertado, meu velho passava lá e quitava sua dívida. Muitas vezes não pagava tudo e deixava um restante para depois. Isso, no entanto, não incidia em juros ou virava uma bola de neve como ocorre com o cartão de crédito parcelado.
Havia um laço de confiabilidade que não podia ser quebrado. Ninguém passava a rasteira no outro. Estou citando o caso da caderneta, mas existem outros costumes que ainda resistem, mesmo com o avanço da tecnologia. São coisas que nunca se acabam.
O mesmo acontece quando se trata de cultura popular, como o forró, os ternos de reis, o maracatu, o bumba meu boi. Nos pequenos interiores, principalmente na roça e em comunidades pequenas ainda persiste aquele “oi de casa”, ou a batida de palmas, quando um vizinho e até um desconhecido precisa falar com os donos da casa.
Quanto ao caso das cadernetas, fiquei a pensar que aquela senhora do mercadinho deve ter conta em banco, ou talvez um cartão de crédito (Pix tenho minhas dúvidas), mas utiliza também dessa modalidade e consegue conciliar suas finanças.
Por sua vez, o pequeno empresário sai ganhando porque é mais um cliente que se soma a outros que compram com dinheiro, cartão e pix. Não indaguei, mas percebi que ele não embute nenhuma taxa no produto pelo prazo que ele deu para receber o pagamento através da caderneta.
Como em muitas outras profissões, como as de relojoeiro, sapateiro, ferreiro, alfaiate, amolador de facas e tesouras, as cadernetas de mercadinhos ainda existem. Também sobrevivem o câmbio (trocas) nas feiras de rolos, a permuta de serviços e mercadorias que são negociadas entre os sertanejos do campo.
QUANDO A PALAVRA TINHA SEU VALOR
-Você tem a minha palavra que eu te pagarei a compra no final do mês em tal dia, ou prometo cumprir com nosso trato.
Só a velha geração como eu se lembra desses bons tempos quando a palavra tinha seu valor amarrado no fio do bigode. Alguns mais exagerados selavam até na mistura do sangue. Não estou falando da palavra literária, mas da palavra oral, aquela em que também se baseia o escritor para narrar sua história, fazer sua tese, dissertação e resgatar a memória.
Hoje, meu amigo, é tudo “preto no branco”, ou seja, na tinta escrita no papel e assinada em forma de documento registrado em cartório, com toda burocracia, carimbo e testemunhas. Haja protocolo! Acordo trabalhistas, por exemplo, nem pensar fazer de boca!
Nos tempos atuais, mesmo com documentação e tudo ainda paira a desconfiança porque as pessoas deixaram de ser honestas, para serem trambiqueiras, trapaceiras e malandras. Passar a rasteira no outro é ser mais sabido, astuto e até considerado como sinônimo de inteligência.
O verbo confiar está em pleno desuso, coisa do passado, que só se encontra no dicionário. Quando era menino recordo muito bem do meu velho pai fazendo negócios com seus vizinhos, tudo na base da palavra.
– E aí cumpadi, vamo dividir o roçado meio a meio? Vamos consertar nossas cercas e dividir as despesas? Vou pagar a dívida com 20 sacos de farinha daqui a seis meses.
As conversas eram assim, sem papel e escritura, com aperto de mão. A palavra dada só deixaria de ser cumprida em caso de morte e, mesmo assim, a mulher ou um filho honrava o compromisso para a alma do defunto seguir em paz.
Antigamente, até os coronéis brabos, brutos e cruéis daquela época valorizavam a palavra, e ai de quem desse uma de traidor! Era morte na certa.
Atualmente não basta você dizer que é honesto. Qualquer negociação tem que ser por escrito. Uma aposta tem que ser registrada porque um não acredita no outro.
Por falar em palavra, uma categoria que mais banalizou a honestidade e a seriedade foi a de político. Prometem mil coisas numa campanha eleitoral, mas quando chega ao poder não realiza nem a metade. Na maioria das vezes faz tudo ao contrário. Ainda assim o eleitorado cai em sua lábia.
Ao ver esses exemplos falsos lá de cima, o brasileiro em geral (nem todos) da parte debaixo aprendeu também a ser desonesto e a enganar. Promete votar num candidato e voto em outro. Muitas vezes, infelizmente, recebe dinheiro de um e voto no outro que deu mais.
É isso aí, quando a palavra tinha seu valor, havia mais senso humano, respeito e confiança. Essa questão de se honrar a palavra tem muito a ver com o caráter da pessoa que muito depende da formação familiar e não da escolaridade. As pessoas mais simples e pobres são mais confiáveis do que os endinheirados avarentos e gananciosos.
UM AMBIENTE DE CULTURA E TERAPIA
Ir ao Museu de Kard é como tomar um banho de cultura, conhecimento e saber, além de uma terapia espiritual que lhe faz deixar todos problemas lá fora. Aqueles das correrias diárias. Quando você entra naquele portal e bate o olho na pirâmide, imediatamente vem à cabeça as pirâmides do Egito, a Quepes, Quéfren e a Miquerinos. Em seu entorno, as esculturas nos transportam para uma viagem ao imaginário. Cada um faz sua interpretação porque a arte em si e o artista têm esse poder mágico de provocar, de levar a pessoa à reflexão.
Pelo caminho do xadrez nordestino, do tribunal, do fantástico labirinto, no bule, na sala antiga da televisão, o prédio da exposição das artes plásticas dos expoentes Romeu Ferreira, Valéria Vidigal, Emanuel Kardec, dentre outras obras, o visitante vai sentindo o vento tocar suave em sua alma e criando uma interação entre a arte e a natureza, com as flores (São João), a quaresmeira e as árvores típicas do nosso sertão, no sapé da Serra do Periperi.
O museu, o maior a céu aberto do Norte e Nordeste já conhecido em toda Bahia e no Brasil, é só poesia de forte inspiração, não somente para os poetas. Ah, e passa também aquele ambiente de meditação para o além, não importando qual seja sua religião. Aliás, nem é preciso ter religião. Não importa sua crença ou até mesmo se é ateu. Ali você se encontra com um ser superior. Ainda existem locais reservados para um bom bate-papo relaxante familiar e entre amigos. Cada um expressa sua visão sobre o que viu.
Todas as vezes que vou ao espaço idealizado e criado pelo artista visionário Alan Kardc, me sinto assim, mais humano e relaxante. Dá vontade de morar ali por toda eternidade, ou por toda vida, como queira. Não importa qual seja sua filosofia. Não posso deixar de acrescentar que o museu só cresce.
Agora mesmo, seu criador está construindo o Tambor onde vai abrigar diversas linguagens artísticas e já sugeri para ele que não deixe de incluir a nossa literatura nesse ambiente cultural. Ali também pode servir como espaço para leitura, estudos e pesquisas. Outra ideia, em minhas conversas que já tive com o amigo Alan, é que dentro do museu se construa um museu da imprensa, uma forma grandiosa de resgate da história dos jornais impressos, com destaque para o primeiro “A Conquista”, em 11 de maio de 1910.
Quando vou ao Museu de Kard sempre levo minha máquina fotográfica para flagrar com suas lentes as belezas artísticas e naturais. Até parece que ela também gosta do local porque capricha nas imagens e capta a luz em tempo certo, num ambiente de cultura, paz e terapia.
O METAL VIL MOVE MONTANHAS
– Os idealistas e filósofos costumam dizer que a palavra move ou remove montanhas. Este milenar pensar, além de ser metafórico e figurativo, é abstrato, relativo e subjetivo. O que move montanhas neste mundo capitalista é o dinheiro, meu caro amigo. Quando brindamos, pedimos saúde, pensando no vil metal.
– Pelo visto, você hoje está amargo, aperreado e revoltado com a vida, mas as palavras têm forças de realizar sonhos e fazer mudanças, inclusive nas cabeças das pessoas. Grandes líderes da humanidade fizeram revoluções e movimentos bons e ruins através das palavras.
Essa dialética, ou embate entre o material e o espiritual, existe desde a origem do homem sapiens quando começou a se organizar, saindo da caça, da pesca e da colheita para a agricultura e a propriedade privada. A partir daí tudo passou a girar em torno do dinheiro. O ser humano começou, então, a conhecer a infelicidade.
– A palavra pode até ter o poder de convencimento e concretizar sonhos, mas depende do dinheiro – retrucou o amigo, afirmando que quando a pessoa se vê sem dinheiro, ela entra em desespero e depressão; fica irritado com tudo; não consegue raciocinar direito; e até adoece física e mentalmente. Palavra pode até mover montanhas, mas o dinheiro está em tudo – desabafou.
– Em parte, meu camarada, você tem razão e até compreendo a sua situação e sua agonia, mas seu estado de espírito está mais para confundir. Com este sentimento atrasado, as coisas só tendem a piorar. É quando o urubu debaixo caga no de cima.
– Que nada, vamos ser realistas! Observe uma pessoa endividada e sem dinheiro que olha para todos os lados e não enxerga uma saída. Ela fica macambúzia, banza e mal-humorada, tornando-se até estúpida e bruta. Imagine um pai de família com três ou quatro filhos chorando num canto com fome e ele não tem uma grana no bolso, nem para comprar um pão?
Realmente é um papo complicado e até arrasta energias negativas. Como diz o poeta cancioneiro Raul Seixas, “o ponto de vista é o ponto da questão”. Às vezes julgamos determinadas atitudes de pessoas do nosso convívio de amizades sem procurar saber o que elas estão passando. Muitas vezes, o errado para um, pode ser o certo para o outro.
A velha experiência nos ensina que nem sempre devemos falar tudo o que pensamos, como essa coisa de que só o dinheiro move literalmente montanhas. Do outro lado, existem profissões onde o indivíduo só ganha dinheiro com palavras e muita “lábia”.
A grande maioria não concorda com isso e ainda lhe condena. As naturezas humanas são diferentes. Tem gente que vive alegre e sorrindo, mesmo sem dinheiro. Outros ficam acabrunhados.
Quando um empresário tem recursos, por exemplo, ele derruba uma montanha de minérios e ainda faz um estrago no meio ambiente, vencendo mil palavras contrárias.
Se não me engano, o poeta Fernando Pessoa disparou que a morte é uma confusão. Eu, particularmente, colocaria também a vida nesse rol. Para se nascer é aquela confusão, principalmente para quem não tem dinheiro. A mesma coisa acontece quando se morre.
Trocamos ideias sobre este assunto tão complexo, sem um convencer o outro, mas, num certo momento, achamos por bem falarmos de futebol e amenidades porque religião e política são outros entreveros controversos que, às vezes, terminam em inimizades.
Quando alguém lamenta a falta de dinheiro, o outro do lado rebate prontamente que é o problema de todo mundo, talvez até seja uma indireta com receio de que o queixoso possa se atrever a lhe pedir um empréstimo.
Sabe do caso do moço que foi pedir uma grana ao “amigo” e este contou tanta miséria e desgraça em sua vida que o primeiro chorou e ainda lhe deu o pouco que restava? Ficou sem nada.
Aliás, para o banqueiro, só o dinheiro move montanhas. Para um monge ou um religioso de um convento, são as palavras que movem e removem montanhas através da fé e da esperança. Fé é mistério e dinheiro é como ciência exata.
“FOI O XAMPU, BEM”!
( Chico Ribeiro Neto)
O cara viajou. Disse à mulher que ia voltar quinta-feira, mas chegou quarta à noite.
Estava sem chave. Morava num conjunto habitacional en Salvador, com paredes de cobogós. Resolveu escalar os cobogós até o segundo andar e fazer uma surpresa à mulher. Surpreso ficou ele ao ver o Ricardão ao lado da mulher, de cueca cheia de girassóis. O Ricardão se picou em desabalada correria enquanto ele exigia explicações da mulher.
O caso se espalhou pelo bairro todo e o cara teve que se mudar, pois não aguentava mais ouvir a rua toda gritar seu novo apelido: “Corno Aranha!”
Vamos a outro caso onde quem viajou foi a mulher. Aconteceu num município baiano onde morava “Maciste”, apelido dado porque ele era magro de fazer dó, parecia um palito. O que tinha de baixinho e magrelo sobrava em ousadia. Era só dona Lindaura viajar e “Maciste”, já da Rodoviária, se mandava pra “zona”, onde amanhecia
Ele tinha uma.lanchonete embaixo da casa onde morava, onde se chegava através de uma escada apertadinha.
“Maciste” nunca pensou em levar mulher pra dentro de casa – “tá maluco?” – mas acabou que vai uma cervejinha, vem outra já tava beijando a moça na praça, pra todo mundo ver.
“Faz assim: eu vou na frente, fico na lanchonete distraindo a moça do caixa e você sobe com uma encomenda na mão, qualquer embrulho serve, e logo depois eu subo também”.
O coração de “Maciste” batia como nunca. A cerveja deu pra criar aquela coragem toda, até para abrir a geladeira, cortar rapidinho um tira-gosto de queijo, guardar o porta-retrato dos meninos no guarda-roupa e esconder ligeirinho o chambrão estampado de dona Lindaura.
“Não se preocupe, ela só vai chegar amanhã” – dizia “Maciste”, já de cueca na sala e sem camisa, aparecendo aquela ossada toda, dava pra contar as costelas.
Ele tava animado como nunca, ensaiou uns passos de dança leu poesia de Castro Alves pra ela e chegou até a pensar em fugir pra Salvador um dia desse, agarrado com ela num ônibus-leito que saía meia-noite.
Amaram-se às três da tarde, e “Maciste”, com aquela coragem do mundo todo que a cerveja continuava a dar, foi tomar banho junto com a namorada.
Estava tudo um paraíso se dona Lindaura, que estava pra chegar de viagem na quinta, não chegasse na quarta. “Maciste” ouviu a porta bater e logo depois a voz de dona Lindaura na sala:
“Benhê, você tá aí? Já cheguei”.
Pingavam do corpo de “Maciste” água e suor, numa tremedeira só. Não tinha nada a fazer a não ser sair correndo, já que descer pelo ralo era impossível. E foi isso que “Maciste” fez. Antes de chegar no banheiro, que estava com a porta escancarada, dona Lindaura foi surpreendida com a passagem de “Maciste”, a mais de 100 por hora, molhado e nu, a cabeça branca de xampu.
“Tô cego, tô cego, meu Deus do céu, tô cego, não vejo nada” – berrava “Maciste”, já ganhando a escada e a rua. Dona Lindaura desceu a toda, corria, gritava e chorava.
Quase um quarteirão depois – quando a namorada já ganhara o mundo – conseguiram segurar “Maciste” e enrolá-lo numa toalha, enquanto dona Lindaura chegava esbaforida: “O que foi, meu amor, o que foi que aconteceu com você?”
“Não sei, acho que foi o xampu. Comecei a lavar a cabeça, escorreu pros olhos, parecia que tinha brasa viva nos meus olhos e fiquei sem ver nada, justo na hora que você chegou.
Dona Lindaura mandou trazer uma bacia d’água ligeiro e depois conseguiu um carro pra levar “Maciste” na melhor clínica da cidade. Duas horas depois, depois de muita lavagem nos olhos com soro fisiológico e farta aplicação de colírios especiais, “Maciste” voltava a enxergar lentamente e dona Lindaura perguntava:
“Tá me vendo, bem, tá bem vendo?”
“Tô vendo tudo nublado mas tá melhorando, acho que vou voltar a enxergar”.
“Aquele xampu nunca mais entra lá em casa. Vamos mandar carta pros jornais, vou levar o vidro pra televisão, isso é um crime se vender um xampu desses.
E depois daquele dia o xampu “Havaí del Sol” nunca mais entrou na casa de “Maciste”.
(Crônica publicada no jornal A Tarde em 5/7/1989)
(Veja crônicas anteriores em leiamaisba.com.br)
ADAGAS AFIADAS
De autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário
Oh, deuses gregos-romanos!
Cada um com sua saga ancestral,
Seu feroz instinto animal:
Alianças e tramas atadas,
Com suas adagas afiadas,
Montaram cruel assassinato,
Num trágico secreto ato.
Da Gália Italiana,
Gauleses da terra parisiana
Com seu exército treinado,
Homens bravos mercenários,
Júlio César contrariou o Senado,
Cruzou o Rio Rubicão,
Como um deus furacão,
Em Roma imperial,
Foi louvado e amado
Em sua carruagem triunfal.
Uma guerra civil romana,
Em quarenta e nove
Antes da era cristã,
Fez-se uma carnificina humana,
Brandiram as espadas tiranas,
Nas batalhas sanguinárias,
Que se tornaram lendárias.
No Egito como um tufão
Encurralou o general Catão
Que preferiu se sacrificar,
Ao invés de se entregar;
Renegou a clemência,
Para não ser um prisioneiro
Do seu senhor no cativeiro.
Com suas legiões seguiu avante,
Pois na frente tinha mais gente;
Negociou com a rainha Cleópatra,
Dela fez sua amante,
E do seu ovário
Gerou o bastardo Cesário.
Em Alexandria,
Admirou todo seu esplendor;
Rendeu vênias ao seu criador:
Alexandre, o Grande,
Vindo do rei Filipe da Macedônia,
Que o mundo desbravou,
Como maior conquistador.
Nas Colinas da Anatólia
Praticou sua oratória:
Vim, Vi e Venci,
No aqui e no agora,
Pontuou sua hora,
Consagrou mais uma vitória,
Como guerreiro da história.
Depois de tanto inverno infernal,
Num inferno sem igual,
Destronou o vingador Pompeu,
Que já era pelo povo odiado,
Depois fugiu e foi assassinado,
Para não mais voltar ao reinado.
Em Roma assentou os colonos,
O plebeu apoiou seus comandos;
Deu terras aos seus veteranos;
Ajustou o planeta em seu astral;
Reformulou o calendário anual;
Recebeu mil honrarias:
De rei, deus imperador
Coroado até como ditador;
Expandiu todo vasto império
Do Oriente ao Ocidente.
Ciúmes, invejas e ódio,
Intrigas ambiciosas palacianas,
Brutus virou conspirador,
Com Cassius e Decimus,
A conspiração se espalhou;
Transformaram tudo em terror,
Nas noites cálidas romanas.
Com suas adagas afiadas,
Escondidas em suas togas,
Como feras em manadas,
A César apunhalaram,
Em nome das ideias republicanas,
Senadores enganaram,
Com suas ganâncias espartanas.
Conspiradores traidores,
Nas armações planejadas,
Mais de vinte adagas afiadas,
De mortais ciladas,
Dilaceram suas carnes,
Até costelas quebraram,
E o sangue jorrou no plenário,
Num um aterrorizante cenário,
Na Casa de Pompeu do Senado
Seu maior inimigo,
Onde imaginava ser seu abrigo:
Tudo estava pelos adivinhos previsto,
Em quarenta e quatro antes de Cristo.
Depois os assassinos se refugiaram,
No forte da Colina Capitolina,
Com seus seguranças gladiadores,
E toda Roma chorou suas dores,
Até a sua deusa protetora divina.
No funeral de quatro dias,
Os céus se abriram,
Caíram tempestades e ventanias,
Que lhe fizeram imortal,
Como filho de Vênus e Júpiter,
Na Roma de Rômulo ancestral.
Sua pessoa foi deificada;
Deu nome a outros imperadores,
Que em Roma dinastia reinou,
Depois das adagas afiadas,
Que deixaram mentes revoltadas.
O tribuno Cícero das catilinárias,
Bradou com suas catilinárias,
Marco Antônio hábil negociou,
Um armistício de trégua,
Mas a vingança não tardou.
Outra guerra civil começou,
Da Gália Otávio César Augusto,
Que de Júlio herdeiro se tornou,
Um criou julho e o outro agosto,
O moço ergueu sua espada,
Carregando também sua adaga,
Formou até um triunvirato,
Todos caíram em seu prato,
Não sobrou um conspirador,
Teve até oficial desleal,
Que só queria fazer bacanal,
Que de tanto medo se suicidou.
Por quarenta e um anos,
Augusto César governou,
Jesus ainda era um adolescente,
Com sua filosofia envolvente,
Encantava toda mente,
Pregando paz e amor,
Quando o sucessor Tiberius
A Judéia massacrou
Pilatos lavou suas mãos,
Os sacerdotes insanos,
O filho Deus na cruz crucificou.
UMA LUZ NO FIM DO TÚNEL
Depois de quarenta e seis anos, finalmente nasce uma luz no fim do túnel no sentido de ser revista a anistia geral e irrestrita de 1979, do general Geisel, concedida aos presos políticos que lutaram bravamente contra a ditadura civil-militar de 1964, a qual também beneficiou os torturadores que mataram e desapareceram com os corpos dos resistentes, inclusive do ex-deputado Rubens Paiva.
Li em vários livros a respeito do tema ditadura e sobre movimentos históricos da humanidade, como do combate com sangue contra a escravidão. Nos depoimentos de psiquiatras, filósofos e historiadores, eles são enfáticos quando dizem que não constitui crime lutar e até matar, se for o caso, em nome da liberdade de expressão.
Para ficar mais claro, pela liberdade você tem o direito sagrado de ser um infrator das leis da sociedade e ser absolvido. Até um preso de um penitenciária tem o “direito” de lutar pela sua fuga, se bem que ele tem sua pena acrescida.
A questão da liberdade é comparável ao crime de legítima defesa quando uma pessoa indefesa tenta matar o outro. Liberdade é também vida. Foi o que ocorreu com aqueles que foram para linha de frente contra o regime ditatorial e, em momentos difíceis, cometeram crimes, inclusive de assassinato.
Acabei de ler um pronunciamento, encaminhado pelo meu amigo Dal Farias, da futura presidente do Supremo Tribunal Militar, Maria Elizabeth Rocha onde ela, em entrevista à jornalista Miriam Leitão, diz que Alexandre de Moraes, do STF, é o juiz natural para julgar a organização criminosa golpista de Bolsonaro, e defende o fim da Anistia de 1979.
Segundo ela, esta anistia deveria ser revogada por ser inconstitucional. Ao ser indagada sobre os 23 militares denunciados pela Procuradoria Geral da União pela tentativa de golpe, afirmou que não há crime militar que poderia ser usado como álibi para um julgamento no STM. Defendeu que Moraes deve seguir em frente e que ele é o juiz natural da causa.
Destacou ainda a futura ministra que a denúncia oferecida pela PGR (Procuradoria Geral da República) tem começo, meio e fim e que os indícios são fortes. De acordo com ela, a peça processual está bem fundamentada. Declarou de forma enfática que houve sim uma tentativa de golpe em oito de janeiro de 2023.
Ela vai de encontro ao novo presidente da Câmara Hugo Motta que disse que não houve tentativa. “Quando ele se pronunciou nesse sentido não tinha conhecimento nem noção dos fatos que foram expostos na denúncia”.
Maria Elizabeth ressaltou que viu a tentativa de golpe como qualquer brasileiro que aprecia a democracia, com dor, com sofrimento e com esperanças de que a Constituição prevaleça sempre.
O mais importante em sua entrevista foi quando sinalizou que na presidência do STM vai seguir o entendimento do ministro Flávio Dino visando revogar definitivamente a Anistia de 1979. Seguindo a Constituição, declarou que crimes de tortura não são suscetíveis de anistia.
Como está escrito na bandeira mineira dos inconfidentes, liberdade, ainda que tardia. A Anistia de 1979 foi empurrada goela abaixo dos brasileiros, imposta pelos generais de que era assim ou não haveria abrandamento do regime. É como se diz no popular: É pegar ou largar. Esta anistia, da maneira como foi assinada, é mais uma das tantas vergonhas do Brasil.
UMA QUARTA-FEIRA DE RESSACA E CINZAS PARA OS POBRES ENDIVIDADOS
Se festas e carnavais de muitos dias de farras fossem fatores de aumento de índice de desenvolvimento humano, Salvador, por exemplo, teria um patamar de qualidade de vida comparável aos países nórdicos da Noruega, Suécia e Dinamarca. No entanto, servem para deixar o pobre mais pobre e endividado numa quarta-feira de cinzas de uma ressaca de lascar, inclusive das farras misturadas com drogas.
Em termos de circo, Salvador supera os povos antigos romanos, os maias, os celtas, os sumérios e outras civilizações que passavam dias glorificando seus deuses em homenagens pelas bonanças de uma estação para outra, ou até mesmo para aplacar suas iras. Muitos desses festejos haviam até sacrifícios humanos.
Não literalmente nos altares das oferendas, aqui também no Brasil centenas e milhares de humanos são também sacrificados pela violência nessas épocas do ano, sem contar que aqui os chefes poderosos dominadores do poder nem dão o pão, como ocorria na Roma para iludir os plebeus. Eram os meios de evitar as revoltas.
Dias antes do começo das fuzarcas eles aparecem na mídia dizendo que estão oferecendo milhares de empregos temporários, só que torram milhões de reais tirados do próprio povo, que fica com as migalhas. Nos camarotes e nos trios, os ricos milionários, enquanto no asfalto, os arrastas chinelos.
O que os já empobrecidos ganham, mal dá para pagar suas dívidas, dormindo nos barracos das ruas como escravos dos patrões agenciadores de viagens, hoteleiros e turistas endinheirados. Os pipoqueiros caem nas folias mostrando suas caras de um país desigual, sem educação e saúde. A maioria dorme com suas mentes e barrigas vazias.
A mídia atual entra nesse arrastão burguês capitalista dizendo de alto e bom som nos meios eletrônicos de que tudo é de graça lá embaixo, como se o dinheiro público fosse privado. Na Roma antiga, nos reinados da França, da Inglaterra, da Espanha, de Portugal, entre imperadores e sultões árabes, o discurso era e ainda é o mesmo para seus súditos. Nesse aspecto, não evoluímos em nada, muito pelo contrário. Pioramos em humanização.
Eles mentem descaradamente, e a imprensa se encarrega de fazer a cobertura das mentiras porque ela também faz parte do banquete e leva uma boa fatia do bolo, ou uma “bolada”. Além do mais, temos uma festa anticultura nas músicas e em suas letras vagabundas que merecem ser jogadas na lixeira.
Em se tratando do carnaval de Salvador, por exemplo, esses meios de comunicação alardeiam que é o maior do mundo, como se isso fosse uma glorificação, justamente numa capital com um dos maiores índices de desigualdade e pobreza do Brasil. O carnaval de hoje invade a quarta-feira de cinzas (antigamente ia até meia noite de terça-feira), dia sagrado para os católicos, o que é um desrespeito e intolerância religiosa, quando os promotores da festa pregam o contrário. Não deixa de ser uma cínica contradição.
Não se é contra à diversão do ser humano, mesmo porque faz parte das nossas vidas festejar, curtir momentos felizes, comemorar passagens e datas, mas não nesse estilo exagerado e exploratório onde as festas e os carnavais representam mais concentração de renda nas mãos dos mesmos.
É uma quarta-feira de juntar as cinzas para os pobres trabalhadores e de muita bonança e cofres cheios para os ricos, bem como para os políticos que, infelizmente, devido à grande ignorância popular, ganham mais pontos eleitorais. É o circo sem pão, sem saúde nos hospitais e sem mais ensino nas escolas.


















